Uso de hormônios liberadores de gonadotropina na indução da ovulação, espermiação e técnicas de fertilização artificial em rã-touro (Rana catesbeiana)
Por Claudio Angelo Agostinho*
e-mail: [email protected] e
Francisco Stefano Wechsler* –
e-mail:[email protected]
* Professores da Faculdade de Medicina
Veterinária e Zootecnia da UNESP – Botucatu-SP
O Controle da reprodução é uma das maiores dificuldades encontradas pelo ranicultor brasileiro. Na maioria dos ranários os reprodutores são mantidos em baias de acasalamento coletivo durante todo o ano, onde estão sujeitos às variações climáticas, provocadas pelas frentes frias na região Sul e Sudeste, e pelas chuvas e altas temperaturas no Norte e no Nordeste. Nas regiões onde o inverno é rigoroso, os reprodutores ficam debilitados e só se recuperam 1 a 2 meses após o término do inverno.
Mesmo nos meses propícios a reprodução, os acasalamentos só ocorrem quando há estímulos naturais, resultando em um grande número de desovas em determinados períodos e quase nada em outros. Esta dependência de estímulos ambientais para a reprodução impossibilita o planejamento da produção. Comprometendo o cronograma de criação, pois as produções de girinos e imagos ficam restritas a alguns meses do ano e, conseqüentemente, os galpões de recria e os tanques de girinos permanecem vazios durante vários meses.
Tal situação leva o ranicultor a superdimensionar o setor de reprodução, onerando consideravelmente os custos com a manutenção e reposição de reprodutores, sem resolver o problema.
A exemplo do que ocorre na piscicultura, a utilização de hormônios para a indução do acasalamento ou fertilização artificial poderá ser, a curto prazo, a solução para os criadores de rãs, onde a injeção de hipófises (gonadotropinas) ou hormônios liberadores de gonadotropina são usadas como atalho para desencadear o processo reprodutivo sem a necessidade dos os estímulos ambientais. Possibilitando a sincronização das desovas para o período desejado. Entretanto, a eficiência da técnica de indução está vinculada ao desenvolvimento gonadal dos reprodutores.
Os primeiros trabalhos de indução à reprodução de rãs com extrato bruto hipofisário foram realizados nos Estados Unidos por Rugh em 1935. Em 1974, George Nace, também daquele país, propôs o uso de progesterona para potencializar a ação das hipófises na indução da ovulação; o autor empregou 5 mg de progesterona e duas hipófises para a reprodução de cada fêmea. Em 1998, Osvaldo P. Ribeiro Filho em pesquisa realizada na Universidade Federal de Viçosa testou várias dosagens de hipófise na indução do acasalamento de rã-touro. Os melhores resultados obtidos pelo autor foram as doses de 5 ou 7 mg/kg aplicadas em duas vezes (10% do total na primeira e o restante na segunda dose, 12 horas após).
O emprego de hormônio sintético para a indução da ovulação e espermiação é rotineiro em laboratórios de anfíbios, apresentando excelentes resultados. Os hormônios liberadores de gonadotropina são facilmente adquiridos e gozam de fácil dosagem e aplicação. Dentre os hormônios sintéticos usados na reprodução de rã-touro destacamos o acetato de buserelina, com o nome comercial de Conceptal, fabricado pela Hoechst do Brasil; e o análogo ((Des-Gli10, D-His(Bzl)6, Pro-NHEt9)-LHRH)) fabricado pela Bachem, USA.
Apesar da técnica de indução a ovulação e espermiação já se encontrar em condições de ser usada pelos ranicultores no que diz respeito à dosagem de hormônio, foram detectados vários entraves. Entre eles podemos citar os seguintes: o ranicultor não possui uma baia climatizada para a mantença de reprodutores; os hormônios sintéticos testados até o momento precisavam ser importados; e a principal dificuldade é que a metodologia de fertilização artificial baseada nos trabalhos publicados não apresentava resultados satisfatórios.
A limitação da técnica de fertilização artificial descrita na literatura ocorria porque os autores propuseram a extração e a fertilização dos óvulos simultaneamente. Conseqüentemente, quando os últimos óvulos estão sendo fertilizados, os primeiros já se encontram excessivamente hidratados. A substância gelatinosa que envolve os ovos torna-se pegajosa e aderente, formando grumos (agregado de ovos) e dificultando o manuseio dos ovos recém-fecundados. Os ovos que estão no interior do agregado apresentam dificuldade de respiração e geralmente morrem antes da eclosão.
Técnica modificada
Foram desenvolvidos alguns trabalhos no Laboratório de Aquicultura da UNESP de Botucatu e as modificações pertinentes foram realizadas na técnica de fertilização artificial descrita na literatura, principalmente no que se refere à metodologia de retirada e fertilização dos ovos. As mudanças foram feitas tomando por base as técnicas de fertilização artificial de peixes com ovos não aderentes, mantendo as dosagens hormonais definidas para as rãs na literatura. A técnica de fertilização modificada segue os seguintes passos:
a) Indução à ovulação: aplicação de 10mg de hormônio liberador de gonadotropina ((Des-Gli10, D-His(Bzl)6, Pro-NHEt9)-LHRH)) por kg de peso vivo, a cada 12 horas, até a ovulação, que ocorre de 24 a 36 horas após a primeira aplicação.
b) Colheita de esperma: aplicação de 10mg de LHRHa por kg de peso vivo. Uma hora após a aplicação, o esperma é retirado, introduzindo a ponta de uma pipeta de 2,0 ml na cloaca do macho e colhendo de 2,0 a 4,0 ml de esperma (Figura 1). São usados dois a três machos para cada fêmea, e a mistura de esperma deve ser diluída em 100 ml de água, pouco antes da fertilização artificial.
c) Extração dos óvulos: a extração é realizada segurando a fêmea pelas patas posteriores e comprimindo o ventre com o auxílio do polegar. Os óvulos, são colhidos em recipiente seco e limpo. O tempo necessário para o completo esgotamento do ovário é de aproximadamente um minuto (Figura 2).
d) Fertilização artificial: o esperma diluído é vertido sobre os óvulos, agitando-se a mistura por aproximadamente dois minutos. Os ovos fecundados são misturados em 15 litros de água, até a completa hidratação. Após a hidratação, os ovos são colocados em incubadoras flutuantes de madeira providas de fundo de tela plástica com malha de 1,0 mm (1,0 m por 0,70 m).
Nas propostas anteriores de fertilização artificial, a extração dos óvulos e a fertilização eram realizadas simultaneamente. Conseqüentemente, quando os últimos óvulos estão sendo fertilizados, os primeiros já se encontram excessivamente hidratados. Além disso, a substância gelatinosa que envolve os ovos torna-se pegajosa e aderente, dificultando o manuseio dos ovos recém-fecundados. Constatou-se que quando a fecundação é simultânea à extração dos óvulos, há formação de grumos, que dificultam a respiração dos ovos recém-fecundados e dos futuros embriões, podendo causar mortalidade.
Na técnica de fertilização modificada não ocorre a formação de grumos, pois os óvulos são fertilizados após o completo esgotamento do ovário, e tal procedimento evita a hidratação irregular. A diluição do esperma com 100 a 200 ml de água, facilita a mistura dos ovos com o esperma e a hidratação homogênea dos ovos. A hidratação dos ovos em 15 litros de água evita a aderência dos ovos, além de facilitar a distribuição da desova nas incubadoras. A técnica descrita neste trabalho dispensa utensílios como penas ou pás para a homogeneização no momento da fecundação artificial.
Em ensaios realizados em 1998 no Laboratório de Aquicultura verificaram-se taxas médias de fecundação artificial de 39 a 83 % em fêmeas com peso médio de 360 gramas; o número médio de girinos obtidos por desova foi 9.600. As taxas de fecundação foram semelhantes às obtidas em 1998 por Osvaldo P. Ribeiro Filho em acasalamentos induzidos por extrato bruto hipofisário (33 a 90%). O número de girinos foi semelhante ao obtido em 1996 no Laboratório de Aquicultura em acasalamentos induzidos por meio de hormônios sintéticos e superaram os valores observados em acasalamentos naturais nos ranários comerciais (7.500 em média).
Escolha do hormônio
Atualmente existem duas opções para a induzir a ovulação e espermiação em rãs: a hipofisação, na qual o hormônio (gonadotropina) que desencadeia a liberação dos gametas é injetado e entra na corrente sangüínea; e a indução pela injeção dos hormônios LHRH análogos que estimulam a hipófise a liberar gonadotropina na corrente sangüínea.
O extrato bruto de hipófises tem sido usado na indução da reprodução de rãs desde 1935. A técnica de hipofisação consiste em macerar e injetar a pituitária de uma fêmea sexualmente madura (doadora) em outra fêmea pronta para a reprodução. Entretanto, os extratos brutos hipofisários são impuros e contêm hormônios acessórios e outros componentes que podem estimular ou inibir a reprodução. Devido ao desconhecimento destes componentes e da variação da quantidade de gonadotropina em uma dada pituitária de acordo com o estádio de maturação da fêmea, a sua ação é muito imprevisível.
Os hormônios liberadores de gonadotropina apresentam as seguintes vantagens sobre o extrato bruto hipofisário (gonadotropinas): atuam no início da cadeia hormonal, proporcionando condições para que a rã produza sua própria gonadotropina; o LHRH não é altamente espécie-específico como as gonadotropinas; os hormônios liberadores de gonadotropinas são simples, facilmente fabricados, estáveis, e sua atividade biológica não varia de lote para lote.
O uso de um antidopamínico (domperidona) para potencializar a ação do LHRHa na indução da ovulação de peixes é comum e já ocorre há alguns anos. Esta proposta foi testada na reprodução de rãs no Laboratório de Aqüicultura da UNESP, resultando na redução de 8mg de LHRHa por Kg de peso vivo de fêmea. Esta redução na quantidade de hormônio injetado será importante na redução dos custos de produção de desovas.
Devido às dificuldades com a importação do LHRHa fabricado pela Bachem, recomenda-se o uso de acetato de buserelina potencializado com a domperidona. As doses de 2 mg de cada hormônio devem ser misturadas e completadas com 1 ml de solução fisiológica para cada quilo de rã viva. O acetato de buserelina é um produto veterinário comercial e o Motilium é um medicamento (comprimidos) de uso humano; ambos podem ser encontrados no Brasil.
Climatização
Tanto a temperatura como o fotoperíodo são muito importantes no controle da reprodução de rã touro. Mário Roberto Chim Figueiredo verificou em trabalhos realizados na Universidade Federal de Viçosa em 1995, que os melhores resultados de desenvolvimento gonadal ocorrem quando a temperatura do ar está entre 26 oC to 29 oC, e que a 35 oC ocorreu a regressão do ovário. Portanto, conclui-se que, se o ambiente de mantença não for controlado, não será possível realizar a reprodução artificial, pois, a ovulação ou a espermiação, só poderão ser induzidas se a rã se encontrar em maturação avançada.
No laboratório de Aqüicultura da UNESP de Botucatu foram construídas baias de mantença para reprodutores, adaptadas de caixas de fibrocimento de 750 litros com as seguintes dimensões internas: 0,9 m de comprimento, 1,20 de largura e 0,9 m de altura (Figuras 3 e 4).
As caixas foram providas de piscina, piso suspenso construído com placa de muro pré-fabricado e comedouro vibratório na extremidade oposta à piscina. As baias são aquecidas com resistências elétricas de 150 watts controladas por termostato, e as condições ambientais dentro da baia são ajustadas para 16 horas de fotoperíodo, 26ºC de temperatura do ar e 25ºC para a temperatura da água.
A densidade de animais nestas baias é de 25 a 30 reprodutores alimentados com ração comercial. As exigências nutricionais para a reprodução de rã-touro são desconhecidas; entretanto o desempenho reprodutivo de rãs alimentadas com uma ração extrusada que continha 45% PB, 2160 Kcal/kg de energia metabolizável e 4% de gordura foi satisfatório.)
Os reprodutores mantidos nas baias climatizadas reproduziram-se no inverno, e mostraram rápida recuperação do ovário, respondendo novamente à indução por hormônio com intervalos de 1 a 2 meses entre desovas (Tabela 1).
Apesar de a rã touro apresentar uma capacidade de recuperação do ovário muito rápida, recomenda-se um período de 2 a 2,5 meses entre as induções hormonais, para que não ocorra desgaste fisiológico da fêmea.