As introduções de espécies exóticas sempre despertam discussões polarizadas e calorosas. O artigo abaixo, assinado por Christine V. Casal e Devin Bartley, ambos do Programa de Biodiversidade e Genética do ICLARM nas Filipinas e publicado na FAO Aquaculture Newsletter n. 20, chama a atenção para a necessidade de se avaliar os riscos e os benefícios das introduções e também para a implementação de planos apropriados para o uso responsável das espécies introduzidas, que já representam hoje 17% do volume total de pescados produzidos no mundo.
As espécies exóticas têm recebido atenção de alguns fóruns internacionais, entre eles o Convention on Biological Diversity e o FAO Code of Conduct for Responsible Fisheries. Apesar da maior parte das atenções se voltarem para os impactos desfavoráveis causados pela sua introdução, nem todas as espécies exóticas devem ser consideradas nefastas. Na agricultura e na horticultura ornamental, por exemplo, as espécies aquáticas exóticas têm contribuído bastante para o progresso humano em diversas regiões. A produção da tilápia, um ciclídeo africano, é maior na Ásia (>700.000 toneladas em 1996) do que em muitas regiões da África (39.245 toneladas) e, salmonídeos introduzidos no Chile sustentam uma próspera indústria aqüícola responsável por aproximadamente 20% do cultivo mundial de salmão.
Podemos esperar que a prática de cultivar espécies fora do seu habitat natural com o intuito de aumentar a produção e os lucros, continue a crescer. A questão não é banir as espécies exóticas ou deixar de lado o controle das introduções, ao contrário, como determinado no código internacional (ICES 1995) e na Convention on Biological Diversity, devemos calcular os riscos e os benefícios associados ao seu uso e, se oportuno, desenvolver e implementar um plano apropriado para o uso responsável dessas espécies.
A avaliação dos riscos exigirá um número grande de informações nas áreas de biologia, ecologia e genética desses organismos. Estas informações deverão estar acessíveis e prontamente disponíveis para os avaliadores de riscos, bem como para os responsáveis pela implementação da política a ser adotada com a introdução. Nesta avaliação, deve estar incluída também uma avaliação detalhada dos benefícios que podem ser obtidos com a introdução da espécie exótica.
Esse artigo traz informações do banco de dados FishBase (Froese e Pauley 1997), criado através do esforço de colaboração da Comunidade Européia, ICLARM e da FAO, e do banco de dados DIAS – Database on Introduction of Aquatic Species (Welcomme 1988; Bartley et al. 1997). Os registros desses bancos de dados são provenientes de questionários distribuídos internacionalmente, literatura e comunicações pessoais. A intenção é examinar quais informações são necessárias para que se possa fazer uma razoável análise de riscos, bem como uma avaliação dos impactos causados pelas espécies exóticas.
Impactos
Os impactos podem ser divididos em duas principais categorias: ecológica, onde estão incluídos os efeitos biológicos e genéticos e, sócio-econômica (Tabela 1).
Porém, essas duas categorias não são independentes e as mudanças sócio-econômicas trazidas pelas espécies exóticas podem por si só, também causar mudanças ecológicas. Dessa forma, a redução de espécies nativas pode ser resultado da interação direta com as espécies exóticas ou, em decorrência da crescente pressão da pesca ou mudanças no uso da terra, trazidas pela presença da espécie recentemente estabelecida. O FishBase é um banco de dados que permite comparações entre muitos grupos de dados e, associado ao módulo de introdução da estatística pesqueira da FAO de 1988 (FAO Fishery Statistics 1998), revelou que espécies introduzidas foram responsáveis por 17% da produção mundial de pescados (Figura 1).
Os impactos podem depender também do objetivo da introdução. Análises do banco de dados revelam que o crescimento da aqüicultura foi a principal razão citada para a introdução de peixes e que as organizações governamentais foram responsáveis por mais introduções que qualquer outro grupo. A Tabela 2 apresenta informações dando conta que a maior parte dos efeitos ecológicos decorrentes de espécies introduzidas foram negativos.
Entretanto, os impactos sócio-econômicos foram relatados como benéficos havendo mais benefícios sócio-econômicos positivos relatados do que impactos econômicos negativos.
A Tabela 3 apresenta alguns conceitos populares a respeito dos impactos das espécies exóticas e de como o banco de dados pode fornecer informação para auxiliar ou contestar as generalizações.
O propósito de desafiar as generalizações corriqueiras não visa substituir uma generalização por outra, mas fornecer alguma estimativa de sua validade. Os caminhos pela frente Existem limitações para os atuais bancos de dados que deverão ser lembradas a medida que os dados forem analisados. Grande parte das informações foram obtidas através de questionários distribuídos internacionalmente e, por essa razão, podem não ser amostras exatas das espécies introduzidas ou do verdadeiro impacto das introduções. As introduções relatadas foram, provavelmente, as que causaram um grande impacto, ao contrário daquelas que não tiveram êxito ou que produziram pequeno impacto e por isso mesmo foram esquecidas.
O FishBase, como o próprio nome diz, trabalha somente com peixes e o DIAS inclui outros organismos, mas não é um banco de dados relacional. Esforços para incluir outros organismos no FishBase ou outro banco de dados relacional similar se faz necessário.
Uma avaliação exata do impacto das espécies exóticas somente será possível se houver uma exata avaliação ecológica e sócio-econômica do ambiente anterior a introdução. Infelizmente, essas informações não existem em muitas áreas do mundo, especialmente nas regiões interioranas dos países em desenvolvimento.
A Convenção para a Diversidade Biológica (Convention on Biological Diversity) convocou seus membros para preparar e manter um registro das espécies exóticas introduzidas e o formato do FishBase e do DIAS podem fornecer modelos apropriados. Os bancos de dados aqui mencionados focam as espécies e isso é compreensível e eficaz em vários sentidos. Entretanto, ao avaliar os riscos decorrentes da movimentação de uma área para outra, um fator chave é o ambiente que está recebendo esta espécie. Os registros de cada país devem ser capazes de abranger mais do que apenas a primeira introdução, devendo conter ainda informações sobre o ambiente que a espécie exótica “invadiu”.
A quantidade da informação necessária para se prever exatamente os impactos das introduções de espécies exóticas é extensa. A colaboração e o compartilhamento das informações será essencial para que se possa obter o total aproveitamento do potencial das espécies exóticas e, ao mesmo tempo, ser possível proteger a biodiversidade aquática para a atual e futuras gerações.