Killifishes: As menores pisciculturas do Brasil

Autor: Luiz Carlos Calzavara Motta e Francisco Moutinho


A criação de killifishes é uma atividade interessante no que diz respeito as suas dimensões, pois é possível estruturar uma piscicultura especializada em apenas alguns metros quadrados, o que torna uma atividade muito interessante para os que possuem pequenas áreas. A piscicultura Calzavara por exemplo, está instalada numa área de 23 m2, com 216 aquários de diversos tamanhos, compreendendo reprodução, alevinagem e crescimento e, a piscicultura Moutinho está instalada numa área de 16 m2, com 219 aquários de diversos tamanhos, compreendendo também todas as fases do cultivo.

O nome killifish, que etimologicamente significa peixes que habitam pequenas coleções de água, é um termo popular para designar um grande grupo de peixes pertencentes à ordem Ciprinodontiformes, família Rivulidae e Aplochelidae. Estes peixes, estão distribuídos em várias partes do mundo, sendo mais significativos na América do sul e África.

Os killifishes fascinam pelo seu exuberante colorido, diversidade de formas e hábitos reprodutivos, porém, ao ser analisada detalhadamente sua atual situação no cenário mundial, pode-se concluir que quase a sua totalidade corre grandes riscos de extinção. A situação dos killifishes é preocupante pois habitam pequenas poças temporárias ou córregos, e seus habitats vêm sendo progressivamente degradados pela construção civil, aterros, retirada de areia, drenagem para implantação de pastagens ou outras atividades agrícolas e poluição.

No Brasil os killifishes habitam diferentes regiões e habitats e podem ser encontrados em pequenas poças temporárias (Cynolebias, Leptolebias, Simpsonichtys) ou riachos e pântanos (Rivulus). Por terem um dispersão muito restrita, muitas espécies ainda não foram descritas, e provavelmente algumas já foram até extintas.

Pequenas pisciculturas

O trabalho que realizamos com estes peixes começou com uma simples criação sem maiores compromissos. Porém, com o passar dos anos, percebemos que criá-los não bastava e que se fazia necessário preservá-los em seus ambientes naturais.

Para esta nova etapa, partimos para a criação dos killifishes em maior escala e passamos a nos preocupar com a divulgação dos peixes junto ao público, bem como com a forma de colocá-los no mercado, para que pudessem ser vistos e conhecidos. Pelo fato de se tratar de espécies silvestres, legalizamos nossas pisciculturas junto ao órgão legislador, no caso o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis, para que esta luta pudesse ser levada adiante. Assim, surgiram o que hoje podem ser consideradas como as únicas pisciculturas de killifishes no Brasil.

É comum acharmos que uma piscicultura requer extensas áreas de terras alagadas e um considerável custo de implantação mas, neste caso esta regra não se aplica. A criação de killifishes é uma atividade interessante no que diz respeito as suas dimensões, pois é possível estruturar uma piscicultura especializada em apenas alguns metros quadrados, o que torna uma atividade muito interessante para os que possuem pequenas áreas. A piscicultura Calzavara por exemplo, está instalada numa área de 23 m2, com 216 aquários de diversos tamanhos, compreendendo reprodução, alevinagem e crescimento e, a piscicultura Moutinho está instalada numa área de 16 m2, com 219 aquários de diversos tamanhos, compreendendo também todas as fases do cultivo.

Brasil

A distribuição de killifishes no mundo é ampla, não sendo encontrados apenas nos pólos, norte da Ásia, na Austrália e nas ilhas do Pacífico. A sua situação no Brasil porém, é a que mais está comprometida, visto que as autoridades competentes pouco ou nada sabem sobre eles e do real perigo que sofrem. Por serem pouco conhecidos, mesmo na aquariofilia brasileira, falta literatura especializada sobre os mesmos e, conseqüentemente, não se tem domínio de sua reprodução e manutenção em cativeiro, como também de sua preservação em estado selvagem.

A família Cyprinodontidae é subdividida em 2 grupos, sendo os principais representantes: os Aplocheilideos – distribuídos principalmente pela Eurásia e África e os Rivulideos – distribuídos pelas Américas. Seu tamanho varia de 1,5 cm (Nothobranchius janpapi) à 20 cm (Cynolebias porosus).

Formato

Quanto ao formato, os killifishes apresentam uma grande diversidade, sendo comum encontrar peixes de corpo longo e cilíndrico, achatado lateralmente com dorsal localizada próxima à nadadeira caudal de formato lanceolado, como é o caso dos Epiplatys e Aplocheilus.

Podem ser arredondados como os Pachypanchax ou com prolongamentos como os Aphyosemion e existem também os killifishes de corpo alongado, cilíndrico na parte anterior e comprimido na parte posterior, como os Rivulus, que se apresentam com as nadadeiras ímpares (dorsal, anal e caudal) arredondadas, sendo a dorsal de origem bastante recuada (próxima a caudal) e as pélvicas bastante pequenas.

Já as Cynolebias minimus, C. sandrii, C. aureogutatus, C. citrinipinnis se caracterizam por terem corpo comprimido e alongado, com nadadeiras dorsal e anal terminando em ponta, e as Cynolebias porosus por possuírem corpo muito grande com escamas diminutas. Existem ainda as Cynolebias whitei, C. boitonei, C. izecksohni e os C. myersi, cujos corpos baixos e de tamanho mediano tem nadadeiras dorsal e anal terminando em ponta (as fêmeas apresentam barramento vertical em seu corpo) e, finalmente, a Cynolebias dolichopterus com nadadeiras dorsal e anal apresentando prolongamento vertical acentuado e, a Cynolebias constanciae de corpo alto e variando de médio a grande.

As cores

Os killifishes, em sua maioria, são peixes que apresentam um colorido exuberante, dificilmente encontrado em outras espécies. Tal colorido é de extrema importância para a sua sobrevivência e perpetuação da espécie, como por exemplo os Nothobranchius e as Cynolebias, que vivem em ambientes temporários, principalmente poças formadas pelo acúmulo de água da chuva, onde a água é de coloração escura ou barrenta com grande quantidade de partículas em suspensão. É devido a este ambiente, que a natureza os dotou desse belo colorido, que serve para atrair a atenção das fêmeas na fase de acasalamento, como também serve de demarcação visual dos limites do domínio de um macho.

Os ambientes

Os killifishes ocupam ambientes tropicais e temperados que apresentam grande diversidade. Por viverem em ambientes inóspitos, obtiveram grande sucesso em sua luta pela sobrevivência, pois nestes locais, por vezes de características ímpares, se requer uma grande dose de adaptação, principalmente a reprodutiva.

Quando fazemos pesquisas de campo relacionadas aos killifishes, encontramos diversos tipos de ambientes, aos quais estarão os peixes devidamente adaptados, como veremos a seguir:

Poças de floresta – Cynolebias, Pterolebias, Rachovias; Poças de restinga – Cynolebias; Poças de cerrado – Cynolebias e Trigonectes; Poças de savana – Nothobranchius; Poças de baixada – Cynolebias;

Charcos – Trigonectes, Neofundulus, Cynolebias, Austrofundulus;

Pantanal – Neofundulus, Trigonectes, Cynolebias, Rivulus;

Riachos de floresta e baixada – Rivulus, Aphyosemion, Epiplatys.

Características gerais dos biótopos

Estes ambientes são geralmente rasos, variando de 10 cm a menos de 1 metro de profundidade. A água é geralmente de coloração escura devido ao alto índice de matéria orgânica em decomposição, com pH variando de 4.5 (fortemente ácido) a 7.0 (neutro). Quanto ao fundo, geralmente é composto de matéria orgânica e argila, e a vegetação é caracteristicamente composta de pequenas gramíneas, taboa, ciperáceas e pteridófitas.

Killifishes, de uma forma geral, dividem seu ambiente com uma grande gama de outros animais, citando como seus principais predadores as larvas de Odonatas (libélulas) e Coleóptera (besouro), seguidos de alguns anfíbios e aves.

Hábitos

Basicamente os killifishes se alimentam de insetos, larvas, pequenos crustáceos, flores e frutos, normalmente encontrados neste tipo de ambiente. São peixes ovíparos, isto é, se reproduzem por ovos e encontra-se entre eles, três processos pelos quais perpetuam a espécie: anual, semi-anual e não anuais.

Anual – Os Killifishes anuais efetuam sua postura enterrando os ovos no substrato (lama) do fundo do biótopo (poça), representado por brejo temporário formado pelo acúmulo de água da chuva ou pelo transbordamento de pequenos riachos em áreas de baixada, savana ou restinga, que ficarão totalmente secos após determinado período seguido ao término das chuvas, e cuja duração estará diretamente relacionada com a evaporação e a permeabilidade do solo, fatores responsáveis pela perda de água do sistema. Devido a instabilidade apresentada neste tipo de sistema, vamos encontrar nesses killifishes um processo de crescimento (ovo-adulto) rápido, onde alguns tornam-se adultos, sexualmente, em três semanas (Cynolebias minimus, C. myersi).

Outra adaptação acontece no decorrer de sua evolução no que diz respeito a seus ovos. Estes possuem a casca (córion) muito resistente, possibilitando que se desenvolva no interior dos mesmos um completo processo embrionário dividido em três fases evolutivas, designadas por Diapausa. Todo processo ocorre em um ambiente quase que totalmente seco (baixa umidade) nas camadas mais profundas, no solo seco (fundo) do biótopo. Estes ambientes são típicos de Cynolebias, Nothobranchius, Trigonectes, Pterolebias, Austrofundulus, Neofundulus e Rachovias.

Semi-anual – Os killifishes semi-anuais possuem uma característica própria, isto é, no processo evolutivo se encontram em um estágio o qual podemos chamar de intermediário, entre os anuais e os não anuais. No que diz respeito à sua reprodução, esses peixes podem efetuar suas desovas no substrato do fundo da poça (biótopo) a exemplo dos anuais, ou desovarem nas raízes das plantas, próximo à superfície da água, como os não anuais, tudo dependendo de um sistema biológico interno que orienta esses peixes, com relação à secagem ou não dos locais habitados por eles, que são passivos à variações em seus níveis (de transbordamento à seca total), dependendo dos fatores climáticos decorridos em cada estação do ano. Estes peixes pertencem ao gênero Fundulopanchax.

Não anuais – Os killifishes não anuais efetuam suas desovas normalmente nas raízes das plantas, junto a superfície d’água. Como exemplo, podemos citar os Rivulus, Aplocheilus e Aphyosemion.

Como podemos ver, os killifishes (anuais) são dotados de certas particularidades, que os tornam espécies distintas das demais, popularmente divulgadas. Um público importante para o trabalho de preservação da espécie é o proprietário rural, que pode ter em suas terras, biótopos com ocorrência desses peixes.

No Rio de Janeiro existe uma fauna relativamente grande de killifishes (Rivulus e Cynolebias). Porém, dois fatores têm motivado o seu processo de destruição. O primeiro diz respeito a seu modo de vida e ao processo reprodutivo (killifishes anuais) e o segundo, está relacionado ao completo desconhecimento por parte da população e até mesmo pela maioria dos aquaristas sobre estes peixes, o que vem a colocar como maior ameaça aos killifishes a ação antropomórfica, em seus ambientes.

Os killifishes anuais, como parte das Cynolebias que ocorrem no Estado Rio de Janeiro, vivem em ambientes temporários, existindo um período de secagem total no verão e em encontram-se em regiões litorâneas (poças de restinga) que sofrem, constantemente, processos de aterramento. Essas regiões originam empreendimentos imobiliários a beira-mar e a visão de grandes lucros faz com que não se preocupem com uma pequena poça no caminho das suas máquinas, mesmo que isso inclua a extinção de uma ou mais espécies animais.

A outra parte das Cynolebias se localiza no interior e o desconhecimento de seus costumes e seu habitat, torna-se um fator preponderante no processo destrutivo pelo qual eles vêm passando. Estes peixes vivem em poças temporárias e, por serem estes locais considerados focos de mosquitos pela população e por alguns órgãos oficiais, são sumariamente bombardeados com pesticidas ou mesmo drenados e aterrados, sem que seja feito qualquer estudo de levantamento da fauna existente no local. Algumas vezes, a área onde existe o biótopo é invadida, dando origem a um loteamento clandestino, onde as casas são construídas sem planejamento e sem rede de saneamento básico. Desta forma, todo o esgoto in natura é despejado, o que além de exterminar os killifishes, gera um perfeito criadouro de mosquitos e foco de bactérias nocivas ao homem.

Para ser detido o processo de extinção dos killifishes e revertido o atual quadro das populações ainda existentes, é de extrema importância que estes peixes sejam divulgados e popularizados. Para isso, estamos à disposição para palestras e cursos.


Autor: Luiz Carlos Calzavara Motta e Francisco Moutinho e-mail: [email protected] ou tels.: (021) 332-5225 e (021) 595-9125