Macroalgas Marinhas de Valor Comercial:

Técnicas de Cultivo

Por: Eurico Cabral de Oliveira ex- diretor do CEBIMar/USP e do Instituto de Biociências / USP, em São Paulo-SP. Assessor da FAO para projetos de cultivo e aproveitamento de algas marinhas.e-mail: [email protected]


Em artigo recente na Panorama da AQÜICULTURA (edição 41), tratamos da importância das algas marinhas como fonte de alimentos e produtos essenciais à vida do homem moderno, dando ênfase à situação brasileira. Nele abordamos alguns aspectos da importância econômica das macroalgas e suas múltiplas aplicações, além de fornecer dados comparativos entre a situação do Chile, para tomar um país vizinho como exemplo, e a do Brasil no que diz respeito à comercialização de macroalgas – em resumo o Brasil importa cerca de 13 milhões de dólares, enquanto que o Chile exporta 78 milhões de dólares por ano de algas e derivados.

Neste artigo, na Tabela 1, indicamos valores aproximados do mercado mundial de algas reforçando o que já havíamos dito sobre o valor econômico destas “plantas” marinhas e descrevemos as principais técnicas de cultivo em larga escala. É interessante notar que as atividades envolvidas na produção e comercialização da espécie de alga mais popular como alimento, conhecida internacionalmente com o nome japonês de nori, atinge a expressiva cifra de quase dois bilhões de dólares por ano. Este fato torna-se ainda mais digno de nota quando se verifica que todo este montante se refere praticamente a uma única espécie de alga (Porphyra yezoensis) e que 99% desta produção é obtida através de maricultura.

Cultivo versus manejo: quando cultivar ?

Esta pergunta deve ser precedida de uma outra: quando investir na produção de uma determinada espécie de alga? Neste caso a resposta é óbvia e vale não só para algas, mas para qualquer recurso vivo: quando houver mercado e a tecnologia de produção for economicamente compensadora para o produtor. No entanto, é bom lembrarmos que para produzir um recurso renovável nem sempre é necessário empreender um cultivo. No caso de muitas algas é quase sempre mais econômico manejar o recurso a ser explotado em lugar de cultivá-lo. Esta opção, é claro, só pode ser feita quando o recurso a ser produzido ocorre em local facilmente acessível e com uma biomassa suficiente para suportar uma explotação comercial lucrativa e duradoura. A literatura ilustra muitos casos em que a falta de um plano de manejo levou à interrupção de uma atividade comercial lucrativa devido à quase extinção do recurso por técnicas predatórias de colheita. Por outro lado, exemplos bem sucedidos de manejo de bancos de algas podem ser vistos na produção de Macrocystis, alga utilizada na produção de alginatos, nas costas da Califórnia; de Chondrus, para produção de carragenanas, no Atlântico canadense e de Gelidium, para produção de ágar-ágar, na Espanha, por exemplo os quais vêm sendo explotados há várias décadas sem quedas significativas de produção.

Ao Redor do Mundo

O cultivo de algas marinhas é uma tradição centenária nos países orientais, onde se destacam a China, Japão, Coréia e, mais recentemente as Filipinas. Nos últimos anos, por iniciativa de indústrias processadoras de algas, a maricultura dessas plantas estendeu-se a outros países, como Indonésia e Tanzânia. Na América Latina, cultivos comerciais em pequena escala são realizados em Santa Lucia (Caribe) e, em larga escala, apenas no Chile, embora cultivos em escala piloto estejam sendo desenvolvidos em Cuba, na Venezuela e no Brasil.

A Tabela 2 mostra algumas das espécies mais cultivadas, os usos principais que delas se faz e os países que as cultivam.

Tecnologias Básicas de Cultivo

O cultivo de algas marinhas com objetivos econômicos tem sido realizado com sucesso para várias espécies, segundo metodologias diferentes que podem ser agrupadas em três tipos básicos: A. em tanques acima do solo, B. em tanques escavados no solo, ou C. diretamente no mar (Figura 1).

A. Cultivo em tanques elevados

Estes tanques podem ser construídos em concreto, fibro-cimento, fibra de vidro, materiais plásticos diversos ou madeira tratada, com dimensões que variam de algumas centenas a vários milhares de litros. Esta forma de cultivo tem como característica permitir um bom controle dos parâmetros ambientais, tais como salinidade, temperatura, luz, nutrientes, pH e controle de pragas, propiciando uma alta produtividade por metro quadrado de espelho d’água. Neste tipo de tanque só se obtém bons resultados se houver uma boa circulação das algas para que todas as mudas (fragmentos de talo) passem pela superfície para captarem luz, e para que haja uma melhor disponibilização dos nutrientes; para que as algas circulem é melhor utilizar borbulhamento por ar comprimido liberado de modo estratégico, segundo a forma do tanque (Figura 2), do que através de pás ou outras formas mecânicas de circulação, pois o ar ajuda a corrigir o pH, que tende a se elevar nos períodos de maior intensidade luminosa. Esta técnica de cultivo foi utilizada comercialmente no Canadá, mas só é viável para algas de alto valor comercial devido ao elevado investimento que é necessário para sua operação.

B. Cultivo em tanques escavados no solo

Este método consiste em usar tanques tradicionais, comuns em salinas, ou utilizados no cultivo de peixes e camarões, e portanto de dimensões muito mais amplas que as do tipo anterior. Com esta estratégia de cultivo o aqüicultor tem um controle muito menor sobre as condições hidrológicas e bióticas dos tanques, embora ainda possa manipular alguns fatores como salinidade, transparência da água, concentração de nutrientes e mesmo exercer algum controle de temperatura, variando a profundidade. A produtividade é menor, mas os custos de operação são muito mais baixos. Este tipo de tanques presta-se bem para atividades de policultivo, permitindo a associação vantajosa de algas, moluscos, crustáceos e peixes, desde que as espécies selecionadas sejam compatíveis. Cultivos de algas neste tipo de tanques, seja isoladamente, ou consorciadas com outros organismos têm sido desenvolvidas com sucesso na China. A associação de cultivos de algas em sistemas discretos, mas intercomunicáveis, tem sido recomendada para eliminar o excesso de nutrientes resultantes da excreção de animais aquáticos e da sobra de alimentos, pois as macroalgas são capazes de remover rápida e eficientemente, grandes quantidades de compostos nitrogenados e fosforados.

 

Figura 1: Esquema comparativo das tres formas básicas utilizadas no cultivo de macroalgas marinhas: A - tanques pequenos e elevados; B - picinas ou tanques escavados no solo; C - cultivo no mar.
Figura 1: Esquema comparativo das tres formas básicas utilizadas no cultivo de macroalgas marinhas: A – tanques pequenos e elevados; B – picinas ou tanques escavados no solo; C – cultivo no mar.

 

C. Cultivos no mar

As técnicas de cultivo diretamente no ambiente marinho são fundamentalmente distintas dos cultivos em tanques. Nestas o aqüicultor praticamente não tem controle sobre os parâmetros ambientais e nem sobre interações bióticas negativas como predação e epifitismo; conseqüentemente a escolha do local de cultivo torna-se um processo crítico e depende da espécie escolhida. Uma outra diferença marcante é que nos tanques as algas ficam livres e se movem em uma massa de água estacionária, enquanto que no mar é a água que se move enquanto que as algas têm que ser presas em algum substrato, ou se dispersarão. Algumas espécies de algas podem ser cultivadas como plantas terrestres, sendo parcialmente enterradas (plantadas) no sedimento marinho, areno-lodoso, ou presas com um lastro que pode ser formado por uma manga de plástico cheia de areia (Figura 3). Mas, a maioria das espécies não tolera soterramento e exige outras técnicas de plantio. Destas, a mais comum é prender as mudas em uma corda multi ou monofilamento, colocada sobre o substrato marinho e presa pelas extremidades a uma âncora ou estaca; alternativamente a corda pode ser suspensa a uma profundidade que varia com a espécie e as características do local de cultivo, o que pode ser feito com o auxílio de flutuadores e âncoras (Figuras 4 e 5). Em alguns casos, talos de algas são atados com tiras de elástico a pedras ou pedaços mortos de corais e distribuídos sobre o fundo marinho, como se utiliza em alguns locais da China.

 

Figura 2: Tipos básicos de tanques, mostrando em secção vertical a posição correta dos tubos de aeração. As setas indicam o movimento das correntes resultantes da aeração e o movimentos dos talos de algas.
Figura 2: Tipos básicos de tanques, mostrando em secção vertical a posição correta dos tubos de aeração. As setas indicam o movimento das correntes resultantes da aeração e o movimentos dos talos de algas.

As técnicas que descrevemos até aqui são utilizadas para propagação vegetativa, isto é, a partir de mudas, as quais são colocadas no mar para crescer. Em algumas espécies de valor comercial, e em especial em algas utilizadas para alimentação, como é o caso das espécies de Porphyra (nome comercial “nori”), Laminaria (“kombu”) e Undaria (“wakame”) a propagação por mudas não funciona e o cultivo é feito através de esporos, os quais são semeados sobre o substrato escolhido, em laboratório, e posteriormente levados ao mar para crescimento. Recentemente esta técnica foi também adaptada para o cultivo de Gracilaria, gênero de onde se extrai a maior parte do ágar-ágar produzido no mundo. Nos casos em que tanto a propagação por mudas como por esporos são factíveis, a escolha da técnica depende do preço da mão de obra local e da existência de facilidades para liberação e fixação de esporos.

Fatores de grande importância no crescimento das algas, alem da luz, nutrientes e grau de movimentação da água, são a temperatura e a salinidade. As condições ideais de crescimento da maioria das espécies brasileiras está entre 22-28oC e salinidade entre 28-36 partes por mil, embora algumas espécies apresentem valores diferentes, tolerando variações mais amplas. Dentre os problemas que enfrenta o maricultor de algas além de tempestades que podem arrancar mudas e artefatos de cultivo estão herbívoros que se alimentam de algas, tais comoalgumas espécies de peixes, ouriços e moluscos, e a competição por espécies invasoras, e epífitas. O parasitismo por outras espécies de algas pode diminuir a produtividade, mas em geral não inviabiliza a produção. Vemos, desta forma, que uma vez escolhida a espécie e a técnica de cultivo a seleção do local é fundamental e dela depende o sucesso, ou não, do empreendimento. Um aspecto que deve ser considerado na escolha do local é a existência de poluentes – as algas podem ser cultivadas em locais poluídos por esgotos domésticos, mas não onde existe poluição por metais pesados pois estes tendem a se acumular nas algas.

 

Figura 4: Técnica de cultivo utilizando-se estacas de madeira e fios monolinha.
Figura 4: Técnica de cultivo utilizando-se estacas de madeira e fios monolinha.

Em um cotejamento das técnicas de cultivo aqui descritas, nossa experiência, aliada a dados da literatura, tem mostrado que o cultivo em tanques elevados sobre o solo só deve ser usado como um suporte a outras formas de cultivo, especialmente para se propagar clones mais produtivos e fornecer mudas ou esporos para cultivos em tanques escavados no solo, ou cultivo no mar, uma vez que demanda investimentos muito elevados. De uma certa forma, o mesmo se aplica ao cultivo em tanques escavados no solo que nos parecem mais aconselháveis para policultivo e não para cultivo exclusivo de algas, a não ser que estas sejam utilizadas como um subproduto do tratamento de águas servidas em tanques de cultivo de peixes e camarões.

Figura 5: Técnicas de cultivo flutuantes com utilização de bambus (A) ou bóias (B e C). Em B as algas são mantidas abaixo da superfície e em C na superfície da água.
Figura 5: Técnicas de cultivo flutuantes com utilização de bambus (A) ou bóias (B e C). Em B as algas são mantidas abaixo da superfície e em C na superfície da água.

Figura 5: Técnicas de cultivo flutuantes com utilização de bambus (A) ou bóias (B e C). Em B as algas são mantidas abaixo da superfície e em C na superfície da água.