Licenciamento Ambiental da Aquicultura de São Paulo O que já foi feito e o que ainda há por fazer

martinhocolpani
Por: Martinho Colpani 
Piscicultor em Mococa, SP, e Coordenador da Comissão de Legislação da Câmara Setorial do Pescado de São Paulo
e-mail: [email protected]


Estamos vendo o surgimento de leis e decretos estaduais que buscam regulamentar o licenciamento ambiental, tido como o grande gargalo da produção de pescado em todo o Brasil. A participação do setor produtivo na formulação dessas novas leis é fundamental e sem o que não conseguiremos avançar como atividade zootécnica e econômica. Todos sabem que para desenvolver uma atividade econômica na agropecuária, alguns pilares são imprescindíveis, dentre eles a escolha da espécie adequada, acesso a tecnologia, nutrição, melhoramento genético, assistência técnica, vontade política, etc. Aqui poderiam estar enumerados diversos itens que, de forma direta ou indireta, interferem em uma determinada cadeia produtiva, mas atualmente, sem dúvida nenhuma o item que mais influencia no desenvolvimento, sucesso ou insucesso de uma produção é o licenciamento ambiental.

É indiscutível a necessidade de controlar e ordenar qualquer atividade e o licenciamento ambiental é hoje um forte instrumento utilizado pelo governo para exercer o ordenamento da aquicultura. Mas, é preciso que as exigências ambientais impostas sejam ajustadas à realidade dessa atividade, caso contrário concorrerão para impedir o seu desenvolvimento ou mesmo levarão a atividade a um processo da informalização, o que, do ponto de vista socioambiental, é muito mais danoso.

Quem lida com a aquicultura sabe que a principal matéria prima para a produção de pescado não é a ração, que chega a representar até 70% do custo, e sim a água. Sendo assim, o aquicultor é quem tem o maior interesse e compromisso com a qualidade do meio ambiente, uma vez que seu negócio depende dele e todo seu patrimônio está debaixo d’água. Um exemplo da nossa intimidade com o meio ambiente, é que qualquer alteração na qualidade da água quem paga é a vida aquática.

Nos últimos tempos a aquicultura vem sofrendo para encontrar uma legislação única que de forma clara e objetiva crie segurança jurídica ao empreendedor, possibilite novos investimentos e resolva, de fato, todos os itens que dificultam ou impossibilitam a regulamentação dos empreendimentos já existentes.

A atividade nos últimos anos contou com diversos órgãos governamentais que se envolveram com a sua regulamentação e, recentemente, os estados passaram a ser os responsáveis pela emissão das licenças ambientais da aquicultura. No caso do Estado de São Paulo esta incumbência passou a ser da CETESB (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), ligada à Secretaria do Meio Ambiente do governo paulista, um órgão extremamente bem instituído, com todo um processo organizado de monitoramento das indústrias. Diante disso, a questão passou a ser como a aquicultura seria tratada, uma vez que não somos uma atividade industrial e sim agropecuária que, portanto, sofre com as intempéries da natureza. Além disso, a nossa capacidade de impacto ambiental é muito menor que os impactos causados pela indústria.

O governo do Estado de São Paulo, procurando dar agilidade ao processo de licenciamento ambiental, deu um passo importante ao editar o Via Rápida da Aquicultura, um programa que propõe a facilitação do processo de licenciamento ambiental dos projetos aquícolas, com base legal, principalmente, no Decreto nº 58.544, de 13 de novembro de 2012. Para se ter uma ideia da sua importância, a aquicultura está sendo a primeira atividade agropecuária a possuir dentro do Estado de São Paulo um regramento específico para o licenciamento ambiental. Atualmente as outras atividades agropecuárias passam somente por um cadastramento e os procedimentos para a obtenção de licenciamento ainda estão sendo discutidos, contudo, o desenvolvimento dessas atividades não está sendo afetado pela burocracia por que passam os processos de licenciamento ambiental.

No Decreto de 2012, o governo estadual chegou a dispensar do licenciamento ambiental as pisciculturas com até 5 hectares de tanque escavado, com lançamento de efluentes, que utilizassem espécies onívoras, mas fora da APP. Esse Decreto, porém, como não contemplava barramento, colocava quase a totalidade dos produtores fora do benefício concedido. Além disso, se a área de produção passava de 5 hectares, o valor cobrado era de 350 UFESP (R$ 7.000,00), que deviam ser pagos por cada um dos três procedimentos do processo de licenciamento, um valor insuportavelmente caro e sem paralelo em atividades agropecuárias.

Por conta dos problemas citados acima, e além da impossibilidade de atender as outras exigências das resoluções resultantes do Decreto de 2012, a Câmara Setorial do Pescado de São Paulo formou duas comissões nas gestões do ex-presidente Manoel Brás, que teve continuidade na gestão do atual presidente Emerson Esteves. Uma das comissões foi criada para levantar propostas de um novo decreto – Comissão de Legislação, e outra para tratar das espécies exóticas.

Na Comissão de Legislação realizamos um levantamento em que foram considerados alguns pontos preponderantes na regularização ambiental e ordenamento do setor, que necessitavam ser alterados ou incluídos em um novo decreto. Alguns pontos já foram resolvidos no Decreto nº 60.582, de 27 de junho de 2014, recentemente editado pelo governo do estado. Dentre eles:

? A necessidade de regulamentar o uso de híbridos, já presentes no Estado há pelo menos 30 anos, mas que não possuíam um regramento.

? Em relação ao licenciamento do tanque-rede, o Estado liberou o uso de 1% das águas para cultivo, que pelo volume das represas do Estado, proporcionará em um primeiro momento, uma produção significativa. O novo Decreto condicionou uma responsabilidade ao setor que poderá contribuir com até 5µg L-1 de fósforo. Nas nossas discussões salientamos que a aquicultura não poderá pagar pelo fósforo lançado por outras atividades. Sendo assim, concordamos neste momento com a nossa parcela de responsabilidade.

? A criação dos parques aquícolas estaduais.

? O reconhecimento da piscicultura como atividade de interesse social e econômico.

Dentre os pontos sugeridos que ainda não foram contemplados no último Decreto estão:
? A regulamentação do uso da APP, onde já prevê o novo Código Florestal como responsabilidade do estado. Caso isso não ocorra, o crescimento do setor será prejudicado e continuaremos conduzindo para a informalidade boa parte dos produtores.

? No que se refere a análise de água, a Comissão solicitou reiteradamente que para este item fosse instituída uma carência de pelo menos 8 anos. Nesse prazo deverá ser estabelecida, junto aos órgãos ambientais, uma metodologia acessível e condizente a realidade do produtor.

? Os valores cobrados ainda estão longe da realidade do produtor rural. Salientamos que atividades rurais precisam ser vistas de uma forma totalmente diferente da indústria.

O poder de organização dos aquicultores no Estado de São Paulo foi e está sendo fundamental para que se avance nas negociações. Ao colocarmos todas as divergências de opiniões no mesmo rumo possibilitamos que as nossas demandas fossem levadas de forma objetiva para o governo. Vamos continuar trabalhando e esperamos que o governo de São Paulo continue a nos atender em nossas reivindicações. Há outros itens que precisamos alterar com a edição de mais um novo decreto, e já estamos trabalhando para isso.

Organização e apoio político são fundamentais para mudarmos esta dramática situação de importadores de pescado. Em 2013, mais de um bilhão e quatrocentos milhões de dólares foram gastos na importação de pescado. O que faz com que um país que possui todas as qualidades para produzir pescado importe uma cifra gigantesca como essa? Não vejo problema em importar determinadas espécies como, por exemplo, o salmão, que não temos condições de produzir, tanto pelo clima que temos, como pela competitividade dos chilenos e noruegueses. Mas deixarmos de usar nossas potencialidades natas é no mínimo um desprezo.