Fungos Parasitos de Peixes

Por: Maria José Tavares Ranzani-Paiva
Instituto de Pesca – CPA – SAA E-mail: [email protected]


Em todos os sistemas aquáticos existem fontes de esporos de fungos. Vários fungos Phycomycetos dos gêneros Sapro-legnia, Achlya, Branchiomyces e Ichthyophonus atacam os peixes com ferimentos e pouca resistência. Os esporos destes fungos são cosmopolitas e afetam todas as espécies. Este é um problema comum para criadores de peixes, tanto ornamentais como para o consumo. São especialmente freqüentes as micoses tegumentárias e de ovos.

Normalmente a pele dos peixes possuem substâncias que impedem o desenvolvimento dos esporos dos fungos. Estas substâncias estão contidas no muco que reveste externamente e consistem em antibióticos, ácidos graxos livres (que abaixam o pH do muco) e enzimas, como as lizosimas. Frente a certos estados do peixe esta barreira natural diminui, ou mesmo se anula, proporcionando, então a colonização de esporos que darão origem às hifas e micélio característicos. As condições que alteram esta barreira natural são, principalmente: quedas ou elevações bruscas de temperatura, traumatismos, perda de escamas, estresse, feridas provocadas por outros parasitos, desequilíbrios hormonais, falta de higiene no tanque de cultivo.

Saprolegniose

Para os animais de água doce, principalmente peixes, o gênero Saprolegnia é o que se apresenta com maior freqüência e é, principalmente, parasito secundário de outras enfermidades que debilitam o animal. Uma infestação por este fungo é um sinal que algo vai mal.

Saprolegniose é uma micose cutânea que ocorre em todas as épocas do ano, atingindo mais os peixes em cativeiro, bem como seus ovos. Apresentam hifas não septadas e o conjunto delas é chamado de micélio (Figura 1). A reprodução, no peixe, é assexuada. Nas extremidades das hifas formam-se os zoosporângios, em geral alongados, que contém os zoósporos biflagelados, que podem, também, serem encontrados livres na água, passando por período de repouso, formando cistos. Em condições favoráveis destes cistos emergem zoósporos secundários, com flagelos laterais que se implantam sobre alimentos putrefatos, animais ou vegetais em decomposição, formando um tufo de hifas. Esta parte do ciclo pode se repetir, pois os zoósporos secundários podem se encistar e germinar (Figura 2).

Se o peixe apresenta alguma lesão, sofre invasão dos zoósporos que aí se fixam e se desenvolvem. Eventualmente as hifas podem apresentar órgãos de reprodução sexuada, mas nunca sobre o peixe.

 

Figura 1 - Hifas de Saprolegnia sp., ao microscópio de luz (SCHLOTFELD, H.-J. & ALDERMAN, D.J. , 1995 )
Figura 1 – Hifas de Saprolegnia sp., ao microscópio de luz (SCHLOTFELD, H.-J. & ALDERMAN, D.J. , 1995 )

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Danos na camada de muco do peixe predispõe o animal à infecção por fungo. Em casos de invasão maciça pode ocorrer morte. A transmissão é direta pela água ou equipamentos. Esporos do fungo colonizam um ponto da pele, embora também possam colonizar olhos, brânquias e órgãos olfativos. Parece que as hifas do fungo eliminam alguma toxina, pois observa-se, habitualmente, grande quantidade de células mortas (necrose) ao redor delas. A partir daí o micélio se estende pela derme e vai erodindo a epiderme subjacente, provocando graves alterações. Embora este organismo seja inespecífico e possa atacar qualquer tecido do peixe, em casos agudos espalha-se rapidamente na pele antes de invadir a musculatura. Estas erosões dérmicas originam um desequilíbrio osmótico, com perda de eletrólitos e impossibilidade de manter o volume de sangue circulante. O peixe morre por falta de circulação periférica. A enfermidade uma vez instalada, geralmente tende a ser progressiva e fatal. Em casos sub-agudos ou crônicos, ocorre então, invasão dos músculos e órgãos internos. Quando colonizam as brânquias juntamente com a pele, os transtornos osmóticos se somam à insuficiência respiratória, com morte mais rápida.

Ovos não fertilizados, são invadidos por fungos (Figura 3 acima), que aqui atuam como saprófitas. As hifas podem invadir ovos sãos e, por ação direta ou por impedir a circulação da água e oxigenação, vão matando os ovos e a infestação se estende rapidamente por toda a desova.

Os sintomas desta dermatomicose são zonas da pele de cor esbranquiçada, de aspecto semelhante ao algodão (Figuras 3 abaixo). Este aspecto se deve às hifas do fungo que se sobressaem da superfície do peixe. Parece que certas áreas têm maior preferência, por serem menos irrigadas e por produzirem menos muco. As hifas retêm células mortas, restos orgânicos ou substâncias presentes na água, adquirindo coloração marrom. Os peixes entram, rapidamente em apatia, deixam de comer, permanecem na superfície e morrem.

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O diagnóstico pode ser feito através de um simples raspado da pele ou do local do aparecimento do fungo, colocado entre lâmina e lamínula e examinado sob microscopia com aumento de 25x, que mostra claramente as hifas e esporos (Figura 1).

Branquiomicose ou micoses das brânquias

Descritas quase que exclusivamente em Carassius sp. ou carpa Cyprinus carpio, ainda não diagnosticadas no Brasil. Os fatores predisponentes são constituídos pela presença de excesso de matéria orgânica na água, como restos de comida, excrementos, conseqüentes de mal planejamento alimentar ou falta de higiene nos tanques.

É causada por fungo oomiceto de hifas asseptadas pertencente à família Saprolegniaceae. A contaminação por via direta (peixe para peixe), é favorecida quando há excessiva densidade de peixes, renovação lenta da água e altas temperaturas. A infecção é, principalmente, primária, diretamente nas brânquias ou por ingestão dos esporos e migração por via sangüínea até as brânquias (capilares branquiais). Devido ao seu elevado requerimento de O2, localiza-se, preferencialmente, nas artérias branquiais eferentes ou, segundo alguns autores, podem ser encontrados em diversas partes das brânquias.

Uma vez colonizados os vasos branquiais, o fungo obstrui sua luz originando trombose, com falta de irrigação de algumas zonas das brânquias e morte celular (necrose) do epitélio branquial.

Como resposta pode-se ver hiperplasia (aumento do número de células) nas brânquias, com fusão dos filamentos. Os peixes afetados apresentam insuficiência respiratória, agravada por desequilíbrio osmótico, e podem morrer em pouco tempo.

Como prevenção deve-se cuidar da higiene dos tanques eliminando-se periodicamente os excessos de matéria orgânica e aumento da renovação da água. Uma medida comumente adotada é o aumento da circulação da água para diminuir a concentração de substâncias tóxicas nitrogenadas e esporos e aumentar o oxigênio dissolvido.

Ictiofoníase

Esta é uma micose interna, com aparecimento de nódulos em numerosos órgãos internos, dando-lhes aspecto de “lixa”. Foi descrita em numerosas espécies de peixes de águas frias ou tropicais, doce ou salgadas. Foi encontrada e está sendo descrita para tainha, Mugil platanus, da região estuarino-lagunar de Cananéia, por pesquisadores do Instituto de Pesca de São Paulo, juntamente com professor da Universidade do Porto, Portugal . É causada por um ficomiceto parasito que pode adotar, no tecidos dos peixes afetados, forma esférica, multinucleada. Os núcleos apresentam cromatina em forma de anel ao redor da periferia nuclear. O citoplasma é rico em glicogênio (PAS positivo) o que constitue uma reserva de carbohidratos (Figura 4).

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A enfermidade começa quando o peixe ingere os cistos ou estruturas de repouso (contidos nos órgãos de outros peixes ou em copépodos). Ao chegar no estômago os sucos digestivos liberam plasmódios capazes de realizar movimentos amebóides, com capacidade invasora. Uma parte deles é eliminada com as fezes e morrem no meio externo, mas outra quantidade consegue penetrar na parede intestinal e migrar, por via sangüínea para os diferentes órgãos. Os órgãos mais afetados são fígado, rim, baço, músculos, coração e trato gastrointestinal, embora alguns autores tenham diagnosticado no cérebro de trutas, nos olhos de peixes marinhos, na pele e no sistema nervoso. Os transtornos produzidos variam de acordo com o órgão afetado. Embora o mais comum seja a ocorrência no fígado, com conseqüente cirrose, em peixes marinhos, sérias necroses em rim, tumores na musculatura que refletem exteriormente aspecto de “papel de lixa” na pele, granulomas branquiais, transtornos do equilíbrio ao afetar o cérebro, graves necroses e atrofia do coração, podem ser encontrados, como conseqüência desta micose. Em peixes tropicais de água doce parece que são mais comuns as lesões ulcerativas na pele da cabeça, que chegam a produzir seqüestros ósseos no crânio e presença de cistos parasitários degenerados e melanizados na musculatura.