Lernaea: Workshop propõe medidas de prevenção e tratamento

Os rumos que a piscicultura nacional tomou, voltando-se principalmente para o atendimento da demanda de peixes por parte dos “pesque-pagues”, tem contribuído para a disseminação da Lernaea, parasita freqüentemente encontrado em peixes mantidos em condições de cativeiro.

Embora a presença da Lernaea não incorra em riscos à saúde pública, produz grandes perdas econômicas aos produtores e comerciantes, uma vez que os peixes parasitados apresentam aspecto repugnante para o consumo.

Na tentativa de combatê-la, alguns piscicultores vem se utilizando de químicos organofosforados comprometedores para a saúde de eventuais consumidores e da qualidade ambiental como um todo, uma vez que tais produtos não possuem especificidade para tal fim.

Não é difícil prever que em futuro próximo a piscicultura poderá passar sérias por dificuldades, o que levou o CEPTA a promover o Workshop “Lernaeose: Prevenção e Tratamento”, realizado nos dias 8 e 9 de abril.

Os objetivos foram de padronizar as informações sobre o comportamento do parasita, avaliar sua disseminação e grau de dispersão no Brasil, discutir os métodos viáveis de conter esta dispersão e assim definir formas de combate e erradicação em suas várias fases de desenvolvimento.

A seguir, as conclusões e recomendações dos organizadores do workshop, que contou com a participação de pesquisadores, patologistas, piscicultores e fabricantes de insumos.

A Lernaea sp. (Arthropoda, Crustacea, Copépoda, Lernaeidae), tem causado, já há algumas décadas, perdas significativas dentro da aqüicultura mundial, o que a tem destacado como um dos parasitos mais nocivos para a criação de peixes.

Esta parasitose vem se manifestando em quase toda América Latina. No Brasil, esta enfermidade foi observada primeiramente em regiões do Nordeste e nos últimos 6 anos já se alastrou para o Sudeste e Centro-Oeste, chegando recentemente à região Sul.

A Lernaea sp. é também conhecida como “verme âncora”, e pelo fato de não ter um hospedeiro específico, é encontrada parasitando tanto espécies de peixes de água quente como de água temperada, sobretudo as espécies das famílias Cyprinidae e Ciclidae.

Tendo em vista sua importância como parasita no cultivo de peixes é importante conhecer todos os estágios de seu desenvolvimento.

O parasito apresenta cabeça (órgão de fixação em forma de gancho, que não deve ser usado para diagnóstico específico na identificação da espécie, uma vez que há aproximadamente 40 espécies de Lernaea descritas, e essa diferença baseia-se na estrutura do gancho), corpo contando com 5 pares de patas, cada uma das quais com três segmentos. O sexto par de patas forma pequenos processos com um só segmento. Apresenta um par de sacos de ovos fixos na parte superior do corpo, cada um deles contendo cerca de 200 ovos.

O copépodo tem, em geral, um ciclo de vida complexo, no qual existe uma metamorfose com três etapas de náuplios e cinco etapas de copepoditos. Não há um parasito que perca suas características originais como copépodo mais que a Lernaea adulta.

Os machos se parecem com as fêmeas nas etapas de copepoditos, mas são mais finos e de vida livre. Os náuplios nadam livremente na água, e o desenvolvimento desta etapa demora até cinco dias. O desenvolvimento das cinco etapas de copepoditos tem lugar durante os dez dias seguintes, ao término do qual se forma a etapa de ciclopóide, já capaz de copular.

Ao efetuar-se a cópula, os machos gradativamente desaparecem e as fêmeas férteis (medindo entre 12 a 15 mm, sem contar os sacos ovulígeros) penetram através da pele dos peixes, localizando-se na musculatura e fixando-se de forma permanente.

O ciclo de vida da Lernaea é de 25 dias a uma temperatura de 20 °C; 20 dias à 25 °C; 17 dias à 30 °C e somente 14 dias à 35 °C. Há indícios que temperaturas mais elevadas poderiam impedir ou evitar seu desenvolvimento.

Embora a Lernaea seja um típico copépodo de água doce, nas Filipinas já foi registrada em um peixe de água salobra, Chanos chanos (salinidade ideal 20 – 30‰).

Já se sabe que a temperatura ótima da água para a ovoposição e incubação é de 20 a 25 °C; a taxa de desenvolvimento de náuplios e copépodos depende da temperatura, de 15 – 20°C; o desenvolvimento se completa em 14 – 16 dias; de 26 – 31°C leva somente 7 dias e, que o período de vida da fêmea adulta é de aproximadamente 20 dias a uma temperatura de 25 – 27 °C.

A patogenicidade causada pela Lernaea, principalmente pela Lernaea cyprinacea e todos seus congêneres, prejudicam o peixe hospedeiro devido a sua forma de fixação e alimentação, que dilaceram os tecidos. Os peixes infestados manifestam acentuado retardamento de crescimento e perda de peso. Além de notória anemia, mostram movimentos natatórios desordenados, chocando-se freqüentemente contra as paredes e fundo de tanques e viveiros.

Entre os tecidos que são primeiramente danificados, encontram-se a pele e a musculatura, que se apresentam com edemas e hiperêmicos (com abundância de sangue nas partes atingidas). Aparecem úlceras a nível cutâneo com bordas vermelhas ou acinzentadas, escamas são perdidas ou danificadas e se manifesta uma necrose. O maior problema para o peixe resulta na presença de necroses focais no ponto de fixação, o que favorece a instalação de infestações secundárias por outros parasitos, bactérias e fungos.

O parasito penetra na pele, com seus processos cefálicos, e ao chegar na musculatura esquelética forma-se um “quisto” no ponto de penetração através da reação do tecido conjuntivo. Nadadeiras podem ser danificadas ou destruídas completamente. Ocasionalmente, os ferimentos causados pela implantação do parasito se desenvolve em fístulas, penetrando na cavidade abdominal o que pode causar peritonite e morte.

Por outro lado, a remoção precoce do parasito do local de implantação, freqüentemente é seguida de rápida e completa recuperação da pele, especialmente quando o parasito não penetrou através de toda sua espessura.

Quando fixado na cabeça ou na boca, principalmente em peixes jovens, pode causar torção e deformação dos maxilares. Em peixes juvenis, um único parasito pode causar severos danos, até mesmo a morte, pois ele pode perfurar a parede abdominal e penetrar em órgãos internos como fígado, intestino e cérebro, e em peixes adultos o desenvolvimento gonadal pode ficar retardado.

Já existem evidências de imunidade, as quais foram observadas em alevinos de carpa prateada e de carpa cabeça grande, que se mostraram menos susceptíveis à infestação, depois que os parasitos completaram seu ciclo de vida e se soltaram dos peixes. Existem algumas espécies de peixes, como o curimbatá comum, Prochilodus scrofa que com ajuda da resposta imuno-celular aguda, libertam-se do parasito e em pouco tempo recuperam-se da doença.

Trabalhos realizados na Indonésia sobre a susceptibilidade de várias espécies de peixes à Lernaea sugerem que, a tilápia nilótica é mais resistente à infecções, que outras espécies testadas. Na Malásia, uma observação não relacionada com a anterior, descobriu a mesma característica na tilápia mossâmbica. Sabe-se também que carpas criadas em lagos com tilápias nilóticas, sofreram infestações menos severas que aquelas criadas sozinhas. Existe a possibilidade de predação das etapas de vida livre da Lernaea pela tilápia, mas essa afirmação ainda carece de investigação adicional.

Especialistas chineses observaram que a Lernaea parece ser sensível a mudanças ambientais bruscas.A transferência do peixe infectado do lago para o laboratório freqüentemente causa a morte do parasito.

Medidas profiláticas, para impedir o ingresso da Lernaea na fase de vida livre no sistema de criação, ou sua eliminação antes de infectar o peixe consiste em:
· abastecimento com água não infectada;
· desinfecção dos peixes transferidos para nova localidade e sua quarentena na chegada;
· desinfecção dos lagos a serem abastecidos com novos peixes através de limpeza e tratamento do solo ou por tratamento da própria água; e
· impedir a entrada de possíveis carreadores, tais como sapos e seus estágios larvais e peixes comuns. Controles biológicos ainda não foram desenvolvidos a ponto de poderem ser aplicados como procedimentos de rotina, porém a utilização de certos produtos químicos tem evitado que a infestação se alastre. Dentre esses produtos podem ser citados:

Procedimentos Terapêuticos no Controle da Lernaea sp.
Para todos os tratamentos abaixo é recomendado que seja feito um teste inicial utilizando-se apenas poucos exemplares

FORMALINA – só tem sucesso contra os estágios de vida livre da Lernaea, sendo o tratamento demorado consumindo-se muito tempo. A formalina deve ser usada com muito cuidado, pois geralmente o peixe não a tolera suficientemente bem para permitir aplicação segura. Seu uso mais promissor consiste em mergulhos de curta duração contra os parasitos frouxamente fixados, e a Lernaea adulta não se encontra nesta categoria.

PERMANGANATO DE POTÁSSIO (KMnO4) – é usado no controle da Lernaea em muitas partes do mundo; ele não é eficaz contra os parasitos sexualmente maduros que sofreram metamorfose e que estão completamente enterrados na pele do peixe. Seu uso é limitado por ser ele uma substância instável ou seja, devido ao seu rápido desdobramento é difícil manter a concentração desejada. DIPTEREX (Dilox, Chlorophos, Neguvon, Masoten) – estas marcas registradas se referem a variadas formulações do trichlorphon. O produto devido a sua alta toxicidade e poder residual desconhecido em peixes, não deve ser utilizado em pisciculturas.

ÓXIDO DE CÁLCIO (PROPEIXE) – óxido de cálcio anidro desenvolvido e comercializado por Campical Ltda./ Divisão Agropecuária, de Campinas – SP. O produto de altíssima reatividade por sua ação fungicida, bactericida e parasiticida natural, controla diversos patógenos no meio aquático. Por sua elevada alcalinidade, proporciona floculação e decantação da matéria orgânica em suspensão, melhorando a qualidade da água. Com teor de cálcio superior a 92%, PRNT superior a 170 % micronizado e reatividade imediata, provoca uma brusca elevação do pH da água, o que desestabilizaria a homeostase, causando a morte de microorganismos presentes no ambiente, inclusive aqueles instalados nos peixes. Por não possuir toxidade, permite a pesca e o consumo dos peixes tratados sem riscos à saúde pública, mesmo sem carência. Entretanto, sua aplicação deve obedecer critérios que garantam ao aplicador segurança contra riscos de queimaduras. Deve-se observar o pH da água antes e depois do uso do produto.

SAL COMUM (NaCl) – o sal, substância barata e de fácil obtenção, é recomendado na fase de vida livre do parasito. Aparentemente não é eficaz contra as fêmeas já fixadas. É importante testar a tolerância do peixe à salinidade antes de se proceder ao tratamento.

RAÇÃO SUPLEMENTADA – Comercializada com o nome de VITOSAN, foi desenvolvida na Piscicultura Águas do Vale (Leonhardt & Schwarzbold Ltda.) em Mato Leitão – RS e quando fornecida aos peixes por um determinado período (± 14 dias), elimina as formas parasitas da Lernaea sp., sem efeitos negativos aos peixes ou ao meio ambiente. Requer entretanto, um período de carência de 5 dias para o consumo humano. Além de sua composição básica, é enriquecida com premix vitamínico e mineral, contendo ainda os aditivos “Sinox” e “Amonix” como agentes ativos contra a parasitose. Seu rótulo encontra-se registrado no MARA sob o nº RS – 100800047 e é produzida com exclusividade pela Indústria Santista de Alimentos.

Recomendações

Os participantes concluiram o workshop com as seguintes recomendações aos piscicultores:
· fomentar a criação de Associações ou Cooperativas regional/local que assuma parecer técnico sobre a qualidade e o estado de saúde do peixe comercializado.
· criação de um Selo de Qualidade para estações produtoras de alevinos isentas de Lernaea.
· viabilizar a importação de produtos específicos para o tratamento da Lernaeose, adequando sua aplicação para as condições nacionais.
· desenvolvimento de campanhas regionais para a erradicação do parasita, elaborando-se cartilhas técnicas para expurgo de peixes, tanques/viveiros, equipamentos e transporte.
· conscientização dos aqüicultores quanto a necessária avaliação técnica dos produtos químicos e dosagens aplicadas.
· desenvolvimento de métodos de quarentena, adequado às características regionais.
· padronização da qualidade de água de cultivo desfavorável à propagação ou favorável ao controle do agente patogênico, sem contudo prejudicar a produção.
· desenvolvimento de pesquisas científicas sobre a biologia da espécie.
· desenvolver ações junto aos Conselhos, para que estes atuem junto ao Congresso, buscando revisão da Legislação atual, de modo que profissionais comprovadamente capacitados em Universidades nacionais e do exterior, possam ser credenciados a emitir Certificado Sanitário para organismos aquáticos.