A carcinicultura marinha em Santa Catarina acaba de ser favorecida com a doação da Fazenda Yakult para a Universidade Federal de Santa Catarina, que já em sua primeira despesca comemorou a produção de 24 toneladas de Penaeus vannamei.
Na presença de diversas autoridades, foi oficialmente inaugurada no dia 11 de abril a Fazenda Yakult/UFSC, localizada no Município Balneário da Barra do Sul, a 120 km ao norte de Florianópolis – SC. A Yakult, cuja marca já é bastante conhecida no mercado por conta de um produto lácteo do mesmo nome, iniciou-se desde 1988, na criação de camarões marinhos. O objetivo da empresa era produzir camarões de tamanho grande para colocá-los vivos no mercado paulista, para onde seriam transportados com técnicas especiais. Para isso, a Yakult montou um laboratório onde eram produzidas pós-larvas de Penaeus paulensis, a espécie nativa do litoral catarinense, para povoar seus 17 viveiros que somavam 23 hectares (foto). Sua experiência, contudo, não foi bem sucedida devido a imperfeições no projeto que, associadas às limitações do próprio P. paulensis, resultaram num acúmulo de problemas que levaram a empresa a encerrar as atividades da fazenda em 1996, colocando-a a venda. Não surgiram, porém, compradores já que a propriedade não tinha perspectiva de uso, caso continuasse trabalhando com a mesma infraestrutura e com a mesma espécie.
Reformas
No final de 1998, a Universidade Federal de Santa Catarina foi informada, pelo professor Montonaga Iway da USP, de que a Yakult estaria disposta a doar a fazenda, e não mais vende-la, caso esta doação fosse feita para uma universidade, fazendo apenas duas únicas exigências: que mantivessem o nome Yakult e que a propriedade não fosse negociada por um prazo de 20 anos. Em fevereiro de 1999 a fazenda já pertencia a UFSC, num rápido processo de doação liderado pelo professor Edemar Andreatta, Chefe do LCM – Laboratório de Camarões Marinhos da universidade catarinense, cuja equipe empenhou-se em fazer uma avaliação criteriosa das instalações, para que pudessem saber da sua real possibilidade de reabilitação.
Os relatórios realizados pelos técnicos apontavam para sérios problemas de abastecimento e drenagem dos viveiros que, apesar de medirem 1.1 hectares, eram drenados por um único tubo de PVC de 100 mm de diâmetro. Este problema impediu por anos que a fazenda esvaziasse seus viveiros adequadamente entre as despescas, dificultando em muito o povoamento para uma segunda safra anual.
A recuperação da Fazenda Yakult foi considerada viável e ficou sob a responsabilidade dos técnicos do LCM, que assumiram junto à administração da UFSC o compromisso de torná-la financeiramente auto-suficiente, uma vez que a universidade estava impossibilitada de investir recursos do seu orçamento. Numa primeira fase do projeto de recuperação da fazenda, a UFSC, em parceria com os técnicos da EPAGRI, que na época preparavam o Plano Estadual para o Desenvolvimento do Cultivo de Camarões, definiu o direcionamento que a fazenda passaria a ter. Hoje, a fazenda experimental já cumpre a missão de apoiar o desenvolvimento do cultivo de camarões marinhos em Santa Catarina, priorizando a socialização dos cultivos e a sustentabilidade ambiental.
A virada
Em outubro de 1999 a reforma da fazenda já estava pronta, com duas bombas novas captando água para os viveiros que, além de terem tido seus pisos reformados, ganharam comportas para rápidas drenagens, permitindo que as despescas passassem a ser realizadas através de redes de saco (bag-nets). Segundo Elpídio Beltrami, do LCM/UFSC, a captação de recursos para essas obras contou com a decisiva participação da Fundação …….e do BMLP – Brazilian Mariculture Linkage Program, um programa de apoio ao desenvolvimento da maricultura no Brasil, patrocinado pelo CIDA – Canadiam Internatinal Development Agency.
Grande parte desses recursos veio através de empréstimos, que já foram totalmente pagos com a venda das 24 toneladas de camarões despescadas logo no primeiro ciclo da fazenda, já sob a responsabilidade da UFSC. A venda dos camarões cobriu todos os custos de produção e todo o investimento feito na fazenda, que conta hoje com seis funcionários.
Para que o empreendimento lograsse sucesso, foi também decisiva a participação de empresas interessadas no desenvolvimento da atividade. Entre elas estava a Agribands Purina, que ofereceu além da alimentação para os camarões durante o primeiro ciclo, um crédito que permitiu o pagamento das rações somente após a despesca. Da mesma forma, os técnicos do LCM/UFSC receberam o apoio da Trevisan Equipamentos Agroindustriais Ltda. que doou 12 aeradores para serem somados aos outros 16 já existentes na fazenda e que foram também reformados e recuperados.
Para alcançar a meta de ser também um centro irradiador de tecnologia, as instalações da sede da fazenda foram adaptadas e agora possuem três alojamentos capazes de acolher 10 visitantes, que podem ser alunos, estagiários, extensionistas ou produtores. A antiga garagem foi transformada em sala de aula e uma sala foi adaptada para o funcionamento de um laboratório. No novo local já foram treinados técnicos da EPAGRI, além de alunos da graduação e pós-graduação e, já no primeiro ciclo (outubro/1999 a fevereiro/março 2000) foram realizados dois trabalhos que geraram teses de mestrado relacionadas à densidade de povoamento e manejo de alimentação.
Mais do que uma inauguração, a solenidade do dia 11 de abril representou para os envolvidos, uma comemoração pelo sucesso da estratégia da universidade para transformar o que era uma fazenda desativada em outra plenamente auto-sustentável, em apenas um ciclo de engorda. Foi também a celebração das qualidades zootécnicas do Penaeus vannamei que, desta forma, também viabiliza carcinicultura nos estados das Regiões Sudeste e Sul do Brasil.
A carcinicultura em Santa Catarina
O trabalho realizado pelo Laboratório de Camarões Marinhos vem há anos estimulando a implantação da atividade no estado, que hoje conta com 170 hectares de viveiros implantados e assiste a construção de 370 hectares que estarão sendo povoados ainda este ano.
No passado, os produtores catarinenses contavam apenas com duas espécies nativas, P. paulensis e P. schmitti, que não mostraram um desempenho satisfatório para dar suporte ao cultivo comercial no estado. A rusticidade desses animais nem de longe pode ser comparada a do P. vannamei, introduzido comercialmente em Santa Catarina pela Fazenda Borges, em 1997. O trabalho com as espécies nativas nos últimos anos, no entanto, foi decisivo para a formação dos técnicos catarinenses e é ainda estimulado pela UFSC para dar suporte aos programas de repovoamento de ambientes naturais.
Segundo os técnicos, foram muitos os ganhos decorrentes da introdução do P. vannamei na carcinicultura catarinense, que ainda não tem condições de suprir a demanda anual de 100 milhões de pós-larvas, sendo necessária ainda a importação dos laboratórios da Região Nordeste. Existem, entretanto, estratégias que serão postas em prática esse ano pelos técnicos da UFSC, que estarão a partir de maio aclimatando reprodutores para tentar suprir grande parte da demanda que se espera para o próximo semestre.
Os viveiros da carcinicultura catarinense se caracterizam por serem pequenos, variando de 1 a 3 hectares, embora hajam viveiros maiores. Os resultados obtidos no primeiro ciclo da Fazenda Yakult (quadro) podem mostrar bem o perfil da atividade no estado. O manejo utilizado na Yakult/UFSC é o que está sendo preconizado para os demais produtores catarinenses.
Bandejas
O sistema de alimentação na fazenda é feito através do uso de bandejas que, segundo Walter Seinfert da equipe do Laboratório de Camarões Marinhos da UFSC, têm permitido que, ao término dos cultivos, os pisos dos viveiros permaneçam limpos e os efluentes com baixas taxas de nutrientes. No primeiro ciclo da Yakult/UFSC foram utilizadas 30 bandejas de alimentação para cada hectare de viveiros. Nos primeiros 15 dias utilizaram, ao lanço, 1,5 kg de ração para cada 100 mil pós-larvas. Depois disso, deu-se o início do uso das bandejas, com taxa inicial diária de 8% da biomassa dos camarões, em ração. As bandejas exercem um papel fundamental na estratégia de implantação da carcinicultura no estado, inclusive, sendo obrigatória para a obtenção da Licença Ambiental, que também está condicionada ao uso de rações específicas para camarões e a um limite de densidade de povoamento de 25 a 30 camarões por m2. Além de contribuírem para reduzir o impacto dos efluentes, os técnicos afirmam que é praticamente impossível trabalhar sem as bandejas, já que a alimentação nos viveiros catarinenses pode variar bruscamente de um dia para o outro. Em algumas épocas do ano, podem ocorrer mudanças de temperatura repentinas, onde o poder de decisão sobre o regime de alimentação precisa ser rápido, devendo ser feita pelo tratador no ato de alimentar os animais. Num regime de três alimentações diárias, utilizado nos cultivos com densidade superiores a 15 camarões por m2, para tratar dos 23 hectares da fazenda experimental Yakult/UFSC, são necessários dois homens pela manhã e dois homens à tarde, onde cada homem alimenta 10 hectares em quatro horas de trabalho. A média de sobrevivência está acima de 75% em todo o processo e, nos viveiros a sobrevivência media foi de 85%.
Rusticidade
O P. vannamei suportou sempre muito bem os invernos de Santa Catarina onde as temperaturas habitualmente variam de 16 a 18ºC, chegando a ocorrer esporadicamente quedas de temperatura que podem baixar de 12 a 13ºC. Nestas condições, as sobrevivências dos camarões ficaram ao redor de 80%. Os técnicos do LCM realizaram estudos para testar a resistência dos P. vannamei à baixa temperatura e, com as PL’s 20 ficou demonstrado que para matar 50% da população é necessário que a temperatura caia para 8,7ºC. O mesmo estudo ainda não foi realizado com camarões adultos, porém no ano passado, foram registrados 12ºC nos viveiros do município de Laguna, sem que fosse registrada qualquer mortalidade. Segundo Elpídeo Beltrami, o P. vannamei supera o P. paulensis, tanto em resistência a baixas temperaturas quanto em exposição a baixos teores de oxigênio dissolvido. O P. paulensis tem um relacionamento mais estreito com o solo – ele se enterra. Quando cai o oxigênio dissolvido ele sofre muito porque seu hábito é de fundo. Já o P. vannamei tranqüilamente procura as camadas superficiais. As sobrevivências do P. paulensis sempre foram muito baixas. Nos viveiros do município de Laguna foram esporadicamente obtidos ciclos muito bons com despescas de 800 kg/há e densidade de 12/m2. Mas era raro.
Futuro
Com os resultados que vem sendo obtidos ultimamente, aumentou bastante o interesse pela atividade que, no entanto tem sido um “pouco freada”, até que a disponibilidade de pós-larvas no estado esteja resolvida. Os técnicos acham até que o laboratório com oito tanques de 30 toneladas da Fazenda Yakult/UFSC, hoje desativado, venha a ser arrendado para algum grupo que tenha interesse em produzir pós-larvas. O atrativo é a grande demanda que poderá gerar preços diferenciados. Segundo Beltrame, no Nordeste o preço é de R$ 6,00/1000 pós-larvas e no Sul tem sido praticado o preço de R$ 7,50 podendo chegar a até R$ 10,00 a partir do próximo ano, já a produção será concentrada em dois períodos anuais.
Estima-se que em Santa Catarina existam 10.000 hectares com condições favoráveis para a criação de camarões marinhos. Segundo o oceanógrafo Sergio Winkler da EPAGRI, com os conhecimentos que se tem hoje em dia a EPAGRI tem condições de facilmente avaliar os custos para a implantação de uma fazenda no Estado bastando o interessado escolher a área. Caso deseje, o produtor catarinense dispõe hoje de diversas fontes para ajuda-lo no custeio e até na implantação de um novo projeto. Existe o FDR – Fundo de Desenvolvimento Rural da Secretaria de Agricultura que financiou o custeio da safra passada com juros de 6% ao ano. Trata-se de um programa destinado a pequenos produtores com no máximo 10 ha de viveiros, encaixando-se bem ao perfil dos produtores do município de Laguna que possuem geralmente de 5 a 10 ha de área alagada. Outra linha é a do BRDE, que financia 60% do investimento com juros, TJLP mais 6%. As taxas são altas mas, segundo os técnicos, o rendimento da atividade hoje está permitindo que o produtor pague. O BRDE ainda hoje tem restrições para que financiamento da atividade devido as experiências negativas do passado. Além dessas há também o banco estadual com o recursos normais para p crédito agrícola.
O governo estadual está disposto a partir para empreendimentos coletivos como no México. Financiando a compra da terra, o investimento e o custeio inicial. O problema no momento está na dificuldade de encontrar as terras para este empreendimento. Estará projeto está ligado ao Banco da Terra, um programa nacional para empreendimentos sociais. Estes planos ainda estão no início e é preciso que sejam mais trabalhadas as questões de regulamentação junto aos órgãos ambientais e o Ministério da Agricultura. É preciso encontrar formas de financiamento que sejam mais baratas para os produtores. Um estudo realizado por técnicos da EPAGRI avaliou todos os custos de uma propriedade com 2 ciclos de cultivo, com todos os gastos, inclusive amortização de juros e investimentos. O custo de produção do quilo do camarão em Santa Catarina ficou em R$ 3,00. Na região de Laguna o pessoal tem vendido o quilo entre R$ 8,00 e 8,50, o que demonstra uma margem de lucro muito elevada.