Legislação Ambiental – edição 79

Licenciamento Ambiental das Atividades da Aqüicultura

Por: Virgínia Totti Guimarães
Advogada especializada em Direito Ambiental


Mito se tem discutido acerca das questões que envolvem o licenciamento ambiental das atividades de aqüicultura. Já ressaltamos em outra oportunidade a importância da determinação de regras claras e de um procedimento mais célere para o setor produtivo pois, na prática, o que se verifica é a lentidão dos procedimentos de licenciamento de competência do órgão ambiental federal – IBAMA – e, para as atividades localizadas em águas públicas, a conseqüente demora da conclusão dos processos de cessão. Cabe mencionar que a presente análise se restringe ao IBAMA, dada a impossibilidade de serem trabalhadas as especificidades dos OEMAs – Órgãos Estaduais de Meio Ambiente.

Por meio do licenciamento ambiental, o Poder Público atende ao seu dever de defesa do meio ambiente. Sua atuação é exigida pela Constituição Federal, não sendo facultado ao Poder Público um posicionamento omisso. O que determina a necessidade das atividades aqüícolas se submeterem ao licenciamento ambiental é o seu enquadramento como atividades poluidoras ou potencialmente poluidoras. A título exemplificativo, foi estabelecida na Resolução CONAMA nº 237/97, uma lista de atividades que devem se submeter ao licenciamento; são as atividades presumivelmente poluidoras, dentre as quais, encontra-se o “manejo de recursos aquáticos vivos”. Assim, enquanto vigente esta Resolução, não cabe excepcionar a exigência de licenciamento ambiental para a aqüicultura, pois trata-se de uma obrigatoriedade estabelecida pela norma geral.

No entanto, mesmo dentre as atividades que devem submeter-se ao licenciamento, existem as que, por serem causadoras de significativa degradação ambiental, sujeitam-se a um procedimento mais complexo. O licenciamento dessas atividades inclui a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) – exigência estabelecida pela Constituição Federal. Trata-se de uma avaliação do empreendimento cujo objetivo principal é munir os órgãos públicos de informações mais detalhadas e completas sobre os impactos ambientais que serão gerados. Não se constitui, portanto, de um procedimento simples, mas de uma série de atos e fases, dentre as quais podem estar incluídas as audiências públicas.

A princípio, a atividade de aqüicultura não se encontra entre as consideradas de significativo impacto ambiental listadas no art. 2º da Resolução CONAMA nº 01/86, o que simplifica bastante o procedimento de licenciamento. No entanto, o entendimento é de que tal relação de atividades é meramente exemplificativa. Desta forma, mesmo a aqüicultura não estando entre as atividades mencionadas na Resolução, pode o órgão ambiental, mediante decisão motivada, exigir o EIA destes empreendimentos. Tal exigência, caso venha a ser feita, deve ser, porém, respaldada em conclusões técnicas e bem fundamentadas para não se constituir em um obstáculo infundado à livre iniciativa, consagrada na Constituição Federal. O EIA é um estudo de custo elevado e só deve ser exigido quando verificado o seu pressuposto, qual seja, a significativa degradação ambiental.

Cabe observar, a existência de norma específica para carcinicultura localizada na zona costeira (Resolução CONAMA nº 312, de 10.10.2002) que exige a elaboração de EIA/RIMA para empreendimentos: (i) com área maior que 50 hectares; (ii) com área menor que 50 hectares, quando potencialmente causadores de significativa degradação do meio ambiente; (iii) a serem localizados em áreas onde se verifique o efeito de adensamento pela existência de empreendimentos cujos impactos afetem áreas comuns.

Partindo-se da premissa de que a quase totalidade dos cultivos ora em funcionamento está isento do EIA, pode-se afirmar que, a contar da data da protocolização do requerimento da licença ambiental, o órgão competente tem seis meses para deferir ou indeferir o pedido, nos termos da mesma Resolução CONAMA nº 237/97. Cabe ressaltar que, caso haja necessidade de elaboração de EIA/RIMA, o prazo será de até 12 meses e que o prazo será suspenso durante o período de elaboração dos estudos ambientais.

O mesmo texto normativo também determina que, no caso do prazo máximo transcorrer sem resposta do órgão ambiental estadual ou municipal, o IBAMA passará a ser o responsável pelo licenciamento. Nada dispõe, no entanto, acerca dos casos em que o IBAMA já é o competente pelo licenciamento. No entanto, em ambas situações a resposta do Poder Público nos mencionados prazos constitui-se um direito dos aqüicultores que, se não observado, possibilita aos mesmos o acesso ao Judiciário para evitar a ocorrência de novas lesões, além das originadas pelo atraso do requerimento da licença ambiental.

Cabe mencionar, por fim, que a autorização de uso de águas públicas federais e a licença ambiental são procedimentos distintos, sendo, portanto, diferentes os órgãos competentes para proceder suas análises. Nos termos da legislação em vigor, a licença ambiental é um dos documentos necessários para requerer a autorização de uso (art. 4°, da Instrução Normativa Interministerial nº 09, de 11.04.2001). Assim, não há que se falar em autorização de uso sem a obtenção prévia da licença ambiental.

Neste sentido, ressaltamos a intenção de simplificação do procedimento de cessão, nos termos do texto da minuta do Decreto recentemente elaborada pela SEAP/PR, apresentada como substitutiva ao Decreto Federal nº 2869, ora na Casa Civil da Presidência da República para análise e posterior, ao qual a Revista Panorama da AQÜICULTURA teve acesso. Nesse novo texto, a análise de licenciamento ambiental passaria a ser parte do próprio procedimento de cessão: o empreendedor, ao requerer a autorização de uso para exercer sua atividade em águas públicas federais, terá seu pedido de licença ambiental analisado pelo IBAMA.

Observamos, no entanto, que diante da impossibilidade de ser alterado o procedimento de licenciamento ambiental por meio de Decreto ou de Instrução Normativa, poderemos estar diante de uma mera alteração formal. O aqüicultor não precisaria mais solicitar a autorização de uso de águas públicas e a licença ambiental em órgãos diversos, devendo apenas, ao iniciar o processo de cessão de águas públicas, adotar todas as medidas necessárias para que o processo possa, também, passar pelo IBAMA que, verificando o cumprimento da legislação, expedirá a licença ambiental. Cumpre ressaltar que a alteração apenas terá relevância prática se o real problema for enfrentado, qual seja, a inércia do IBAMA em responder aos pedidos de licença.

Pretendemos deixar claro que, além da previsão legal de um procedimento mais simplificado, sem a exigência de EIA/RIMA, na medida em que a atividade de aqüicultura não se inclui, a princípio, como potencial causadora de significativa degradação ao meio ambiente, possibilita-se a adoção de medidas, ainda que judiciais, para a solução do impasse que vem sendo gerado ultimamente para muitos aqüicultores que pleiteiam o uso das águas públicas da União. A exigência de licenciamento ambiental impõe deveres e responsabilidades para ambos os lados: ao aqüicultor incumbe a adoção das condutas destinadas à obtenção de sua licença ambiental (tais como, requerimento de licença nos moldes determinados, apresentação dos documentos exigidos, realização dos estudos ambientais necessários) e ao Poder Público cabe analisar e responder ao pedido, dentro de um prazo razoável que foi estabelecido pela legislação.

Correspondências para esta coluna podem ser enviadas para a autora através do e-mail [email protected], ou carta aos seus cuidados para Revista Panorama da Aqüicultura, Caixa Postal 62.555 Rio de Janeiro, RJ cep: 22252-970