Matrinxã:

Sistema Semi-intensivo para Criação de Larvas

Por: Levy de Carvalho Gomes – Biólogo, Mestre em Piscicultura – Universidade Federal de Santa Maria – Dep. de Fisiologia, 97119-900
Santa Maria, RS – e-mail: [email protected]


O matrinxã é uma espécie originária da bacia Amazônica que vem despertando grande interesse em pesquisadores e produtores de todo país. A crescente procura por espécies do gênero Brycon e em especial o matrinxã para criação em ambientes controlados se deve principalmente:
1) à fácil
 adaptação ao cativeiro em quase todo país;
2) Fácil aceitação de alimento tanto de origem animal quanto vegetal, uma vez que, a espécie possui hábito alimentar onívoro;
3) rápido crescimento, atingindo porte de abate com 1 ano;
4) fácil comercialização, bem aceita em pesque-pague e carne muito apreciada por consumidores;
5) potencial para criação em sistema intensivo.

Como conseqüência da procura pela espécie, a oferta de alevinos deve corresponder às necessidades do mercado. Para tal, os produtores de alevinos devem procurar maximizar a produção a fim de obterem maiores empreendimentos. A estocagem de larvas em diferentes densidades será abordada neste trabalho para auxiliar o produtor a adequar sua produção de acordo com seu objetivo (venda de alevinos ou engorda). Também serão brevemente relatadas algumas etapas da reprodução, incubação e preparo de viveiro.

Reprodução

Para que se obtenha sucesso na produção de larvas e alevinos de matrinxã, alguns fatores de manejo de reprodutores e incubação devem ser obrigatoriamente abordados. É necessário o domínio da propagação artificial da espécie para que se possa promover a criação em larga escala. Outra medida importante é possuir lotes de diferentes origens para impedir problemas de consangüinidade.

A seleção de fêmeas para indução pode ser realizada através de inspeção visual e apalpação abdominal (quando estritamente necessário). Os machos liberam sêmen com fluência quando prontos para reproduzir, portanto, se houver a certeza de que os animais estão em idade reprodutiva pode-se dispensar a apalpação abdominal.

Para reprodução do matrinxã, a utilização de extrato bruto de hipófise tem apresentado excelentes resultados. Para fêmea uma dose hormonal de 5,5 mg/kg, dividida em duas aplicações. A primeira de 0,5 mg/kg, e a segunda de 5,0 mg/kg em um intervalo de 12 horas. Nos machos uma única dosagem de 1,5 mg/kg, simultaneamente à segunda dose da fêmea. A desova ocorre em aproximadamente 210 horas-graus à 27oC após a última aplicação.

Os procedimentos de indução hormonal e extrusão são muito semelhantes a de outras espécies de piracema. Porém, deve ser dada atenção especial aos reprodutores, uma vez que a espécie é muito sensível ao manejo, sendo observadas grandes perdas de reprodutores após a extrusão. Medidas que minimizem o manejo e contato manual devem ser tomadas para diminuir a mortalidade. A aplicação da primeira dose da fêmea ainda no viveiro e condicionamento do casal de reprodutores em tanques de contenção interligados a incubadoras permitindo desova natural, podem ser soluções criativas e muito eficientes.

Incubação

Após a extrusão e hidratação os ovos devem ser colocados em incubadoras modelo húngaro, com fluxo de água e capacidade para 60 ou 200 litros. Os ovos apresentam coloração esverdeada e diâmetro médio de 1.090um, a massa de ovos corresponde a aproximadamente 10% do peso vivo da fêmea. A taxa de fertilização fica em torno de 85%. A eclosão das larvas ocorre 17 horas após a extrusão (442 horas graus à 26oC). Trinta e seis horas após a eclosão as larvas ainda com cerca de 50% da bexiga natatória inflada, já apresentam canibalismo acentuado. A metodologia que vem apresentando melhores resultados para resolver este problema é a adição de larva forrageira na incubadora para servir de alimento. As larvas mais utilizadas para este fim são as de pacu (Piaractus mesopotamicus) e curimbatá (Prochilodus sp.), por serem menores e nadarem mais devagar que as de matrinxã, tornando-se assim presa fácil. Pode-se adicionar 2,5 larvas forrageiras para cada larva de matrinxã.

Com aproximadamente 60 horas após a eclosão (24 horas após a introdução do alimento) as larvas já devem apresentar absorção parcial do saco vitelínico, bexiga natatória inflada e natação na horizontal, estando aptas para serem estocadas em viveiros de criação.

A adição de larva forrageira na incubadora se constitui em uma metodologia fundamental para que se alcancem resultados satisfatórios na criação de alevinos. Alguns trabalhos realizados sem utilizar este método alcançaram baixa sobrevivência (máximo 17%), enquanto que os que utilizaram alcançaram sobrevivência acima de 40%.

Estocagem

Quando aptas para serem estocadas em viveiros externos, as larvas devem ser sifonadas da incubadora para bacias plásticas com auxílio de uma mangueira de borracha, e com uma concha plástica conta-se individualmetne um número conhecido de larvas (5.000 por exemplo), utilizando esta bacia como padrão. Outras baciam devem ser colocadas em volta do padrão e comparadas visualmente. Com o término da contagem as larvas devem ser transportadas até os viveiros em baldes ou sacos plásticos, porém deve-se tomar o cuidado de colocar um pano para evitar luminosidade direta.

A voracidade e rápido crescimento das larvas de matrinxã faz com que o período de larvicultura seja de 15 a 21 dias, enquanto que na maioria das espécies nativas o período mínimo é de 30 dias.

Para se conhecer níveis adequados de produtividade foi conduzido um experimento testando três densidades de estocagem (30, 60 e 120 larvas/m2). Este experimento foi realizado em viveiros escavados, em janeiro de 1997 no CEPTA/IBAMA. A metodologia de preparo de viveiro, parâmetros da água analisados, alimentação e os resultados obtidos são descritos a seguir.

Preparo do viveiro

Para que ocorra um bom desenvolvimento do plâncton nos viveiros, o preparo destes deve ser realizado dentro de um cronograma estabelecido. A metodologia de preparo de viveiro é a mesma utilizada para outras espécies nativas como pacu e tambaqui. Os viveiros devem ficar expostos ao sol por cinco dias, após realizar-se uma calagem com calcário dolomítico na proporção de 300 kg/ha, com distribuição manual o mais homogênea possível, procurando colocar uma quantidade maior em poças de água formadas no fundo dos viveiros. Após a calagem deve-se colocar uma tela de nylon com abertura de +/- 300(um) nas entradas de água dos viveiros, a fim de evitar a entrada de predadores e outros organismos indesejáveis. A seguir é dado início ao abastecimento de água nos viveiros, e quando completar +/- 1m de massa de água, a entra da água deve ser fechada e só aberta novamente para compensar a perda por evaporação, infiltrações existentes e para se renovar a água nos dias em que a concentração de oxigênio dissolvido da água apresentar valores inferiores a 3 mg/l.

Um dia após a calagem e abastecimento com água, os viveiros devem receber adubação orgânica (gado bovino 5000 kg/ha, galinha poedeira 2000 kg/ha) e mais uma ou duas aplicações suplementares de 1/3 da quantidade inicial, a cada 7 dias. O adubo deve ser colocado nos viveiros com o auxílio de uma pá e distribuído da forma mais homogênea possível.

Dois dias após a adubação orgânica inicial pode-se realizar uma adubação inorgânica, com por exemplo superfosfato triplo, na quantidade de 50 kg/ha. O adubo deve ser dissolvido em água e colocado no viveiro.

A estocagem das larvas deve acontecer 7 dias após o início do abastecimento com água dos viveiros de criação. Todos procedimentos de reprodução, incubação e preparo dos viveiros devem estar bem cronometrados para que no momento em que a larva for para o viveiro este esteja em seu pico máximo de produção de plâncton. Vale ressaltar que este cronograma pode variar de acordo com a região devido principalmente a temperatura. Cabe então ao produtor observar os fatores ambientais e produção de plâncton de seus viveiros de alevinagem e estabelecer um cronograma apropriado para sua propriedade.

Qualidade da água

Num ambiente próprio para larvicultura de peixes, as variáveis físico-químicas da água devem estar no padrão ideal para um bom crescimento das larvas, como também apresentarem-se dentro de uma faixa ótima para a produção de alimento natural. Portanto, para que ocorra um bom desenvolvimento e sobrevivência das larvas que estão sendo cultivadas, é de fundamental importância as condições do meio em que vivem.

O matrinxã é um peixe tolerante a variações dos parâmetros da água. Em ambiente natural pode sobreviver em águas com teores de oxigênio dissolvido mais baixos que outras espécies de zona temperada poderiam suportar. Em alguns trabalhos com larvas de matrinxã as concentrações de oxigênio dissolvido foram inferiores a 1 mg/l, e mesmo assim não causaram mortalidade. Entretanto, os animais pararam de se alimentar. Provavelmente concentrações tão baixas por longos períodos causariam mortalidade. Na tabela 1 estão relacionados os parâmetros físico-químicos da água que devem ser observados durante a larvicultura e os níveis desejados.

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Alimentação

A alimentação de larvas nos viveiros deve ser dividida em etapas semanais. Na primeira semana o plâncton é o principal alimento das larvas, porém deve se iniciar uma suplementação alimentar com ração preferencialmente peletizada e posteriormente triturada (em peneiras de 1mm de diâmetro) para que as larvas se acostumem com o alimento artificial. Nesta primeira semana deve-se colocar ração suficiente para cobrir a superfície do viveiro. No final da primeira semana, já é possível observar as larvas se alimentando, então a ração deve ser oferecida à vontade até que os peixes estejam saciados, e a granulometria da ração pode ser aumentada para 3 mm. Na terceira semana a alimentação pode ser intensificada e a granulometria aumentada para 5 mm. A oferta de ração deve ser cuidadosa, evitando colocar alimento em um só ponto. Vá oferecendo alimento e dando a volta no viveiro, esta medida diminui a disputa. Também não se deve despejar toda ração de uma vez no viveiro, pois as perdas de ração são grandes e o prejuízo ao ambiente muitas vezes fatal.

As larvas devem ser alimentadas diariamente no mínimo 3 vezes. A oferta de ração deve ser restringida quando as concentrações de oxigênio dissolvido apresentarem valores abaixo de 3 mg/l. Na impossibilidade de medir o oxigênio a oferta de alimento deve ser diminuída quando houver nebulosidade por vários dias consecutivos.

A oferta de alimento pode ser intensificada, diminuindo o período de criação para até 15 dias. Pode-se oferecer ração até 8 vezes ao dia, entretanto esta prática só deve ser iniciada na segunda semana, e a água dos viveiros deve ser aberta, havendo a maior troca possível. Quando utilizar esta metodologia o produtor deve estar ciente de que abriu mão da alimentação natural, portanto a oferta de ração está diretamente ligada ao sucesso da criação. Outro fator fundamental é o monitoramento da concentração de oxigênio dissolvido, uma vez que o consumo deste aumenta com o constante processo digestivo dos animais.

Na tabela 2 está a composição da ração utilizada na alimentação de larvas de matrinxã.

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Sobrevivência

A criação de larvas de matrinxã, quando feita de forma racional, utilizando as metodologias corretas, tem alcançado muito sucesso. As densidades de estocagem testadas não influenciarem a sobrevivência de larvas, apesar da estocagem de 30 larvas/m2 apresentar sobrevivência 20% superior a estocagem de 120 larvas/m2 (Figura 1). Na maior densidade (120 larvas/m2) o número de larvas estocadas foi quatro vezes superior ao da menor densidade (30 lavas/m2), e mesmo com menor sobrevivência, a maior densidade tem uma produção por área muito superior.

É muito evidente o número de alevinos com má formação, semelhante a uma escoliose, mesmo quando os pais são provenientes do ambiente natural. As causas desta má formação ainda não estão completamente esclarecidas. Estes alevinos não devem ser comercializados.

Crescimento

O povoamento de viveiros com larvas é uma das atividades mais importantes da piscicultura. Caso o povoamento seja pouco denso (baixa densidade), os peixes poderão crescer rapidamente, mas o espaço será pouco aproveitado; por outro lado, se o povoamento for muito denso (alta densidade), os peixes vão disputar espaço e alimento, retardando ou cessando o crescimento. A densidade de estocagem proporcion um crescimento diferenciado, sendo menor o comprimento e peso com o aumento da densidade de estocagem (Figura 2). Esta diferenciação pode estar relacionada à falta de espaço, uma vez que altas densidades ocasionam problemas de espaço. Interações comportamentais com os fatores ambientais têm conseqüências sobre o crescimento, a quantidade de indivíduos influencia no estabelecimento de territórios definidos. À medida que aumenta a densidade aumenta a disputa pelo território, de modo que os peixes gastam uma grande quantidade de energia durante as disputas, afetando consequentemente o seu crescimento.

O crescimento heterogêneo de larvas já foi observado para várias espécies nativas, e é geralmente decorrente da má qualidade do alimento ou do fornecimento deste em quantidade insuficiente, o que em peixes que nadam em cardumes (como o matrinxã), ocasiona o aparecimento de um crescimento desigual dentro do grupo, e como conseqüência diminui o crescimento das larvas menores. Já foi observado para pacu que na relação social entre indivíduos da população existe uma relação de hierarquia com dominante e subordinado. Este fator deve atuar também em larvas de matrinxã, necessitando porém de estudos para confirmar esta hipótese. O crescimento das larvas é bem homogêneo até o 14º dia, entretanto a partir deste dia até o 21º dia a heterogeneidade é maior com o aumento da densidade. A menor densidade apresenta apenas 10% de variação no seu tamanho, enquanto que nas maiores densidades este valor aumenta para 20%. Se comparado com outras espécies, o matrinxã apresenta um crescimento bem homogêneo.

Vale ressaltar que podem ser tomadas medidas simples que auxiliam na diminuição do crescimento heterogêneo, como por exemplo: a utilização de uma ração balanceada de boa qualidade, distribuir a ração por todo tanque de forma que as larvas mais fracas tenham chance de chegar até o alimento e mater as larvas sempre alimentadas para que não haja problema de canibalismo.

Produtividade

Numa produção de peixes, é imprescindível que se coletem informações básicas para a avaliação da produtividade final dos viveiros. Os principais aspectos que devem ser considerados são crescimento em peso e comprimento, sobrevivência e produção por área. O estudo da densidade de estocagem tem o objetivo de maximizar a produção de alevinos por área, resultando no maior número possível de alevinos com bom crescimento e sadios. A produção de alevinos por área aumenta de forma significativa com o aumento da densidade de estocagem (Figura 3). O número de larvas estocadas na maior densidade foi três vezes superior que na menor, justificando a maior produção por área e número de alevinos despescados. Os alevinos despescados na maior densidade, apresentavam tamanho comercial (acima de 3 cm). Para uma produção comercial de alevinos esta estocagem seria mais interessante no sentido de maximizar a produção.

Conclusões

– O aumento da densidade de estocagem reduz o crescimento, produz peixes de tamanho mais heterogêneo, porém proporciona uma maior produtividade de alevinos de matrinxã.

– A estocagem de 120 larvas/m2 é a mais indicada se o objetivo for a produção de alevinos, uma vez que, a produtividade é superior e os peixes já possuem tamanho comercial. A estocagem de 30 larvas/m2 seria indicada se o objetivo for uma criação de engorda, uma vez que apesar da menor produtividade apresenta peixes maiores e de tamanho mais homogêneo.

– O período de 21 dias é adequado para larvicultura do matrinxã em sistema semi-intensivo, porém se a criação for intensificada pode-se produzir alevinos com até 15 dias.

– O matrinxã se apresenta como uma espécie altamente promissora para piscicultura, embora necessite de mais estudos no sentido de se definir um sistema de criação adequado.