Por: Marcelo Mattos Pedreira – e-mail: [email protected]
Efoa – Departamento de Ciências Biológicas – Alfenas – MG
Não é de hoje que produtores de alevinos têm dificuldades no cultivo de larvas, fase em que o peixe é mais vulnerável. Mesmo na larvicultura das espécies com técnicas mais conhecidas, como carpa e pacu, insucessos inesperados são observados. Esse quadro ficaria mais agravado, se fossem incluídas as piracanjubas, matrinxãs e pintados, exemplares nativos com características que exigem cuidados especiais. Contudo, com o desenvolvimento da aqüicultura brasileira, surgem os primeiros sistemas de cultivo em ambientes fechados onde se emprega uma técnica mais apurada, tornando-se necessário conhecer o comportamento e a morfologia da larva ao longo do desenvolvimento, para adequação do manejo e sucesso do processo.
Durante o desenvolvimento, observa-se um aumento na habilidade da larva em capturar a presa e fugir de predadores. Isso é resultado de um conjunto de acontecimentos como a ossificação de estruturas como as maxilas e a coluna vertebral, formação de nadadeiras, musculatura e dos órgãos sensoriais; visão, linhas laterais e botões gustativos. Melhoram as perspectivas de distância, velocidade de natação, a capacidade de percepção e sucesso de captura das presas, assim como a capacidade de fuga dos predadores.
Dentre os órgãos, a visão tem importância destacada, pois larvas de peixes são reconhecidamente predadoras visuais. Muitas espécies eclodem com os olhos sem pigmentação, sendo considerados não funcionais, tanto histologicamente como comportamentalmente. Porém, no momento do início da alimentação exógena (captura de alimento externo) todas as espécies teriam olhos funcionais, permitindo à larva começar a capturar alimento (predar). No entanto, neste primeiro momento, a visão ainda é reduzida, aumentando com o crescimento do exemplar.
Visualização e manejo
A fim de se conhecer um pouco mais sobre a evolução da visão, estudos com diferentes intensidades luminosas e cores dos tanques vêm demostrando a influência destes parâmetros na visualização, tanto das larvas como dos tratadores. Tanques de fundo escuro dificultam a percepção das larvas e dos dejetos por parte do tratador, prejudicando a limpeza e acarretando a deterioração da qualidade da água. A limpeza inadequada, em cultivo intensivo, interfere negativamente no rendimento e, em condições em que a água que abastece o sistema de criação já seja de alguma forma estressante para as larvas, aquela pequena quantidade de dejetos que não foi removida poderá determinar altas taxas de mortalidades.
A prática de se remover sujeira por sifonamento, utilizada em sistemas intensivos de criação em ambientes confinados, também é especialmente perigosa em tanques com fundo escuro. Nos primeiros dias de vida, as larvas com pouca capacidade de natação ficam longos períodos sobre o fundo do tanque. Por terem o dorso escuro ou se misturarem aos dejetos, podem ser sifonadas e removidas juntamente com a sujeira. Apesar de existirem métodos para se retornar com este animal ao tanque, perde-se tempo com este manejo além de estressar os animais, acarretando perdas eventuais. Mesmo a piracanjuba Brycon orbignyanus, que apresenta desenvolvimento rápido quando comparada a outras espécies de peixes nativos brasileiros, está sujeita a este incidente por apresentar o dorso escuro e nadar sobre o fundo. Uma das formas de se amenizar este problema é oferecer alimento de qualidade em quantidades adequadas. Aconselha-se oferecer alimento vivo, evitando-se o excesso, para que esse não morra e se decomponha. A utilização de ração nos primeiros instantes de vida, para a boa parte das larvas de peixes tropicais brasileiras (Characiformes), não é recomendada, pois elas não a assimilam adequadamente. Como conseqüência, este alimento se deposita sobre o fundo, deteriorando e prejudicando a qualidade da água. Porém, passados alguns dias, três no caso da piracanjuba, a ração deverá ser ministrada, pois aumenta o rendimento do cultivo.
Contrastes
Mesmo para espécies que se adaptam melhor a tanques escuros, a cor do fundo deverá permitir um bom contraste com as larvas e os dejetos. Tanques com larvas de pintado podem ter o fundo branco, mas devem ser mantidas sob baixa luminosidade, sendo cobertas com telas. A melhor visibilidade facilita a rotina do tratador, aumentando a precisão e o rendimento do trabalho, enfim, o sucesso do cultivo.
As cores do alimento oferecidos às larvas também têm um importante efeito na percepção visual das mesmas, pois o contraste entre a coloração do plâncton e do tanque aumenta a eficiência de captura das larvas, interferindo na sobrevivência e crescimento. É sabido que larvas selecionam positivamente copépodos (micro-crustáceos) brilhantes e coloridos, ou com sacos ovígeros coloridos. O tipo de natação de escape e porte avantajado do náuplio (fase larval) de alguns copépodos também são atrativos para as larvas de peixes. ‘
Para larvas de peixes marinhos, vários trabalhos vêm demonstrando que tanques de cores escuras apresentam melhores resultados que os de cores claras. Esta melhor performance seria dada pelo contraste entre a coloração do rotífero, primeiro alimento de larvas de peixes marinhos, que apresenta uma cor clara, um ponto branco, contra uma parede escura. Assim tem sido com larvas de dourado Coryphaena hippurus e de Morone chrysops, alimentadas com rotífero em tanques de cor clara e de cor escura. Porém, dependendo das condições, como tempo de cultivo, concentração e tipo de alimento ou da larva, os resultados podem não diferir ou não serem os esperados, como já fora observado para larvas de garoupa Epinephelus suillus.
No caso das larvas de peixes nativos de água doce, a forte coloração do plâncton de água doce tropical e de seus sacos ovígeros, geralmente variando entre o marrom, alaranjado, vermelho, até o azul, contrasta melhor com o tanque claro. Assim como para larvas de peixes marinhos, o contraste é determinante para um aumento da eficiência de captura das presas pelas larvas. Estudos com larvas de perca Perca fluviatilis, espécie de água doce européia e com tambaqui Colossoma macropomum, confirmam esta teoria. Larvas de tambaqui criadas em tanques verde claro, podem apresentar uma sobrevivência sete vezes maior e peso médio 50% acima, do que quando criadas em tanques marrom escuro, sob condições ambientais estressantes.
A interferência da cor do tanque ou de incubadeiras pode minimizar o canibalismo entre larvas de matrinxã Brycon cephalus. Larvas recém eclodidas, mantidas em incubadeiras azuis, têm maior sobrevivência (15%) do que as mantidas em outras cores (7%). Porém, neste caso, não se conhece claramente a forma que esta influencia as larvas (gráfico).
Juntamente com a cor, a luminosidade interfere diretamente na captura de alimento, sobrevivência e crescimento. Larvas de xixarro Trachurus lathami, “mediterranean horse mackerel” Trachurus mediterraneus (carangideos), anchoveta “anchoa” Engraulis encrasicholus, bonito Katsuwonus pelamis, e atuns Thunnus maccoyii e albacora Thunnus alalunga, alimentam-se quase que exclusivamente durante o período de luz, sendo que, durante a escuridão, poucas são as larvas que capturam presas. Esse comportamento é comum às larvas de peixes marinhos, que são de águas claras, tendo as formas adultas, a visão bem desenvolvida. Porém, larvas de peixes de água doce, que crescem e vivem em águas turvas, talvez tenham a capacidade de perceber e capturar presas no período de ausência de luz, principalmente em sistemas de cultivo, onde as densidades de larvas e alimentos são elevadas – 5 a 120 larvas/litro e até 600 itens alimentares/larva/dia – como ocorre nas larviculturas experimentais brasileiras.
No meio ambiente, as larvas têm um padrão de alimentação típico. Larvas de “jack mackerel” (xixarro) Trachurus declivis, anchoita Engraulis anchoita, bonito K. pelamis, atum T. maccoyii e albacora T. alalunga apresentam picos de alimentação ao amanhecer e no fim da tarde. Os picos de alimentação, em horários como no raiar e pôr do sol, indicam a necessidade de uma moderada intensidade luminosa, o que também ocorre com larvas de tambaqui, e de perca, mantidas em sistema de cultivo.
As larvas procuram uma iluminação ótima, à qual elas estariam “geneticamente programadas”, sendo que cada espécie e estágio de desenvolvimento adequa-se melhor à uma intensidade luminosa. No meio ambiente e em tanques de terra, as larvas podem migrar na coluna d’água, conforme a sua necessidade, mas, em ambientes confinados, a luminosidade tem de ser controlada. Em cultivos de ambiente fechado, comumente são utilizadas altas intensidades de luz (1000 – 2000 lux) sobre a superfície do tanque, e as águas com elevada transparência. Menores intensidades luminosas podem refletir em menor visibilidade e diminuição da performance de captura da presa, contudo, isso depende da espécie. Larvas de tambaqui apresentam desenvolvimento satisfatório, quando submetidas a uma intensidade luminosa de 1052 lux (4 lâmpadas fluorescentes de x 40 watts a 40 centímetros de altura da superfície da água). Isto corresponde à luminosidade do meio dia, em um galpão com amplas janelas e tempo parcialmente nublado. Já larvas de perca P. fluviatilis apresentaram uma maior taxa de sobrevivência sob intensidade de 250 lux. Obviamente, existe uma faixa de tolerância. Larvas de linguado Paralichthys lethostigma sob a iluminação de lâmpadas fluorescentes de 40 W, postas 40 cm acima da superfície da água, quando submetidas à redução a 20% da intensidade luminosa, não sofrem variações na taxa de sobrevivência e crescimento.
O sucesso do cultivo de larvas de peixes está relacionado à capacidade de percepção da presa pela larva, que aumenta com o contraste entre cores de presa e do tanque, e com a luminosidade adequada. Outro fator que deve ser considerado é a capacidade de percepção do tratador. Apesar desta importância, poucos têm sido os trabalhos desenvolvidos nesta área, até mesmo porque o manejo de cores é mais empregado em cultivo intensivo, que ainda não está efetivamente implantado no país.
As referências bibliográficas utilizadas poderão ser solicitadas através do endereço eletrônico do autor: