Por: Luiz Antônio Gomes
Existem vários aspectos à serem considerados quando se trata de água em aqüicultura, entretanto um dos que não recebe a devida atenção é o desenvolvimento e a manutenção de um equilíbrio aquático ou (micro)ecossitema.
É preciso ressaltar a enorme diferença entre os organismos aquáticos e as espécies criadas em terra. No mundo aquático, existe uma multitude de fenômenos biológicos, químicos, físicos e ambientais se interrelacionando constante, dinâmica e intimamente com os processos fisiológicos dos animais cultivados. Isto quer dizer que os peixes e camarões que criamos são ao mesmo tempo eles próprios indivíduos independentes, e até certo ponto, o próprio meio em que vivem como um todo. Eles mudam, ou são afetados, em razão das oscilações do meio em que estão confinados. Tente imaginar-se como um peixe, que é pecilotérmico, sofrendo variações nas suas funções metabólicas conforme as alterações de temperatura do meio! A dificuldade de sentirmos, realmente o que esta diferença significa advem do fato de não vivermos este tipo de experiência em terra. No entanto, este continuam entre organismos e meio é de fundamental relevância para a aqüicultura.
Outro fator a ser visualizado com maior sutileza é que a água não é simplesmente água, i.e., um meio quantificado por parâmetros físico-químicos pré-concebidos (salinidade, pH, amônia, etc.). É um líquido bastante complexo, muito além de um punhado de medições pré-estabelecidas. Quando é colocada em tanque ou viveiro, seus inúmeros e interelacionados componentes (microorganismos inclusive) começam a se modificar e a desenvolver uma certa condição intrínseca e individual distinta da original. De forma que qualquer água nova a ser trocada ou bombeada estará num balanço distinto da primeira, e dependendo da forma como é feita a troca pode afetar o status préviamente adquirido. E como os animais cultivados são parte integrante do meio, esta variação pode afetar de alguma maneira o equilíbrio interno dos mesmos. Este princípio é um dos alicerces da aqüicultura praticada em Taiwan, e um dos que é menos divulgado a nível internacional.
Com base em uma experiência de mais de 300 anos, grandes volumes ou massivas trocas de água (ou de qualquer outro fator sob o controle do aqüicultor) são raras em Taiwan. As trocas são sempre graduais e manejadas para que o volume trocado não cause disturbio no equilíbrio constituído. Para os Taiwaneses, não é só uma questão de trocar a água para melhorar a qualidade da mesma, pois esta pode até trazer problemas se efetuada de maneira aleatória. Inclusive, a entrada de água costuma ser distribuída em pequenas porções por vários pontos do viveiro, para que a variação seja mais lenta e homogênea. Quem teve a oportunidade de adquirir algum conhecimento sobre os métodos de aqüicultura da pequena ilha Chinesa, percebeu que se troca menos água lá do que nos métodos ocidentais, apesar das técnicas mais intensivas daqueles. Na larvicultura de camarão marinho por exemplo, a água em geral só começa a ser trocada após a metamorfose para pós-larva, já que foi criado um ecossistema entre água, larvas e microorganismos que, segundo os Taiwaneses, não deve ser desestruturado. Eles sempre mantém um bom sistema de aeração, tanto para tanques como para viveiros, para se estabelecer um ambiente homogêneo e aeróbico.
Para eles o importante em aqüicultura é desenvolver um ecossistema balanceado e mantê-lo em equilíbrio através de freqüente observação e manipulação. Existe uma frase bem conhecida dos aqüicultores locais que diz que “criar peixe é criar a água”. Segundo eles, o segredo para o sucesso é saber segurar o sistema estabelecido em equilíbrio. E isto não é conseguido com bruscas mudanças de água ou de outros fatores integrantes do meio.
Eu presenciei em Taiwan, larvas e adultos de várias espécies crescendo bem e saudáveis em condições de água que para nossos padrões seriam completamente inadequadas, i.e., altos níveis de amônia, intensa turbidez, forte coloração e aparência eutroficada. A razão é que as características do meio foram se desenvolvendo com os animais e por isto estes estavam adaptados. Eu tive um grande amigo em Taiwan que costumava trocar a água baseado no comportamento de suas larvas. E afirmava “Enquanto elas estiverem ativas e comendo bem, eu não preciso trocar a água”. Segundo os especialistas Chineses, é mais importante manter a estabilidade do que se preocupar demasiadamente com parâmetros de qualidade.
Eu visitei diversas fazendas no Brasil em que a água do viveiro é trocada alheiamente ao estado que estava sendo desenvolvido no mesmo, não se preocupando com a manutenção da estabilidade. Em Taiwan, as flutuações do meio são consideradas como uma das maiores causas de doenças. A experiência local mostra que, de um modo geral, a água deve ser trocada de forma a evitar ou a diluir um estágio que iria se tornar extremo e entrar em colapso, mas ao mesmo tempo, numa quantidade apenas suficiente para criar e manter um sistema homogêneo dinamicamente estável. Para conseguir isto não podemos nos prender a programas pré-estabelecidos de manejo. Tanto em termos físico-químicos como microbiológicos (bactérias, algas, zooplancton, etc.). As decisões quanto a troca de água devem ser baseadas nas características observadas no momento. Sendo que estas são dependentes da espécie cultivada e de uma série de fatores que estão a influenciar o viveiro como, taxa de alimentação, densidade populacional e planctônica, cor da água, pH, regime de chuvas, etc. É útil realçar que até mesmo viveiros adjacentes sob influências e tratamentos semelhantes costumam desenvolver características diferentes. Logo, uma observação freqüente e individualizada é primordial para se saber realmente quando, quanto e como se deve trocar a água. Flexibilidade, este é o princípio base da aqüicultura Taiwanesa. Não é a toa que eles são tidos como um dos mais (ou o mais!) avançados do mundo.