Laboratórios de produção de pós-larvas têm a faca e o queijo nas mãos

A indústria brasileira de camarão está enfrentando tempos difíceis. A produção de 2017 atingiu aproximadamente 40.967 toneladas, criadas em aproximadamente 30.000 ha de viveiros (IBGE, 2018). Isso é 21% menor do que foi produzido em 2016, e meros 45% de seu pico de produção em 2003 (90.190 toneladas). Na realidade, a carcinicultura brasileira tem lutado com doenças e problemas estruturais há 15 anos, e não há mudanças fundamentais à vista que possam justificar uma reversão nessa tendência no futuro próximo.

 


Por: Bernard Devresse
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Feed&Care Tecnologia Ltda.


Isso contrasta fortemente com outros países da América Latina e do Sudeste Asiático, como a Índia, que atingirá e ultrapassará 600.000 toneladas em 2018, tendo conseguido superar a maioria de seus surtos de doenças, incluindo a EMS, e mantendo um crescimento impressionante nos últimos cinco anos.

O Brasil é atormentado por apenas quatro doenças (IHHNV, NHP, WSSV e IMNV), em comparação com 13 doenças conhecidas que ocorrem no Equador.

Então, por que o Brasil experimenta tantos problemas no gerenciamento e solução de seus problemas?

Como sempre, uma situação tão complexa terá muitas razões ou causas, e todos terão uma opinião sobre o assunto. Gostaria, porém, de me concentrar aqui em um aspecto importante: o status de saúde dos reprodutores e pós-larvas.

Animais expostos a todos os patógenos

É muito interessante e vale a pena destacar a forma como o Sudeste Asiático conseguiu resolver seus problemas com WSSV e EMS, graças à importação maciça de camarões “limpos” e de alto desempenho oriundos de programas profissionais de seleção genética. Somente a Índia importou mais de 150.000 reprodutores em 2017, aproximadamente 25% do mercado mundial de exportação de reprodutores de L. vannamei SPF. Em muitos países do Sudeste Asiático, o uso de pós-larvas limpas agora é visto como uma condição necessária para uma carcinicultura de sucesso. No entanto, isso não acontece no Brasil.

O pensamento predominante entre a maioria dos produtores brasileiros é que povoar um camarão “resistente” em viveiros infectados é a melhor estratégia. Estes animais robustos, selecionados de áreas desafiadas, são conhecidos como APE (All Pathogen Exposed ou Expostos a Todos os Patógenos), em comparação com os conceitos SPF (Specific Disease Free ou Livres de doenças Específicas) ou SPR (Specific Disease Resistant ou Resistentes a doenças Específicas). Na prática, o uso de animais APE robustos produziu alguns resultados positivos, quando comparado a uma única linha de crescimento rápido produzida por um conhecido laboratório de camarões localizado no Rio Grande do Norte.

A realidade é que a indústria não encontrou uma solução aceitável com o uso desses animais APE. Os rendimentos por hectare atingiram uma nova baixa, com cerca de 1,3 toneladas/ha por ano, e as densidade chegam a ser de até 5 PL/m2. As perdas têm sido frequentes, e a maior parte dos camarões é vendida com menos de 10-12 g de peso. Em todo lugar existem fazendas de camarão para venda ou para aluguel, e a indústria agora está se integrando rapidamente na horizontal: os grandes carcinicultores estão ficando maiores, os pequenos estão progressivamente abandonando a indústria.

Laboratórios

A Tabela 1 apresenta resumidamente a produção do laboratórios que produzem pós-larvas no Brasil. A partir desses dados, podemos ver que a produção de mais de 60% do total de pós-larvas está nas mãos das seis maiores empresas. A maioria, se não todos os grandes e médios laboratórios, possuem a sua maturação. A razão para isso está na redução dos custos, na falta de produtores especializados na comercialização de náuplios, e na simplicidade dos atuais procedimentos de maturação. Na prática, os animais provenientes das fazendas são trazidos para a produção sem muita atenção ao seu estado de saúde, e não há regulamentos oficiais estabelecidos ou aplicados para o procedimento de quarentena em animais usados ​​para reprodução.

Tabela 1 - Produção dos laboratórios brasileiros
Tabela 1 – Produção dos laboratórios brasileiros

Os animais que atingem o tamanho certo para a reprodução são rapidamente, e informalmente, colocados em instalações de maturação. A maioria dos laboratórios não está realizando nenhum tipo de análise formal, como PCR ou diagnóstico histológico. E nenhum desses laboratórios entrega pós-larvas com um certificado de saúde documentado e nenhuma análise de PCR está disponível. Na prática, poucos carcinicultores implementaram um controle de qualidade sistemático para as pós-larvas. Além disso, a maioria deles já abandonou o uso regular de análises de PCR caras, uma vez que isso não foi percebido como uma ferramenta útil para gerenciar os resultados da fazenda. Portanto, a indústria brasileira de camarão não tem outra alternativa a não ser comprar pós-larvas de camarões muito provavelmente contaminadas por patógenos.

A produção brasileira de camarão caiu 21% em 2017, em relação ao ano anterior
A produção brasileira de camarão caiu 21% em 2017, em relação ao ano anterior

Enquanto animais reprodutores (APE – Expostos a todos os patógenos) forem coletados em viveiros de produção e levados para as instalações de maturação, sem quarentena formal (caso contrário precisaria de até 24 meses para limpar os animais de todos os patógenos), a situação oferecerá pouca esperança para dias melhores.

Como os procedimentos que envolvem a limpeza de todos os patógenos são processos complexos e demorados, a indústria brasileira de camarão deve considerar a importação de animais limpos, selecionados para crescimento ou robustez. Isso tem demonstrado ser um decisivo fator de mudança em muitos países envolvidos na indústria de camarão, tanto no Sudeste da Ásia como na América Latina.

As autoridades brasileiras responsáveis ​​pelo setor fariam um ótimo trabalho para a indústria, se facilitassem a importação regular de camarões SPF visando a formação de reprodutores, e ainda implementassem salvaguardas para romper o ciclo de propagação de doenças e patógenos dentro do país, entre as fazendas e os laboratórios produtores de pós-larvas.


Esse artigo foi publicado originalmente na revista HatcheryFeed (Volume 6, Edição 4, 2018). O autor, Bernard Devresse, possui 30 anos de experiência na indústria de alimentos para camarão e peixe, mais especificamente na área de nutrição e processamento. Atualmente, Bernard Devresse também é carcinicultor no Rio Grande do Norte, Brasil.