Larvicultura de Bijupirá

Por:
Marcell Boaventura de Carvalho
e-mail: [email protected]


Este artigo fecha a trilogia iniciada na edição 90 quando abordamos o tema da engorda do bijupirá, seguido dos cuidados no manejo de reprodutores na edição 91, e na presente edição, com a abordagem da larvicultura deste peixe com a experiência de Marcell Boaventura de Carvalho, engenheiro de pesca recém formado pela UFRPE – Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Durante os meses de julho, agosto e setembro de 2005, o Departamento de Pesca e Aqüicultura da UFRPE, em uma iniciativa conjunta com a empresa Aqualider Maricultura Ltda, viabilizou o estágio do então aluno Marcell Boaventura de Carvalho, para acompanhar as atividades de larvicultura e alevinagem do bijupirá, Rachycentron canadum na Universidade Estadual da Virgínia (EUA), no Virginia Sea Food Agricultural Research and Extension Center, também conhecido como VA Tech (lê-se Virginia Tech). As atividades de Marcell também se estenderam a Rosenstiel School of Marine and Atmospheric Sciences, da Universidade de Miami onde os Drs. Daniel Benetti, Refik Orhum e Ian Zink, entre outros pesquisadores, desenvolvem atividades de pesquisa com maturação, larvicultura, alevinagem e engorda de bijupirá, peixe também conhecido no Nordeste como beijupirá.

A produção pesqueira por captura, atualmente estabilizada, tende ao declínio, enquanto a demanda mundial de pescado se multiplicou por 12 nos últimos 30 anos devido ao aumento da população e o aumento do consumo de pescado. Estimativas sugerem que o crescimento da população mundial até 2020 resultará em uma ampliação do consumo de pescado da ordem de 30 milhões de toneladas/ano. Esse aumento na demanda por produtos pesqueiros terá, assim, que ser suprida pela aqüicultura, pois desde os anos 80 as pescarias industriais não conseguem lograr incrementos substanciais à produção de pescado que atualmente representa 35% dos produtos pescados consumidos no mundo(1). Dessa forma, em alguns anos a piscicultura em oceano aberto e em viveiros, também conhecida como “Revolução Azul”, será uma realidade em muitos países.

O bijupirá (Rachycentron canadum), único representante da família Rachycentridae, é um peixe pelágico, costeiro, que se distribui em toda faixa tropical e subtropical do planeta, incluindo o Brasil, não estando presente apenas na porção leste do Pacífico. Com a fama de ser o “Salmão Tropical”, a espécie, vem sendo vista no País como a principal candidata aos primeiros cultivos comerciais na zona costeira.

A larvicultura e Alevinagem do bijupirá

O ciclo de produção de alevinos do bijupirá tem início nos tanques de maturação, onde as fêmeas e os machos são mantidos em instalações adequadas e altamente controladas. Dependendo do tamanho e da alimentação oferecida, as fêmeas podem produzir entre 300 mil e 1,9 milhão de ovos(2), que na natureza seriam rapidamente convertidos em alimento para uma ampla gama de predadores. Porém, quando criados em ambiente apropriado e com alimentação adequada, o número de indivíduos que chega a idade adulta é muito superior.

Após a desova, que ocorre normalmente no período noturno, os ovos fecundados devem ser cuidadosamente coletados nas primeiras horas da manhã, quando são então lavados e desinfetados. Para isso várias estratégias podem ser utilizadas, sendo as mais recomendadas as que utilizam o peróxido de hidrogênio (água oxigenada), ou o gás ozônio, por proporcionarem excelentes resultados no controle de bactérias.

À temperatura de 28°C, as larvas do bijupirá devem eclodir em menos de 24 horas após a fecundação(3), podendo medir entre 1,8 e 2,7 mm, no seu comprimento total. Entre o 1° e o 2° dia após a eclosão (DAE) as larvas podem ser transportadas por várias horas (preferencialmente menos de 24 horas), se acondicionadas em sacos plásticos contendo 1/3 de água e 2/3 de oxigênio. A água deve ter salinidade entre 34 e 36 ‰, pH em torno de 8,0 e uma densidade de estocagem ao redor de 3.000 larvas/L. A redução da temperatura da água para que fique entre 24 e 26°C garante que o estresse será minimizado durante o transporte.

A adoção desse manejo permitiu que larvas de bijupirá eclodidas nas instalações do ACFK – Aquaculture Center of the Florida Keys, na Flórida (EUA), fossem transportadas até o VA Tech, no Estado da Virgínia, onde foi realizada a larvicultura experimental que é descrita a seguir.

Sistema de Recirculação

Os “RAS” (sistemas de recirculação) foram desenvolvidos e aprimorados nos últimos trinta anos, e atualmente são comuns nas estações aqüícolas norte-americanas que possuem limitações quanto à captação de água (Figura 1). Suas vantagens e desvantagens podem ser observadas no Quadro 1.

Figura 1 – “RAS” – sistema de recirculação da água de cultivo de larvas
Figura 1 – “RAS” – sistema de recirculação da água de cultivo de larvas
Quadro 1 – Vantagens e desvantagens do uso do sistema de recirculação na larvicultura
Quadro 1 – Vantagens e desvantagens do uso do sistema de recirculação na larvicultura

O sistema de larvicultura adotado no VA Tech é o “RAS”, obviamente, devido à necessidade de reutilização da água. Lá, os tanques de larvicultura são de pequeno volume (300 L), o que os torna bastante eficientes quando utilizados para experimentos com elevado grau de controle e precisão, sendo, porém, ineficientes para a produção de alevinos em larga escala, ao contrário do sistema de fluxo contínuo, utilizado por exemplo na Universidade de Miami, com seus tanques de grandes volumes (20.000 L), que proporcionam excelentes resultados na produção industrial de larvas e alevinos.

O “RAS” é basicamente composto por uma bomba, encarregada da circulação da água, além de vários outros equipamentos como mostrados na Figura 2. Entre eles o tanque de larvicultura (1), cuja água é levada para a caixa de recirculação (2), onde fica circulando por um skimer (3). Do tanque de recirculação a água passa por um BBF – Bubble Bead Filter (4), que vem a ser um filtro composto por duas câmaras interligadas, das quais uma é preenchida com partículas plásticas de baixa densidade, formato irregular e tamanho entre 5 e 10 mm, que retêm a matéria particulada com alta eficiência diante da elevada taxa de recirculação. A seguir a água passa por um filtro de bolsa ou Bag Filter (5), de onde sai para ser submetida a um tratamento com UV – ultra violeta (6), antes de retornar aos tanques de larvicultura.

Figura 2- Esquema do Sistema de RAS utilizado no VA tech
Figura 2- Esquema do Sistema de RAS utilizado no VA tech

É importante lembrar que inicialmente a água deve passar por uma filtragem mecânica seguida de tratamento com cloro a 5 ppm para esterilização. Após a certeza de que todo o cloro residual já foi volatilizado a água está pronta para entrar no sistema de recirculação.

A Larvicultura

Para início da larvicultura é necessário que se tenha produção de fitoplâncton (microalgas) e zooplâncton (rotíferos e artêmia), alimentos vivos que serão oferecidos às larvas.

Algas

Diversas algas podem ser utilizadas, tanto para o cultivo de rotíferos como para a própria larvicultura de peixes. Tradicionalmente, as larviculturas do bijupirá têm sido realizadas com águas verdes contendo Nannochloropsis oculata (Figura 3 A e B) na densidade de 120.000 células/ml, como utilizado no VA Tech, entretanto, outras algas como Isochrysis galbana, ou Tetraselmis sp. podem também ser utilizadas, como é feito no Vietnam na larvicultura da mesma espécie. Estas algas podem ser cultivadas no próprio laboratório ou podem ser utilizados concentrados algais a base de microalgas centrifugadas. Assim, para o dimensionamento da produção, deve-se considerar o consumo de algas tanto na larvicultura como para a produção de rotíferos.

Figura 3 – (A) Cultivo em massa da alga Nannochloropsis oculata; (B) Tanque de larvicultura em operação, inoculado com algas
Figura 3 – (A) Cultivo em massa da alga Nannochloropsis oculata; (B) Tanque de larvicultura em operação, inoculado com algas
Rotíferos

Duas espécies de rotíferos – Brachionus rotundiformis (S-type) e B. plicatilis (L-type) (Figura 4) são utilizadas para alimentar diferentes classes de tamanho de larvas. Dois sistemas são comumente utilizados para cultivá-los: o contínuo e o não-contínuo. No cultivo contínuo o tanque de cultivo é diariamente despescado, com a retirada de 40% do volume, sendo mantida a densidade entre 400 e 500 Rot./ml. O sistema não-contínuo é realizado ao longo de quatro dias, quando 70% do volume é despescado e utilizado na larvicultura, sendo os 30% restantes utilizados como inóculo para novos cultivos. O sistema não-contínuo possibilita melhor controle biológico, resultando numa melhor manutenção da sanidade dos animais.

Figura 4 – Rotíferos Brachionus plicatilis (L-type 375 µm), e Brachionus rotundiformis (S-type 250 µm)
Figura 4 – Rotíferos Brachionus plicatilis (L-type 375 µm), e Brachionus rotundiformis (S-type 250 µm)
Artêmia

Entre os processos de produção dos alimentos vivos para a alimentação das larvas do bijupirá, a eclosão e o enriquecimento dos náuplios de artêmia se destacam por necessitar de cuidados especiais e programação complexa. Da mesma forma que os rotíferos, são também utilizados dois tipos diferentes de artêmia, de acordo com a fase larval do peixe. Os náuplios de artêmia utilizados no VA Tech foram provenientes de dois tipos diferentes de cistos fornecidos pela INVE: o AF de tamanho reduzido (430µm X 162µm) e altas concentrações de lipídios e EG de maior tamanho (630µm X 185µm) mas com baixa concentração de lipídios (Figura 5), sendo necessário o seu enriquecimento antes do uso (4) (Foto 4). Foram oferecidos náuplios AF nos três primeiros dias da fase de transição da alimentação de rotíferos para a de náuplios de artêmia. A seguir são ofertados náuplios de artêmia do tipo EG até o completo desmame (exclusão total da alimentação viva).

Figura 5- Tipos de artêmia utilizados na alimentação das larvas. À direita, artêmia AF (430 x 162 µm) e à esquerda artemia EG (630 x 185 µm)
Figura 5- Tipos de artêmia utilizados na alimentação das larvas. À direita, artêmia AF (430 x 162 µm) e à esquerda artemia EG (630 x 185 µm)

Rotíferos e náuplios de artêmia devem ser enriquecidos como forma de adicionar nutrientes importantes para o desenvolvimento das larvas. No processo de enriquecimento também conhecido como “bioencapsulação”, podem ser usados inúmeros produtos como algas, leveduras, e concentrados lipídicos e protéicos os quais podem ser adicionados separadamente, ou em conjunto, quando se deseja associar as características benéficas de cada item.

Um importante aspecto na nutrição das larvas é a oferta de níveis adequados de HUFAs (ácidos graxos altamente poli-insaturados), que desempenham papéis indispensáveis, como a manutenção estrutural e metabólica de células, desenvolvimento do sistema neural e visual, além de promover uma maior tolerância ao estresse (5). Produtos contendo altas concentrações destes ácidos, DHA (docosahexaenóico) e EPA (eicosapentanóico) são altamente recomendados para o enriquecimento, pois os peixes marinhos, de maneira geral, não possuem enzimas necessárias para sintetizar estes ácidos a partir de seu precursor de cadeia mais curta, o ácido linolênico (6). Por outro lado, a utilização de produtos a base de proteínas, estimula o ganho de massa corpórea, já que este é o principal componente de muitos tecidos. Algas e leveduras podem ser utilizadas quando se deseja incrementar pigmentos, energia, e estimular o sistema imune, através do aporte natural de ß-glucanos e lipopolisacarídeos. No VA Tech o principal enriquecimento utilizado foi o Easy Selco DHA que contém altas concentrações de lipídios hidrossolúveis (67%) vitaminas A, D, E e C, dentre outros componentes.

Manejo

Antecedendo o início da larvicultura, deve ser realizado um tratamento químico na água de recirculação, destinado a estimular as bactérias nitrificantes, principais responsáveis pela remoção dos compostos nitrogenados. Os níveis de amônia entre 5 e 10 mg/L, desejados no início do funcionamento do sistema, podem ser alcançados pela a adição de 5 ppm de cloreto de amônia. A atividade bacteriana tende a acidificar a água, assim, para manter a alcalinidade na faixa ideal, entre 150 e 200 mg/l, podem ser usados compostos como carbonato de cálcio ou bicarbonato de sódio. A acidez é um fator limitante para muitas bactérias, além de aumentar o percentual de amônia não-ionizada, que é altamente tóxica para os peixes marinhos. Recomenda-se que os níveis de amônia, nitrito e nitrato, sejam acompanhados diariamente, tanto para verificar a atividade das bactérias, como para prevenir que estes compostos nitrogenados cheguem a níveis letais. Na larvicultura, a temperatura deve ser regulada em função da espécie de cultivo, porém deve-se ter em mente que a temperatura influencia diretamente na nitrificação e na denitrificação, bem como no metabolismo das larvas.

Durante a larvicultura, os parâmetros físico-químicos devem ser monitorados e controlados constantemente evitando qualquer variação. Mesmo que os parâmetros se correlacionem, de maneira geral, os mais limitantes são: OD, temperatura, pH, salinidade, alcalinidade e compostos nitrogenados. Adicionalmente, detritos sólidos depositados no fundo devem ser cuidadosamente retirados do sistema por sifonamento, o qual deve ser realizado diariamente. O Quadro 2 mostra os parâmetros desejados na larvicultura do bijupirá.

Quadro 2 - Parâmetros físico-químicos desejáveis
Quadro 2 – Parâmetros físico-químicos desejáveis

Desde o momento em que a larva eclode do ovo, até quando se torna um juvenil, suas necessidades alimentares devem ser rigorosamente supridas. A alimentação nas diferentes fases deve ser tratada com especial cuidado, principalmente quando se trata da primeira alimentação, que ocorre entre o 3º e o 4º DAE. Nesta idade, as larvas medindo pouco mais de 4,0 mm e ainda com uma pequena parcela das reservas vitelogênicas, começam a se alimentar.

A primeira alimentação das larvas é claramente observada pela mudança nas características visuais do trato digestivo, como pode ser observadas na Figura 6. A partir daí, análises do conteúdo estomacal devem ser constantemente realizadas. Nesta análise, a larva é colocada sobre uma lâmina, pressionando-se uma lamínula na região abdominal, sendo o conteúdo cuidadosamente esguichado para fora do trato e observados os itens alimentares presentes e seu grau de digestão.

Reconhecidamente, larvas de peixes marinhos são predadores visuais, daí a necessidade de se ter nos tanques paredes pretas e de se manter um fotoperíodo de 24 horas com luz durante todo o período de alimentação viva, sendo diminuído, gradativamente, apenas a partir do 20º DAE, quando a porcentagem de alimento inerte oferecido já é maior que a porcentagem de alimento vivo. Pôde-se observar, durante vários dias da larvicultura, que as larvas formam grandes cardumes concentrando-se nas porções dos tanques onde a intensidade luminosa é maior.

Figura 6 - Trato digestivo de larvas de R. canadum no 3º DAE antes da 1ª alimentação (A) e após a 1ª alimentação (B). A seta indica o bolo alimentar
Figura 6 – Trato digestivo de larvas de R. canadum no 3º DAE antes da 1ª alimentação (A) e após a 1ª alimentação (B). A seta indica o bolo alimentar

Todos os períodos em que são feitas mudanças na alimentação, seja de rotíferos para náuplios de artêmia AF ou de náuplios de artêmia para dieta seca, são críticos. Elevadas mortalidades podem ser observadas nestas fases pois um grande percentual de indivíduos retardatários não conseguirá se adaptar ao tamanho do novo alimento, não tendo chance de se alimentar devidamente. Assim as mudanças dos alimentos devem ser precedidas por uma coalimentação, quando os dois diferentes alimentos são oferecidos simultaneamente e gradativamente sobrepostos. O momento ideal para se mudar totalmente a alimentação pode ser observado facilmente nas larvas do bijupirá em condições laboratoriais, pois são bastante seletivas na sua alimentação. Assim, ao analisarmos o conteúdo estomacal, dificilmente serão encontrados dois tipos distintos de presa. Na passagem de rotíferos para náuplios de artêmia, por exemplo, observaremos um gradativo aumento do percentual de larvas contendo apenas náuplios de artêmia.

No ensaio principal que foi desenvolvido em 24 tanques de 300 L divididos em módulos de três tanques de produção de alevinos integrados num RAS, observou-se que as larvas de mesma idade com tamanho inferior a 5,5mm em seu comprimento total, se alimentavam apenas de rotíferos mesmo que náuplios de artêmia AF já estivessem sendo oferecidos; por outro lado, larvas maiores que 5,5mm apenas se alimentavam de náuplios de artêmia, como mostra a Figura 7 A e B.

Figura 7- Diferenciação entre um trato digestivo com Artêmia (A) e com rotíferos (B), observada em tanques com larvas de mesma idade (7º DAE), porém de diferentes tamanhos 
Figura 7- Diferenciação entre um trato digestivo com Artêmia (A) e com rotíferos (B), observada em tanques com larvas de mesma idade (7º DAE), porém de diferentes tamanhos 

Como mencionado anteriormente, toda e qualquer substituição na alimentação, intensifica as mortalidades e, principalmente, quando há inclusão de alimento inerte. Por este motivo alguns pesquisadores consideram o uso de copépodos antes da inclusão da dieta seca, porque quando os náuplios de artêmia passam a ser pequenos demais, as larvas ainda não completaram a sua metamorfose, não sendo capazes de digerir muitos dos componentes da dieta seca. A metamorfose, que ocorre ao redor do 15º DAE, é sinalizada por várias mudanças morfológicas como o aparecimento de raios nas nadadeiras, recobrimento das brânquias pelo opérculo, avivamento da pigmentação, entre outras. Mas, entre as mais importantes mudanças se destaca a segmentação do trato digestivo e o início da síntese de várias enzimas digestivas.

Gradativamente, a diferenciação das células nos compartimentos do tubo digestivo e a produção de enzimas específicas vai incrementando a capacidade de quebra e absorção de diferentes componentes.

Nas larviculturas experimentais realizadas no VA Tech, iniciou-se o oferecimento de dieta seca no 14º dia, juntamente com os náuplios de artêmia EG enriquecidos, como mostra a Figura 8, onde se observa a diminuição gradativa da quantidade de artêmia e o aumento da quantidade de dieta seca, sem que tenham sido utilizados copépodos. Esse manejo alimentar permitiu uma sobrevivência final de 25%, um resultado surpreendente se comparado com as sobrevivências de 5 a 10% normalmente encontradas em larviculturas que tradicionalmente utilizam copépodos em seus protocolos de alimentação.

Figura 8 - Protocolo alimentar utilizado no VA Tech, indicando o número de rotíferos e artêmia/mL inoculados e ainda a quantidade de dieta seca utilizada em gramas, sendo os rotíferos enriquecidos, náuplios de Artêmia não enriquecidos (AF), náuplios de Artêmia enriquecidos (EG)
Figura 8 – Protocolo alimentar utilizado no VA Tech, indicando o número de rotíferos e artêmia/mL inoculados e ainda a quantidade de dieta seca utilizada em gramas, sendo os rotíferos enriquecidos, náuplios de Artêmia não enriquecidos (AF), náuplios de Artêmia enriquecidos (EG)

Por volta do 17° DAE, a disparidade de classes de tamanho nos tanques começa a ser mais aparente. Com a diminuição do oferecimento das presas vivas o canibalismo começa a ser um problema (Figura 9). Neste sentido algumas medidas, como o aumento da movimentação da água nos tanques de produção ou a seleção dos juvenis por gradeamento, devem ser tomadas

.

Figura 9 - Canibalismo observado em larvas 17º DAE
Figura 9 – Canibalismo observado em larvas 17º DAE

O crescimento acelerado observado na fase de engorda e que tanto tem chamado a atenção para a espécie, também ocorre durante a larvicultura e alevinagem. Durante os primeiros 15 dias de larvicultura, o animal chega a crescer mais de 1 mm por dia, mantendo este padrão de crescimento até próximo do 28º DAE como mostra a curva de crescimento observada nos experimentos do VA Tech (Figura 10). Os animais foram mantidos no mesmo sistema, até que atingiram o peso médio de 2 g por volta do 36º DAE, quando então estavam aptos a serem transferidos do laboratório para o local de cultivo.

Figura 10 - Curva de crescimento observada na larvicultura do VA Tech
Figura 10 – Curva de crescimento observada na larvicultura do VA Tech
Doenças

As principais doenças que podem afetar a larvicultura estão relacionadas aos parasitas Cryptocaryon irritans e Amyloodinium ocellatum; às bactérias Streptococcus spp., Photobacterium spp e, ao vírus Lymphocystis. Entretanto, temos que considerar que a ocorrência de doenças está diretamente relacionada à falta de cuidados no manejo. Mesmo saudáveis, os peixes se tornam mais vulneráveis aos agentes patogênicos se expostos a determinadas situações de estresse, que deprimem seu sistema imune. Isso implica no uso de altas concentrações de vitamina C (principal agente antiestresse) nas dietas e na incorporação de probióticos tanto na ração como no sistema, além do monitoramento freqüente do ambiente a fim de prevenir as menores variações dos padrões físico-químicos e biológicos.

Na adoção das medidas de biosegurança, é preciso ter em mente que existem organismos patogênicos, que presentes em animais adultos podem não causar problemas, mas em larvas podem ser excessivamente danosos. Da mesma forma, os cultivos de alimento vivo proporcionam o desenvolvimento de vários parasitas e bactérias que podem causar problemas na larvicultura. Assim, as salas de larvicultura devem estar completamente isoladas tanto da maturação, como da produção de alimentos vivos.

Considerações finais

Bons resultados na larvicultura estão diretamente ligados à produção de ovos de boa qualidade, assim, a alimentação de reprodutores deve ser cuidadosamente manipulada, a fim de oferecer todos os nutrientes requeridos durante a maturação. Deve-se lembrar ainda, que a qualidade dos gametas também está ligada à idade do plantel, sendo a produção de gametas de boa qualidade mais observada em indivíduos jovens. Por outro lado, a fecundidade (número de ovócitos produzidos) depende do tamanho do animal. De maneira geral, o reprodutor ideal deve ser de grande porte, porém jovem. Assim, considerando que o tempo de vida médio desta espécie é de 15 anos e o peso recorde registrado foi de 60 Kg para um animal de quase 200 cm de comprimento, podemos estimar que um reprodutor jovem de grande porte estaria com idade entre 4 e 7 anos, pesando de 15 a 30 Kg.

Os resultados na fase de engorda, por sua vez, dependem diretamente da qualidade da produção nas fases jovens. A alimentação e nutrição das larvas são os pontos mais importantes, dessa forma, os estudos devem estar focados na identificação precisa das diferentes enzimas e época de seu aparecimento durante o desenvolvimento larval. Estudos recentes têm apresentado excelentes resultados com relação à produtividade (produção de larvas/volume de água), mas o desmame e as sobrevivências ainda são os grandes desafios na produção de peixes marinhos.

As experiências vivenciadas nos laboratórios norte-americanos têm desmistificado os problemas da larvicultura e da alevinagem da piscicultura marinha. Além disso, a tecnologia associada a técnicas, idéias e conceitos básicos da aqüicultura, tornam a piscicultura marinha viável frente à realidade brasileira, não importando se a larvicultura será feita em sistema de recirculação “RAS” ou de fluxo contínuo. Além de desfrutarmos de condições excepcionais para a larvicultura e alevinagem, temos, para a engorda, uma costa de mais de 8.000 km onde cerca de 70% (Norte-Nordeste) desfruta de águas costeiras claras e quentes, ideais para o cultivo do bijupirá. Somado a isso, a crise da carcinicultura no país tem afetado muitas larviculturas do camarão Litopenaeus vannamei, fechando algumas e fazendo com que outras funcionem com elevado índice de ociosidade. Naturalmente, estas estruturas montadas para produção de camarão, podem ser facilmente convertidas para a produção do bijupirá bem como de outros peixes marinhos.


Agradecimentos:

Ao Departamento de Pesca e Aqüicultura da UFRPE, a seu corpo docente e em especial aos professores e amigos Dr. Fábio Hazin e Dr. Santiago Hamilton; à Aqualider Maricultura LTDA; ao Dr. Michael Schwarz e sua equipe pela realização do estágio na Virginia State University/VA Tech; aos professores Dr. Daniel Benetti, Dr.Refik Orhum e sua equipe da RSMAS; Miami University; ao Dr. Nick King da INVE; à NEXCO e sua equipe técnica.


Referências:

1 APROMAR Espanha.

2 BROWN-PETERSON et al.: Reproductive Biology of Cobia, Rachycentron canadum, from costal waters of the southern United States 2000. Institute of marine sciences, University of Southern Mississippi. Fish. Bull 99:15-18(2001)

3 BENETTI, D.D et al, Hatchery production of Mutton Snapper (Lutjanus analis) and other high value marine food fish. National Oceanographic and Atmospheric Administration (NOAA), National Marine Aquaculture Initiative (NMAI), Progress Report. October1, 2001 – September 30,2002.

4 KING, N., Schwarz, M.H., Mowry, D., Zimmerman J. Intensive Work on Cobia Larvae. Fish Farming International. October, 2004.

5 KANAZAWA, A., 1997. Effects of docosahexaenoic acid and phospholipids on stress tolerance of fish. Aquaculture 155, 129-134.