A realização da segunda versão do Simboa – Simpósio Internacional de Moléculas Bioativas e Bioprocessos de Organismos Aquáticos, que aconteceu em Natal de 6 a 9 de junho, mais uma vez revelou a importância do aproveitamento dos organismos aquáticos para a obtenção de moléculas e produtos de grande valor e utilização.
Na abertura do II Simboa, o professor da UFPE, e um dos responsáveis pela realização do evento, Ranilson Bezerra, explicou a importância dos organismos aquáticos como fornecedores de matéria prima e insumos, tanto para a indústria pesqueira como para outros segmentos industriais. E por que organismos aquáticos? A resposta está na grande diversidade observada na cadeia alimentar das espécies aquáticas, repleta de organismos, desde o plâncton até as formas jovens e adultas das inúmeras espécies de animais – peixes, crustáceos e moluscos – e plantas (algas). Isso faz com que os organismos dessa cadeia naturalmente possuam na sua composição um número enorme de diferentes moléculas com potencial para serem exploradas, ao contrário da cadeia bovina, onde só existe uma única espécie envolvida. No entanto, no caso dos bois, é feito o aproveitamento integral dos produtos, e de uma forma bem mais eficiente.
E não é por falta de tecnologia. Para citar um exemplo, o Laboratório de Enzimologia da Universidade Federal de Pernambuco possui hoje um enorme portfólio de produtos desenvolvidos à partir da purificação de enzimas digestivas e recuperação biomolecular, além de estudos de biomonitoramento de contaminantes, uso de micro e macroalgas para a criação de novos mercados e estudos sobre o cultivo, fisiologia e metabolismo de organismos aquáticos voltados para a indústria aquícola.
Ao contrário do Brasil, onde pouco se aproveita, muitos países beneficiam o pescado de forma mais completa. Além do filé, extraem das vísceras moléculas de valor que podem ser utilizadas para a indústria, fato que permite que a pesca e a aquicultura nesses países se tornem atividades bem mais rentáveis e competitivas. E foi isso que mostrou o professor Alberto Ramirez Livingston, da Universidad Alberto Ibañez, do Chile. Mostrou o cuidado necessário no transporte dos salmões para as plantas de processamento, locais em que a atenção que é dada à qualidade do filé também é dada às vísceras e ao sangue, para que tenham o mesmo frescor quando forem processados para a obtenção de produtos, como a farinha e o óleo, os mais comumente obtidos, vendidos a cerca de 1.600 dólares a tonelada, além dos hidrolisados, vendidos entre 670 e 1.100 dólares o quilo. A indústria chilena do salmão também produz colágeno, gelatina para águas frias e quentes e, biodiesel. O sangue refinado do salmão é também aproveitado para a produção de trombina.
O professor da UFRN, Rodrigo Carvalho, falou sobre os produtos e mercados para resíduos derivados de pescados produzidos no Brasil, lembrando que hoje é inadmissível descartar produtos que podem ser utilizados para consumo, razão pela qual a indústria se vê forçada a agregar valor. Lembrou o caso da indústria do filé da tilápia no Brasil, que será sempre pouco competitiva se continuar apenas fazendo filé e não agregar valor aos resíduos como forma de equilibrar suas contas. E lamentou que o destino de grande parte dos resíduos no Brasil ainda sejam os aterros sanitários e os corpos d´água.
Um momento muito esperado do Simboa foi a apresentação do médico Edmar Maciel Lima Júnior do Instituto de Apoio ao Queimado, uma ONG cuja missão é reabilitar pacientes vitimas de queimaduras, tanto na parte física quanto psíquica. O médico foi ao Simboa mostrar o trabalho da sua equipe com o uso da pele da tilápia no tratamento das queimaduras e feridas. Somente no Estado do Ceará os casos chegam a 3.800 novos queimados anualmente. No Brasil, 97% dos pacientes queimados não possuem planos de saúde e se tratam na rede pública. Em geral as pessoas queimadas têm o curativo trocado diariamente, ocasião em que é aplicada uma pomada antimicrobiana de sulfadiazina de prata, uma substância banida em muitos países. Este tratamento é conhecido por ocasionar dor e desconforto aos pacientes. Já em outros países, as queimaduras de 2º grau são tratadas com a aplicação de peles – humana ou de animais, que protegem a ferida durante o período de recuperação, evitando contaminação, perda de líquidos, e a necessidade da troca diária. O Ministério da Saúde diz que o Brasil deveria ter 13 bancos de peles e temos apenas 3 em funcionamento que não suprem sequer 1% das necessidades. Nunca tivemos uma pele animal registrada na Anvisa, apesar da pele de rã já ter sido testada.
A equipe do Dr. Edmar tomou conhecimento da disponibilidade da pele da tilápia através do cirurgião plástico pernambucano, Marcelo Borges, que leu matéria em jornal em que dizia que 99% das peles de tilápia ia para o lixo e 1% se transformava em artesanato. Os estudos histológicos comprovaram a qualidade do colágeno tipo 1 da pele do peixe, semelhante ao da pele humana, e estudos tensiométricos também mostraram que a pele seria adequada para ser utilizada no tratamento de queimados.
O trabalho da equipe, hoje composta por 70 pessoas, é financiado pelo do setor elétrico. Uma pesquisa vasta foi realizada para conhecer todos os possíveis pontos negativos do uso, e a pele de tilápia foi muito bem aceita, e hoje já é utilizada nos casos clínicos no Estado do Ceará.
Muitos outros temas foram debatidos no Simboa, como as aplicações de polissacarídeos de macroalgas; as enzimas de pescado como ferramentas ao desenvolvimento da aquicultura; purificação de enzimas, entre outros. A realização do IIº Simboa expõe, pela segunda vez, um universo vasto de oportunidades, ao alcance dos envolvidos com a cadeia de produção de pescado.