Tomou posse no 25 de outubro passado o novo Coordenador Geral de Aqüicultura do Departamento de Pesca e Aqüicultura do Ministério da Agricultura. Sai André Macedo Brügger, no cargo desde a fundação do órgão em 1998, que passa agora a ser ocupado pelo engenheiro de pesca Geraldo Bernardino.
Geraldo Bernardino é Mestre em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos e trabalhou nos últimos 20 anos no CEPTA/IBAMA – Centro Nacional de Pesquisas de Peixes Tropicais em Pirassununga – SP, onde nos últimos quatro anos exerceu o cargo de Chefia. Bernardino faz parte ainda do Comitê Assessor de Aqüicultura do CNPq e traz ainda em seu vasto currículo a presidência da Abraq – Associação Brasileira de Aqüicultura, de 1992 a 1994.
Recém empossado e ainda tomando pé de suas novas atribuições, Bernardino fala aos leitores da Panorama da AQÜICULTURA da edição 61, sobre alguns temas que certamente o manterão muito ocupado nesse seu início à frente do DPA.
Revista Panorama da AQÜICULTURA – Apesar de estar a poucos dias no cargo, já é possível saber quais as estratégias de trabalho do novo Coordenador de Aqüicultura do DPA?
Geraldo Bernardino – Estou pretendendo visitar os estados para me reunir com o pessoal do governo e da produção. As políticas de aqüicultura têm que existir e serem fortalecidas também a nível estadual, assim como existem as políticas estaduais da suinocultura, avicultura, pecuária, etc. Temos que contar com o estímulo dos administradores estaduais que podem, inclusive, atrair investimentos.
RPA – Quais os temas mais urgentes nas discussões internas do DPA ?
GB – O DPA tem o Programa Nacional de Aqüicultura, que deve estar dentro de um programa nacional de governo, que tem suas metas pré-estabelecidas anualmente. Existem várias demandas, por isso o que é preciso fazer é selecionar prioridades que sejam de cunho da política nacional, como os problemas relativos à utilização das águas públicas para a aqüicultura, os assuntos ligados ao registro do aqüicultor e os estímulos de financiamentos. Uma das metas do DPA é a solidificação do apoio governamental à atividade, com ênfase no agronegócio auto-sustentável, considerando que está de acordo com a política do Ministério da Agricultura de assegurar o abastecimento e gerar divisas. Da mesma forma, pela sua importância, não poderão ser esquecidas a geração e transferência de tecnologia para o desenvolvimento desse agronegócio e, finalmente, o aspecto da biossegurança, onde a qualidade, a sanidade e a segurança dos produtos passam a ter um papel muito importante. Entra aí até a idéia do rastreamento do produto, visando um programa de qualidade. Além disso, existe o desejo também de se dar um enfoque específico para a aqüicultura, dentro dos moldes da política de integração e desenvolvimento da agricultura familiar, já existente no governo, e nesse caso seria a aqüicultura familiar.
RPA – Aqüicultura familiar… seria a aqüicultura como atividade de subsistência?
GB – Não. De jeito nenhum. A intenção é gerar emprego, divisas…É aproveitar áreas de assentamento, áreas estratégicas e implantar a aqüicultura como atividade que gere renda. Sabemos que muitas vezes a aqüicultura gera mais renda do que muitas outras atividades que estão sendo praticadas por aí.
RPA – Seria algo parecido com o papel que a mitilicultura tem no litoral catarinense?
GB – É, o mexilhão em Santa Catarina é um exemplo. E olha que a produção não para de crescer apesar de existirem alguns fatores que precisam ser desenvolvidos visando aumentar a qualidade deste produto. O salto qualitativo.
RPA – Isso significa dizer que os recursos do PRONAF – Programa Nacional de Agricultura Familiar, seriam finalmente utilizados pelos aqüicultores?
GB – Essa é outra discussão. O PRONAF não foi feito especificamente para a aqüicultura. Veja o exemplo de um projeto de tanque-rede dentro do PRONAF, onde você tem um custeio de quase 70%. Como seria? O PRONAF não prevê isso. Vemos então que é preciso adequar os programas de governo aos diferentes sistemas da aqüicultura.
RPA – Está previsto implantar a aqüicultura em assentamentos de forma a incrementar o Programa de Reforma Agrária ?
GB – A idéia é aproveitar que o governo dispõe de uma política de agricultura específica para o programa de reforma agrária e introduzir a aqüicultura. É colocar cada vez mais a aqüicultura dentro dos programas que o governo julga prioritários e como esse é um programa prioritário, a aqüicultura tem que estar presente.
RPA – A idéia então é o DPA estar cada vez mais em consonância com os programas de governo?
GB – É muito importante que o DPA trabalhe em integração com outros órgãos do governo. Hoje o DPA é um Departamento que está dentro de uma Secretaria que, por sua vez, está dentro de um Ministério. Existe toda a perspectiva e toda a vontade política em transformar esse Departamento, o mais rápido possível, numa Secretaria Nacional de Aqüicultura. Dentro dessa idéia, a primeira coisa que o DPA tem que trabalhar são as parcerias, principalmente com os outros órgãos de governo. Nós temos que mostrar nossa capacidade de trabalhar integrados a esses órgãos.
RPA – Existe uma pré-disponibilidade para estas parcerias?
GB – Existe. Não só entre as unidades do próprio Ministério da Agricultura, como a Defesa Sanitária, o pessoal da Política Agrícola, os da qualidade de ração e outros, como também em diferentes áreas do governo que envolvem outros ministérios.
RPA – Em 1998, o Gabriel Calzavara, diretor do DPA falou em convênios com o MEC como uma prioridade na formação de mão de obra. Já existe algum convênio para que a aqüicultura venha a fazer parte de curriculum ?
GB – É indiscutível a deficiência de pessoal capacitado para a aqüicultura, em todos os níveis. A cadeia produtiva engloba a capacitação e assistência técnica, e dentro deste pensamento é preciso um programa que fortaleça os cursos de nível médio, que formam técnicos em pesca ou técnicos em piscicultura, como os que já existem no Amazonas, no Maranhão e no Paraná, além da implantação de outros cursos de capacitação formal, já em estudo com o MEC. No caso de capacitação informal, contamos com o SEBRAE, que já possui cursos de curta duração, em nível regional.
RPA – Agora, o tema que não quer calar…as águas públicas para a aqüicultura..
GB – Já faz muito tempo que esse assunto vem sendo discutido pelos vários órgãos envolvidos nesta área, não só o Ministério da Agricultura, como o do Meio Ambiente, Marinha e Patrimônio da União. Acredito que agora este processo está numa fase final, irreversível. Na verdade quem está definindo os procedimentos são esses quatro ministérios envolvidos. O que tem que ser feito agora é uma decisão política e ela define que a clientela não pode mais esperar. Veja só: os próprios bancos que anteriormente vinham financiando os tanques redes em águas públicas pararam de financiar e só vão retomar quando a legislação estiver aprovada e se o indivíduo tiver o registro de aqüicultor. Então esse processo, como eu disse, é irreversível e tem de sair o mais rápido possível. Num país como o nosso, de regiões tão distintas e condições de qualidade ambiental diferenciadas, é natural que a legislação passe posteriormente por emendas e adaptações, e é natural que as tenha. O fundamental, no entanto, é que esta legislação vá logo para as mãos da sociedade. Já é uma urgência.
RPA – Mudar uma legislação depois de ter sido publicada não é algo complicado?
GB – Existem casos e casos. Veja bem a região do Amazonas onde temos um problema de sustentabilidade ambiental de nível internacional e preocupação com biodiversidade, onde deve ser verificada a dinâmica das águas, o livre trânsito de cardumes, a pesca, etc. A utilização das águas públicas lá terá que ser diferente da utilização das águas públicas no rio São Francisco, onde os ambientes encontram-se totalmente alterados. Essa legislação das águas públicas tem que sair agora, como está, e com o tempo, caso a caso, será rediscutida.
RPA – Este assunto não está sendo tratado com preciosismo exagerado?
GB – Quando se fala em aqüicultura hoje, a idéia de fomento e ordenamento não existe. O que existe é o desenvolvimento sustentável, que leva em consideração outros indicadores como o social e o econômico, além do ambiental. Além disso, é preciso saber que a aqüicultura como atividade zootécnica não vai influenciar tão gravemente nesta qualidade ambiental porque este é o fator de existência da atividade. Eu tenho certeza de que quando a aqüicultura começar a utilizar as águas públicas, teremos os próprios empresários e os produtores preocupados com a qualidade de água, porque ela faz parte do negócio deles.
RPA – Afinal, o que está acontecendo, não estava faltando apenas colher algumas assinaturas?
GB – Falta articulação para juntar esses órgãos num dia só e resolver logo isso. De fato são só assinaturas, porque não estamos no momento de alterar nenhum texto, isso significa novas e mais discussões.
RPA – Como as concessionárias de energia elétrica estão vendo o uso das águas para a aqüicultura?
GB – Já existem tanques-rede no São Francisco, no Paraná, no Tietê. Existem outros locais em que não se tem tanques-rede em grande quantidade, como é o caso de Itaipu. Existe sim uma diferença da aceitabilidade da legislação por parte das concessionárias, mas na maioria, aonde a atividade vem se desenvolvendo e já existe uma tecnologia dando um certo retorno, há uma aceitabilidade. Há também os casos dos órgãos de desenvolvimento como o DNOCS e a CODEVASF, todos muito interessados em se adequar. A CHESF dá uma demonstração disso, quando vemos Xingó e Paulo Afonso repletos de tanques-rede, num programa que tem a Bahia Pesca como coordenadora e promotora. O que vemos é que onde está sendo desenvolvido o cultivo em águas públicas têm-se o apoio dos próprios órgãos governamentais. O que está faltando é a legislação federal.
RPA – E com relação ao Registro de Aqüicultor? O fato de o DPA coletar e compartilhar os dados dos aqüicultores com o Ministério do Meio Ambiente não é um fator que pode afastar o produtor do cadastramento, sob pena dele ser controlado, fiscalizado e até punido pelo IBAMA?
GB – O cadastramento, o registro do aqüicultor deve ser utilizado pelo DPA como um grande instrumento para a coordenação da atividade e da promoção de política para a atividade. Existe entretanto, uma legislação no país preocupada com a sustentabilidade ambiental. Quando conversamos com um criador de tilápia, percebemos que ele tem uma grande preocupação com a qualidade da água. O DPA está usando o registro como fomento, mas é preciso dar ao produtor um retorno. Se uma empresa ou produtor faz manejo de reprodutores, e desenvolve um trabalho de sustentabilidade, o registro dele tem que ser diferenciado, pois isso atesta a qualidade do seu produto.
RPA – De que maneira as associações poderão ajudar o produtor no cadastramento? GB – Eu acho que é de grande importância a organização dos produtores. Uma associação tem a força de discutir os reais interesses do aqüicultor.
RPA – Como ex-presidente da ABRAq, algum comentário sobre a Associação hoje?
GB – Acredito que as associações que hoje estão conseguindo uma grande representatividade são as específicas, como por exemplo a ABCC do camarão, a ABRAT das trutas, onde existem empresários interessados no desenvolvimento. Quando se fala em ABRAq, a aqüicultura está generalizada, e isso se torna difícil, especialmente porque é uma associação mais voltada para o cunho científico do que para a política de desenvolvimento da atividade.
RPA – Desde a sua fundação, o DPA absorveu algumas pessoas que trabalhavam na aqüicultura do IBAMA. Agora, o próprio coordenador do departamento, também do IBAMA, vem se somar a equipe. Será que o DPA de hoje não ficará muito parecido com o antigo IBAMA?
GB – Hoje o DPA tem muito bem identificadas quais são as suas atribuições. Não podemos ter pressa, mas temos que agir. O DPA não pode cometer os erros passados e precisa ser eficaz. Se o DPA tem a cadeia produtiva como objetivo principal deve gerar uma base de informação para referenciar política pública e privada. Ele é um órgão articulador de ações que está dentro de um órgão público que é o Ministério da Agricultura, no sentido de desenvolver agronegócios. O DPA não tem o crédito para o produtor, mas faz parte de suas funções desenvolver ações para que o produtor possa vir a ter financiamentos. Ele não tem centro de formações, mas é sua função articular para que existam não só centros de formação como também centros comerciais da aqüicultura. O DPA não será nunca igual ao antigo IBAMA. Esse perigo não existe.
RPA – O que o novo Coordenador do DPA espera a curto, médio e longo prazo,?
GB – A curto prazo espero que tenhamos um plano de apoio ao desenvolvimento da aqüicultura dentro do programa de governo. A médio prazo, que as articulações operacionais consigam que a aqüicultura faça parte de políticas públicas e setoriais desse País. A longo prazo, o que todos nós queremos: que o Brasil não seja mais o país com potencial para a aqüicultura, mas que dentro de um programa bem delineado o Brasil se transforme num dos principais países produtores de pescados provenientes da aqüicultura.
RPA – Para finalizar?
GB – Não posso esquecer de informar que estamos definindo junto ao CNPQ o apoio para o Projeto Plataforma, que a meu ver é muito interessante porque divide a aqüicultura por produtos. Nesta primeira fase do Projeto, é preciso definir quais são os órgãos governamentais que estão envolvidos e que podem dar apoio (leia-se também recursos) à Plataforma, para que depois seja procurada a iniciativa privada.
RPA – Que canais hoje os aqüicultores têm para entrar em contato com o DPA?
GB – Temos o telefone do Departamento (61) 218-2901 e todos os que trabalham no DPA tem e-mail, o meu é: [email protected]