Lernaea um problema também para o piscicultor ornamental

Biólogo Marco Antonio de Campos Mathias


O cultivo de peixes ornamentais de água doce, é uma atividade que vem se desenvolvendo no Brasil, paralela à piscicultura “tradicional” e, talvez, por não produzir alimentos para o consumo humano, é um ramo da aquicultura que passa quase que despercebido para o restante do setor.

Atualmente, os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, são os principais centros produtores de peixes ornamentais e muito provavelmente, os maiores consumidores, com destaque para o mercado paulista.

A piscicultura ornamental vem demonstrando ser um negócio muito interessante, sustentado pelos bons preços unitários que os peixes alcançam. Outra característica, é a dificuldade de se obter infonnações precisas dos produtores quanto aos seus manejos, reprodução, etc.

Existe um isolamento por parte dos criadores que não costumam trocar conhecimentos sobre a criação.

Em função deste isolamento “proposital”, e por ser na maioria das vezes encarada como uma atividade supérflua pelo demais aquicultores e pelos órgãos de fiscalização, problemas para as fazendas de cultivo e para o meio ambiente, podem ocorrer sem que nenhuma atenção a eles seja dada.

Recentemente, o cenário brasileiro da aqüicultura esteve intensamente voltado para o problema da introdução de espécies exóticas, principalmente motivado pelo “Caso Clárias”. No entanto, não ouvimos falar sobre a rotineira introdução de peixes ornamentais importados de vários lugares do mundo, e que, sem cuidado algum pode estar sendo veículo de introdução e dispersão de inúmeras doenças ou de organismos prejudiciais à saúde de peixes cultivados ou não, como é o caso da Lernaea cyprinacea.

Como já foi publicado anteriormente na edição nº 17 (maio/junho / 1993) da Panorama da AQÜICULTURA, a Lernaea é um pequeno crustáceo que parasita os peixes, se fixando por baixo das escamas e causando hemorragias, inflamação local, necrose e anemia. De acordo ainda com esta matéria, existem evidências de que a introdução deste parasito no Brasil, se deu por volta de 1986/1987, provavelmente através de lotes importados de carpas. Existem registros de infestações de Lernaea em inúmeras espécies de peixes cultivados ou não.

Nos peixes ornamentais, já foram registradas infestações em carpas coloridas, japonês, gupi, molinésia, telescópio, Labeo, entre vários outros, e não é raro de se observar aquários, em lojas especializa das em peixes ornamentais, com peixes parasitados por este pequeno crustáceo, expostos para serem vendidos.

Mas o maior problema da Lernaea na piscicultura ornamental não está nas lojas, e sim nas propriedades onde estes peixes infestados são produzidos, uma vez que a água de drenagem dos viveiros onde são cultivados, normalmente escoam para os corpos d’água naturais, contaminando os peixes nativos, e até espalhando este parasito para outros cultivos que utilizem estas águas.

Sob formas larvais ou aderida aos peixes, a Lernaea se espalha rapidamente pelos corpos d´água, além das aves que também agem como disseminadoras transportando peixes infectados de um lugar para outro.

Os prejuízos causados pela infestação de Lernaea nos cultivos de peixes ornamentais são enormes, pois reduzem consideravelmente a receita, em função da baixa qualidade dos peixes produzidos e aumentam os custos coma mão-de-obra e tratamentos químicos.

Quanto maior o tamanho do cultivo, mais complexa torna-se a erradicação deste parasito, visto que, ainda não dispomos de tratamentos que sejam 100% eficazes.

Muito cuidado deve ser tomado pelos produtores para prevenir a contaminação em seus cultivos, valendo-se da quarentena e da observação diária dos alevinos ou adultos adquiridos de outros cultivos.

Entretanto, aqueles que já possuem esse parasita, devem promover estratégias de drenagem total de seus viveiros, visando acabar com os estoques de peixes já infestados. O ideal, é que esse esvaziamento e tratamento dos viveiros, sejam feitos com planejamento de forma a não interromper os cicIos de produção. Os viveiros drenados devem permanecer secos por um período que permita o surgimento de rachaduras no fundo (dependendo do tipo de solo) e, posteriormente, enchidos com água suficiente para cobrir todo o fundo do viveiro. Em seguida, deve ser feita uma desinfecção utilizando-se cerca de 150 a 200 gr de cal virgem por m2.

Esses procedimentos certamente reduzirão o ritmo de produção, mas deverão ser feitos de forma que os viveiros já tratados não tenham possibilidade de serem re-infestados. Produtores vizinhos que também trabalhem com aqüicultura deverão ser contactados e estimulados a também procederem da mesma forma. É preciso que os produtores tenham consciência, de que não devem ser eles os disseminadores de doenças ou de organismos prejudiciais a saúde dos peixes (cultivados ou não).