Frequência Alimentar e Alimentação Noturna de Tilápias

A alimentação manual é a forma mais utilizada nas pisciculturas, entretanto, quanto maior é a unidade de produção mais complexo e oneroso se torna o manejo alimentar, devido à necessidade de um maior número de tratadores capacitados para detectar mudanças no comportamento dos peixes e adequar o fornecimento de ração.

A alimentação automática foi um dos principais fatores que permitiu o desenvolvimento industrial da avicultura, pois quando o abastecimento dos comedouros era realizado manualmente, um tratador cuidava de um galpão com aproximadamente 15.000 aves em fase de recria e engorda e, com o abastecimento automático dos comedouros, um tratador cuida atualmente de quatro galpões, com aproximadamente 60.000 animais.

Os alimentadores automáticos para peixes encontrados no mercado foram fabricados com dispositivos próprios para lançar a ração a grandes distâncias em viveiros. Estes dispositivos aumentam o custo do alimentador inviabilizando seu uso em tanques-rede, onde é necessário um alimentador automático para cada unidade.

Por: Rodrigo Morgado Ramalho de Sousa, Unesp de Botucatu
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Cláudio Angelo Agostinho, Unesp de Botucatu
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Fernando Alcântara de Oliveira, Unesp de Botucatu,
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Daniel Argentim, Unesp de Botucatu
e-mail: [email protected]


AGOSTINHO e LIMA (2004) desenvolveram um dispensador automático de ração ideal para tanques-rede, com custo quatro a cinco vezes inferior aos dispensadores encontrados no mercado. Este equipamento consiste em um reservatório, dimensionado de acordo com o tamanho do tanque-rede, que libera a ração nos intervalos e quantidades pré-determinadas (Figuras 1 e 2).

 

Figuras 1 e 2 - Tanques-rede providos com dispensadores automáticos de ração e comedouros
Figuras 1 e 2 – Tanques-rede providos com dispensadores automáticos de ração e comedouros

Frequência Alimentar

O consumo de alimento e o manejo alimentar (horários, quantidade e intervalo entre alimentações) são fatores essenciais para o sucesso na piscicultura. O manejo alimentar correto é indispensável para melhorar o crescimento dos peixes e a sua uniformidade, sem o comprometimento sanitário, pois o excesso de alimento, além de provocar alterações metabólicas, implica na deterioração da qualidade da água.

Recomenda-se que o manejo alimentar para as espécies filtradoras que se alimentam com muita freqüência na natureza, seja realizado de maneira que os peixes recebam a ração em pequenas porções e com maior freqüência diária (Meer et al., 1997).

O metabolismo de lipídeos pode ser influenciado pela freqüência de alimentação. YAO et al. (1994) analisando os efeitos da freqüência de alimentação em Plecoglossus altivelis (ayu), relataram que os peixes alimentados quatro vezes ao dia apresentaram um nível mais baixo de triglicerídeos do que aqueles alimentados somente duas vezes ao dia.

O rendimento e composição bromatológica do filé foram melhores em tilápias submetidas a duas e a quatro refeições diárias do que em frequências menores, como uma refeição a cada dois dias ou uma refeição/dia (PÁDUA et al., 2001).

No cultivo de tilápias e de peixes em geral, são utilizados três sistemas para o fornecimento de ração: alimentação manual, por demanda e, automática. Todavia, a alimentação automática (frequência de 12 vezes ao dia) para tilápias nilóticas tem apresentado resultados surpreendentes em comparação aos outros métodos (NOVATO, 2000). Resultados semelhantes foram obtidos para o Dicentrarchus labrax (sea bass), (AZZAYDI et al., 2000).

Alimentação Noturna versus Diurna

O dispensador automático além de possibilitar o aumento da frequência alimentar, pode fornecer alimento no período noturno, prática inviável nas pisciculturas comerciais onde a alimentação é feita manualmente, devido ao alto custo com mão-de-obra, já que para essa prática, seria necessária a disponibilização de funcionários no período noturno. Porém, alguns experimentos realizados com tilápia, truta, catfish, bagre africano e outras espécies, mostraram que essas espécies se alimentam também no período noturno. A tilápia tem sua atividade alimentar fortemente ligada ao fotoperíodo, apresentando uma maior atividade ao amanhecer e ao fim do período de luz (TOGUYENI et al., 1997). Uma melhor taxa de crescimento e conversão alimentar foi observada em juvenis de tilápia nilótica (Oreochromis niloticus) alimentadas no período noturno, comparadas as alimentadas durante o dia (Baras et al., 1995).

Alguns autores observaram que determinadas espécies como a truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss), alimentada através de alimentadores de demanda, apresentou picos de alimentação ao amanhecer e ao anoitecer (BOUJARD & LEATHERLAND, 1992; SHIMA et al.,2003). YAMAMOTO et al. (2002), em estudo realizado com truta arco-íris, observaram que na primeira hora do período noturno houve um significativo número de acessos aos alimentadores de demanda, entre 7 a 9% do total de acessos durante o dia.

A truta arco-íris quando submetida à alimentação automática ingere uma quantidade maior de ração do que quando submetida a alimentadores de demanda, e os picos de alimentação dessa espécie estão entre cinco a seis horas da manhã e de seis a sete horas da noite (VALENTE et al., 2001).

A eficiência da alimentação noturna foi relatada por Hossain et al. (2001) para alevinos de bagre africano (Clarias gariepinus). Quando foram alimentados à noite (quatro vezes por noite) com alimentadores automáticos, apresentaram uma melhor conversão alimentar comparados àqueles alimentados somente de dia, ou durante o dia e a noite.

Vantagens da Alimentação Automática em Tanques-rede

Em pisciculturas comerciais uma grande quantidade de ração é fornecida em apenas uma ou duas porções diárias. A ração que sobra é lixiviada e fermentada, alterando a qualidade da água e do alimento disponível. Com o uso de dispensadores automáticos é possível fornecer a ração em pequenas porções com maior frequência, conforme o consumo das tilápias, diminuindo, desta maneira, o desperdício, a poluição e a competição por alimento.

O uso de dispensadores automáticos pode reduzir consideravelmente o custo com a mão-de-obra e aumentar a produtividade da criação de peixes em tanques-rede, já que pode ser abastecido a cada dois dias ou mais, dependendo do tamanho do reservatório. Além disso, possibilita a alimentação noturna, sem a necessidade de disponibilizar um ou mais funcionários para essa prática.

Experimento

No Setor de Aquicultura da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Unesp – Botucatu, foi conduzido um experimento com base nas informações apresentadas, com o objetivo de avaliar o desempenho da tilápia em tanques-rede, providos com dispensadores automático de ração (Patente de Invento Nº 0403612-3).

As tilápias foram alimentadas em diferentes frequências (06, 12 e 24 refeições por dia) e, com fornecimento de ração em diferentes períodos (diurno, noturno e em ambos). Foram utilizados 18 tanques-rede de 1,0 m³, distribuídos em um viveiro de 2000 m², com profundidade média de 2,0 m e com renovação de água de 10 % (Figura 3). Os juvenis de tilápias, com média de peso de 16 gramas, foram distribuídos nos tanques-rede na densidade de 170 peixes/m³.

Figura 3 - Tanques-rede com dispensadores automáticos de ração
Figura 3 – Tanques-rede com dispensadores automáticos de ração

O arraçoamento diário foi realizado baseando-se no peso vivo dos peixes utilizando uma taxa de alimentação superior à tabela proposta por KUBTIZA (2000). A quantidade de ração foi ajustada após a biometria realizada a cada 21 dias (Figuras 4 e 5). A ração utilizada nos primeiros 42 dias do experimento continha 36% de proteína bruta e dos 42 aos 63 dias, 32% de PB. Os dados observados são referentes ao período de 17 de março a 19 de maio do ano de 2006.

Figura 4 - Coleta de peixes para biometria
Figura 4 – Coleta de peixes para biometria

Figura 5 - Biometria de tilápias
Figura 5 – Biometria de tilápias

Resultados Preliminares

O experimento ainda não foi concluído, entretanto, no período 17 de março a 19 de maio, o tratamento com maior frequência de arraçoamento (24 vezes, diurno e noturno) apresentou os melhores valores para conversão alimentar, ganho médio diário e peso final (Tabela 1). TUNG & SHIAU (1991) observaram que tilápias (Oreochromis sp) alimentadas seis vezes ao dia apresentaram melhores índices de ganho de peso, eficiência alimentar e deposição de proteína comparadas com as que foram alimentadas quatro vezes ao dia. Trabalhos realizados com juvenis de esturjão branco (Actipenser transmontanus) demonstraram que o melhor desempenho foi obtido quando estes foram arraçoados de hora em hora por um período de 24 horas por dia, do que com menores frequências.

Tabela 1. Freqüência alimentar e índices zootécnicos dos diferentes tratamentos
Tabela 1. Frequência alimentar e índices zootécnicos dos diferentes tratamentos

Uma prática comum em criações comerciais de tilápias, é a triagem periódica para diminuir a falta de uniformidade dos lotes, esta prática causa estresse, que geralmente resulta em mortalidade após o manejo. Os resultados obtidos durante este experimento, apesar de preliminares, demonstraram maior uniformidade dos peixes no tratamento com freqüência alimentar de 24 vezes. KOSKELA et al. (1997) observaram que peixes da espécie Coreogonus lavaretus quando alimentados com freqüência de 24 vezes em um período de 24 horas apresentaram crescimento mais homogêneo do que aqueles alimentados 6 vezes por dia.

Os autores atribuem esta homogeneidade do tamanho dos peixes à menor competição pelo alimento. Segundo TSADIK & KUTTY (1987), o consumo de alimento, a absorção e o crescimento de tilápia são influenciados pela quantidade de oxigênio dissolvido na água. Os autores observaram que ao reduzir a concentração de oxigênio dissolvido na água de 7 mg/l para 1,5 mg/l, o consumo de alimento e a absorção reduziram em 40 e 60%, respectivamente. Ressalta-se que os melhores resultados de conversão alimentar foram obtidos no tratamento com maior frequência de arraçoamento. Quando a ração é oferecida com maior frequência a demanda diária de oxigênio é diluída, além disso espécies como a tilápia que possuem trato digestório longo e hábito alimentar onívoro/planctófago, devem aproveitar melhor o alimento quando a frequência alimentar é maior.

Os resultados de ganho de peso obtidos até o momento são promissores, pois as biometrias foram realizadas no outono, e conforme pode ser observado na tabela 2, a temperatura média já estava abaixo da temperatura ideal para o cultivo, que segundo KUBTIZA (2000), pode variar entre 27 e 32ºC. Na tabela 2, verifica-se que os níveis de oxigênio se encontravam abaixo dos níveis observados por PAES (2006) nas represas do Estado de São Paulo onde as tilápias são cultivadas em tanques-rede (ao redor de 8 mg/l).

Tabela 2. Variação da temperatura e OD ao longo do experimento
Tabela 2. Variação da temperatura e OD ao longo do experimento

Os dados até o momento apresentados indicam, portanto, que o aumento da freqüência alimentar melhorou o desempenho da tilápia nilótica em tanques-rede, sugerindo que o maior número de alimentações permite um melhor aproveitamento do alimento e disponibilidade de oxigênio dissolvido. (Este projeto está sendo financiado pela FAPESP processo 05/58186-6 e os autores são bolsistas do CNPq).


Referências Bibliográficas

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AZZAYDI, M.; MARTÍNEZ, F. J.; ZAMORA, S. et al. The influence of nocturnal vs. Diurnal feeding under winter conditions on growth and fed conversion of European sea bass (Dicentrarchus labrax, L.). Aquaculture, v. 182, 2000, p. 329-338.

BARAS, E.; THOREAU, X.; MELARD. Influence of feeding time on growth and feed conversion rates in juvenile tilapia (Oreochromis niloticus). Cah. Etholfoldam appl. Hum, v. 15, n. 1, 1995, p. 71-80.

BOUJARD, T.; LEATHERLAND, J. F. Demand-feeding behaviour and diel pattern of feeding activity in Oncorhynchus mykiss held under different photoperiod regimes. J. Fish Biol., v. 40, 1992, p. 535-544.

HOSSAIN, M. A. R.; HAYLOR, G. S.; BEVERIDGE, M. C. M. Effect of feeding time and frequency on the growth and feed utilization of African catfish Clarias gariepinus (Burchell 1822) fingerlings. Aquaculture Research, v. 32, 2001, p. 999-1004.

KOSKELA, J., JOBLING, M., PIRHONEN, J. Influence of the length of the daily feeding period on feed intake and growth of whitefish, Coregonus lavaretus. Aquaculture, v. 156, 1997, p. 35-44.

KUBITZA, F. Tilápia, Tecnologia e planejamento na produção comercial, 2000. 289p.

LOURES, B. T. R. R. Manejo alimentar de alevinos de Tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus), associado às variáveis físicas, químicas e biológicas do ambiente. Acta Scientiarum, v. 23, 2001, p. 877-883.

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PAES, J. V. K. A ictiofauna associada e as condições limnológicas num sistema de piscicultura em tanques-rede, no reservatório de Nova Avanhandava, baixo rio Tietê (SP). Botucatu-SP. Dissertação de Mestrado, Instituto de Biociências da UNESP, 2006.

SHIMA, T.; YAMAMOTO, T.; FURUITA, H.; SUZUKI, N. Effect of the response interval of self-feeders on the self-regulation of feed demand by rainbow trout (Oncorhynchus mykiss) fry. Aquaculture, v. 224, 2003, p. 181-191.

TOGUYENI, A. ; FAUCONNEAU, B. ; BOUJARD, T. et al. Feeding behavior and food utilization in tilapia, Oreochromis niloticus: Effect of sex ratio and relationship with the endocrine status. Physiology and Behavior, v. 62, 1997, p. 273-279.

TSADIK, G.G., KUTTY, M.N. Influence of ambient oxygen on feeding and growth of the tilapia, Oreochromis niloticus (Linnaeus) http://www.fao.org/docrep/field /003/ac168e/ac168e00.htm

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YAO S. J., UMINO T. & NAKAGAWA H. Effect of feeding frequency on lipid accumulation in ayu. Fisheries Science, v. 60, 1994, p. 667-671.