Importância da fertilização em viveiros de camarão marinho

Por:
Luis Otávio Brito1;
Waleska Melo Costa 2;
Alfredo Olivera3
1. Departamento de Ciência Animal, Universidade Federal Rural do Semi-Árido,
email: [email protected]
2. Doutoranda em Zootecnia, Universidade Federal Rural de Pernambuco.
3. Professor Dr. do Departamento de Pesca e Aqüicultura, Universidade Federal Rural de Pernambuco


No cultivo de camarões em sistema semi-intensivo, a contribuição do alimento natural na dieta é bastante significativa, podendo alcançar até 85%. Nos viveiros com produtividades menores que 1 t/ha/ano, as rações satisfazem entre 23 e 47% dos requerimentos nutricionais do camarão Litopenaeus vannamei, sendo o restante suprido pelo alimento natural. Em sistemas mais intensivos, a contribuição do alimento natural diminui, mas ainda é grande, sendo maior que 25%.

Os fertilizantes orgânicos e inorgânicos são freqüentemente utilizados nos viveiros de criação de organismos aquáticos, com o intuito de estimular o desenvolvimento do fitoplâncton e conseqüentemente da cadeia alimentar, ocasionando uma redução nos custos com alimentação artificial.

A utilização de fertilizantes em excesso e de forma descontrolada nos viveiros, pode estimular o florescimento de grupos fitoplanctônicos indesejáveis, como por exemplo, cianobactérias e dinoflagelados, e o acúmulo de nutrientes nos efluentes, além de ocasionar um déficit de oxigênio nos viveiros.

Nutricionalmente, as microalgas são fontes de proteínas, lipídios energeticamente ricos, principalmente os ácidos graxos poli-insaturados PUFA e HUPA (EPA e DHA), carboidratos e vitaminas, apresentando também elementos traços, sendo ricas em pigmentos como astaxantina, zeaxantina, clorofila e ficocianina, que são importantes para o aproveitamento nutricional por parte do zooplâncton e outras comunidades, como por exemplo, peixes e camarões.

Principais fertilizantes utilizados em carcinicultura

A reprodução das microalgas nos viveiros depende, principalmente, dos nutrientes inorgânicos (nitrogênio, fósforo, silicato e potássio) disponíveis no ambiente. Os principais nutrientes encontrados nos fertilizantes comerciais são: o nitrogênio nas formas de amônia não ionizada, nitrito e nitrato; o fósforo na forma de pentóxido de fósforo e, o potássio na forma de sulfato de potássio.

Os sais nutrientes constituintes dos fertilizantes inorgânicos, não permanecem muito tempo na água, pois são rapidamente incorporados pelo fitoplâncton e bacterioplâncton através dos processos de fotossíntese e quimiossíntese.

Os principais fertilizantes inorgânicos utilizados na aqüicultura são a uréia e o superfosfato triplo. Outros fertilizantes também são utilizados como: nitratos, fosfatos, sulfatos (Tabela 1).

 

Tabela 1. Tipos e composição de alguns fertilizantes utilizados em aqüicultura---Fonte: Boyd, 1995 e 2003
Tabela 1. Tipos e composição de alguns fertilizantes utilizados em aqüicultura—Fonte: Boyd, 1995 e 2003

A amônia é encontrada em duas formas: não ionizada e ionizada. A soma das duas formas é chamada de amônia ou amônia total. A uréia é transformada por microorganismos que consomem oxigênio, em amônia ionizada e, posteriormente em nitrito e nitratos. A aplicação de uréia contribui para aumentar a concentração de amônia na água.

Altas concentrações de amônia não ionizada no ambiente, fazem com que os camarões, retenham amônia da excreção dos processos metabólicos, aumentando a concentração deste composto no sangue, ocasionando a redução ou paralisação do consumo alimentar.

O nitrato de sódio, quando aplicado nos viveiros como fertilizante, libera nitrogênio nítrico que é prontamente assimilado pelas microalgas. Entretanto os fertilizantes à base de nitratos, mesmo apresentando vantagens sobre os fertilizantes amoniacais por não serem tóxicos e serem totalmente oxidados no ambiente de cultivo, não são utilizados rotineiramente em sistemas aqüícolas por seu elevado custo.

O fósforo é o nutriente com maior fator de concentração no fitoplâncton, seguido pelo nitrogênio e o carbono, porém na maioria das vezes ocorre em baixa concentração na água. Quando isso ocorre pode-se utilizar os fertilizantes à base de fósforo para estimular o crescimento do fitoplâncton. Porém é necessário obter os valores de pH e concentração deste nutriente na água, pois dependendo do pH da água o fósforo pode torna-se insolúvel para o fitoplâncton.

Na fertilização dos viveiros também pode-se utilizar a sílica. Este nutriente estimula o desenvolvimento das diatomáceas, que é o grupo de microalgas mais desejado dentro dos viveiros de camarão, além de servirem como bio-indicadores da boa qualidade da água.

Alguns criadores de camarão têm como base para fertilização dos viveiros a transparência da água (Tabela 2).

Tabela 2. Fertilização dos viveiros de acordo com a visibilidade do disco de Secchi---Fonte: Boyd, 2003.
Tabela 2. Fertilização dos viveiros de acordo com a visibilidade do disco de Secchi—Fonte: Boyd, 2003.

Existe um aporte diferenciado de nutrientes na água de captação entre os períodos secos e chuvosos e das interações químicas entre solo e água, ocasionando uma grande variação nas concentrações dos componentes químicos e na sua disponibilidade para a comunidade fitoplanctônica.

As concentrações de nitrogênio e fósforo podem ser ajustadas pelos dados das análises de amônia total, nitrito, nitrato, ortofosfato e pentóxido de fósforo.
Os níveis recomendados de nitrogênio se situam entre 2 e 4 mg/L, enquanto o de fósforo entre 0,2 a 0,4 mg/L, sendo que as relações de N:P devem ser aproximadamente de 20-10:1.

As relações de nitrogênio e fósforo utilizadas nas fazendas variam bastante (entre 1:1 até 45:1), sendo o mais comum entre 7 e 9:1 (Oliveira, 2004).

Nas fazendas de camarão marinho da Região Nordeste é praticamente ausente um manejo apropriado de fertilização dos viveiros, sendo aplicados semanalmente ou quinzenalmente, de 25 a 40 Kg/ha de uréia e 4 a 10 Kg/ha de superfosfato triplo.

Altas florações de algas e o surgimento de doenças

Nos primeiros relatos da IMNV (Vírus da Mionecrose Infecciosa) foi observada uma correlação entre a floração de cianobactérias e a intensidade da mortalidade ocasionada pelo vírus.

Em amostras de água coletadas nos meses de maio, julho e agosto de 2003, em fazendas do Piauí (local do surgimento do IMNV) e Ceará, identificaram uma alta concentração de cianobactérias pertencentes aos gêneros Pseudanabaena (150.000 céls/mL) e Limnotrix (280.000 céls/mL) e a espécie Sclippsiella trochoidea (123.000 céls/mL), enquanto os níveis considerados normais no cultivo de camarões para cianobactérias são de no máximo 40.000 cels/mL.

Smith (1996) estudando a mortalidade de Penaeus monodon em viveiros na Austrália, encontrou como principal causa à floração de cianobactérias. Pérez-Linares et al. (2003) estudando a toxidade da cianobactéria Shizothrix calcicola em viveiros do camarão Litopenaeus vannamei no México, detectaram grave desordem em tecidos do trato digestório do animal, conseqüentemente afetando a assimilação e absorção de alimentos.

As cianobactérias são as principais causadoras da perda da qualidade da água, por reduzirem a transparência e os níveis de oxigênio da água e do sedimento. Este grupo de microalgas possui a capacidade de absorver nitrogênio atmosférico, caso o nitrogênio esteja escasso no ambiente aquático, ocasionando uma floração indesejada.

Florações massivas de dinoflagelados já foram relatadas em diversas áreas de cultivo de camarões marinhos na Ásia e na América Latina (Alonso-Rodriguez e Paez-Osuna, 2003).

Comentários Finais

Programas de fertilização devem ser elaborados de acordo com as características dos nutrientes e do fitoplâncton local, pois cada viveiro possui suas características, além da quantidade de oferta de alimento artificial.

A aplicação de fertilizantes sem o devido conhecimento das concentrações de nitrogênio e fósforo, ou mesmo métodos padronizados para todos os viveiros, pode ocasionar problemas na saúde dos camarões, desenvolvendo o crescimento de algas nocivas.


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