Por: Gilberto C. Manzoni
Centro Experimental de Maricultura da Universidade do Vale do Itajaí-SC
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A mitilicultura é uma atividade que apresenta um grande envolvimento das comunidades litorâneas, uma estrutura organizacional considerável e uma significativa importância sócio-econômica para as populações tradicionais. Em Santa Catarina, o cultivo de mexilhões é desenvolvido em dez municípios e envolve aproximadamente 1200 produtores reunidos na Federação de Maricultores de Santa Catarina, composta por 19 associações de produtores. Segundo dados da Epagri (2004), a produção do mexilhão Perna perna, no estado, passou de 190 toneladas em 1991 para 8.132 toneladas em 2003. Este valor, contudo, é inferior às 11.365 toneladas comercializadas no ano de 2000.
A queda na produção de mexilhões, observada nos últimos três anos, é conseqüência da sobrexplotação dos estoques naturais, já que a maioria das sementes utilizadas nos cultivos ainda é originária dos costões rochosos. Ao contrário do que ocorreu com as ostras japonesas, cujas sementes são produzidas em laboratório, a produção natural de sementes nestes ambientes não suportou o rápido crescimento dos cultivos. Desta forma, a baixa disponibilidade de sementes de mexilhões, associada a uma grande procura, estimulou a comercialização deste insumo, mesmo sendo proibida por lei (Portaria- IBAMA 09/2003). No litoral catarinense um saco com 15 quilos de sementes chega a ser comercializado por R$ 25,00 (R$1,67/kg). Este elevado valor e a morosidade do IBAMA, que tardiamente assinou os Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), atrasando a emissão dos pareceres sobre as licenças para a extração de sementes, estimularam ainda mais a coleta desordenada deste recurso natural.
Enquanto não acontece uma parceria entre o IBAMA, Prefeituras e Associações de Maricultores locais para que se possa efetivamente controlar as coletas de sementes de mexilhões nos ambientes naturais, instituições envolvidas na malacocultura catarinense estão desenvolvendo novas alternativas para a obtenção de sementes, que proporcionem uma retomada no crescimento da produção cultivada. Entre estas alternativas se destacam a utilização de coletores artificiais, a repicagem (desdobre) das cordas de cultivo e, mais recentemente, a produção de sementes em laboratório.
Alguns entraves, porém, ainda precisam ser solucionados, para a aplicação dessas alternativas. Para a utilização de coletores, ainda não existe a identificação do substrato ideal nem informações precisas sobre a localização das áreas que apresentam melhores resultados de assentamento, apesar de serem conhecidas as melhores épocas de imersão (final do inverno, início da primavera). Já o desdobre das cordas de cultivo, requer o emprego de mais mão-de-obra, aumentando assim, o custo de produção. Essa prática apresenta melhores resultados nos períodos de primavera e verão, quando ocorre um maior assentamento de indivíduos jovens (sementes) nas próprias cordas de cultivo. A diminuição da mão-de-obra é possível através da utilização de máquinas de desdobre e confecção de cordas de cultivo. O CEMar – Centro Experimental de Maricultura da UNIVALI-CTTMar, vem trabalhando neste sentido, e importou da Espanha equipamentos tanto de desdobre como para a confecção de cordas de cultivo, entretanto, a utilização desta tecnologia está limitada à região do Município de Penha. Porém, ainda este ano, com o aporte de recursos da SEAP e da iniciativa privada, essas alternativas deverão ser incrementadas nas principais áreas de produção do estado.
Laboratório
A produção de sementes em laboratório, apesar de ser a alternativa com custos mais elevados, é tecnologicamente viável, pois poderá oferecer uma maior disponibilidade de sementes de mexilhões aos mitilicultores ao longo de todo o ano, desde que disponha de um sistema de maturação funcional de reprodutores, que garanta indivíduos aptos a se reproduzir em qualquer período. Para que seja também economicamente viável, devem ser desenvolvidas tecnologias de cultivo no mar, de larvas no estágio pediveliger. Esta tecnologia deve ser testada, pois o crescimento das larvas no ambiente natural é superior ao das mantidas em laboratório, reduzindo significativamente o custo de produção destas sementes.
Com a finalidade de desenvolver esta tecnologia, o Laboratório de Produção de Moluscos (LPM) do Centro Experimental de Maricultura – (UNIVALI-CTTMar) vem realizando desde o ano passado, larviculturas de mexilhões e transferências para o ambiente natural, de larvas no estágio pediveliger e de larvas assentadas em substratos artificiais (também denominadas plantígradas). Os resultados iniciais demonstram que é possível essa transferência, desde que as larvas estejam acondicionadas em estruturas de cultivo (caixas), revestidas por telas micrométricas, que impeçam a migração das mesmas para fora destas estruturas.
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Metodologia
Na metodologia de produção de larvas de mexilhões, que é semelhante à das ostras, selecionam-se reprodutores aptos a desovar (Figuras 1 A e B). Posteriormente, estes moluscos são limpos, para remoção das incrustações (“fouling”), evitando a contaminação do material reprodutivo. Por intermédio da exposição em água com um gradiente térmico (+/- 2 oC, a cada 30 minutos), intercalado por períodos de exposição ao ar de 5 a 10 minutos (Figura 2 A e B), os mexilhões, então, são induzidos a liberar seus materiais reprodutivos (espermatozóides e ovócitos) (Figuras 3A, 3B, 4A e 4B). A seguir, os mexilhões são separados de acordo com o sexo e origem genética (linhagem). A fecundação (7 a 10 espermatozóides para cada ovócito), é realizada a fim de evitar a polispermia, não permitindo com isso, a má formação das larvas e a mortalidade das mesmas. Após a verificação da taxa de fecundação (ideal que seja maior que 50%), os ovos já em processo de desenvolvimento embrionário são transferidos para tanques de 2.000 e 4.000 litros, dando início à etapa de larvicultura (Figura 5). Nesta etapa são realizadas trocas diárias de água, utilizando-se peneiras com distintas aberturas de malhas (50, 100, 150, 200 µ), onde as larvas são retidas.
Para garantir a sobrevivência e o desenvolvimento das larvas até o estágio pediveliger (Figura 6), quando apresentam cerca de 220 µ, os tanques de larvicultura recebem diariamente microalgas (Isochrysis sp; Chaetoceros sp) em concentrações adequadas (Figura 7). A larvicultura dura em torno de 20 a 35 dias (variável em função da temperatura da água), quando então, as larvas pediveliger, podem ser transferidas para a etapa de assentamento. Para isso, estão sendo testados diferentes substratos como redes, telas “mosquiteiros” e cabos de náilon desfiados. Após essa etapa, as larvas no estágio pediveliger, em conjunto com os substratos (Figura 8), são transferidas para as estruturas de cultivo, que são caixas de madeira de aproximadamente 1,0 m2 (Figura 9). Essas caixas são, inicialmente, revestidas externamente com telas de 200 µ. Passados 15 a 21 dias, as “pré-sementes” (larvas já metamorfoseadas e assentadas – Figura 10), devem ser transferidas para caixas com telas de 500, 750 e 1000 µ. Durante esta transferência, deve-se tomar todo o cuidado possível para não se perder as pré-sementes, que devem ter o tamanho monitorado em relação ao tamanho da malha a ser usada.
Além disso, as caixas, devem ser limpas externamente com o auxílio de uma escova ou de jatos de água, a cada 48 ou 72 horas, a fim de evitar a colmatação (entupimento-obstrução) das telas e principalmente, proporcionar uma boa circulação de água, uma maior disponibilidade de alimento e, conseqüentemente, um melhor crescimento das pré-sementes nestas caixas de cultivo, até que atinjam o tamanho de 2,0 cm (20.000 µ), quando então, já são denominadas sementes pelos mitilicultores e finalmente podem ser utilizadas na produção das tradicionais cordas de cultivo.
Recomendações
Experimentos realizados durante o período de inverno (junho) e primavera (novembro) apontaram resultados, aonde as larvas pediveliger, com tamanho inicial de aproximadamente 220 µ, alcançaram 1200 µ após 30 dias de cultivo no mar, e uma média de 16.310 µ (16,3 mm) com 120 dias. Essas taxas de crescimento, porém, podem ser incrementadas se a transferência das larvas for realizada durante o período do verão, quando a temperatura da água apresenta uma média de 28 oC. Outro fator que certamente resultará em uma melhor taxa de crescimento dos mexilhões, é uma intensificação na rotina de manejo nas caixas de cultivo, que conforme recomendado, devem ter as telas de revestimento, limpas a cada 2 a 3 dias.
Deve ser avaliada também a taxa de predação por potenciais predadores, como alguns microcrustáceos (caprellideos, gamarídeos) que aparecem no interior das caixas de cultivo. Da mesma forma, também deve ser avaliada a influência do tempo de permanência das larvas de mexilhões em laboratório, na sobrevivência final.
A continuidade destes experimentos é de fundamental importância, pois a produção de sementes em laboratórios e a manutenção destes moluscos nas estruturas de crescimento no mar poderão vir a ser uma alternativa técnica e, possivelmente, economicamente viável, para a manutenção e retomada do crescimento da produção do mexilhão cultivado. Assim, também serão minimizados os conflitos entre os maricultores, comunidade local e turistas, com relação à extração deste recurso no ambiente natural, bem como o impacto ambiental promovido pela coleta desordenada e a comercialização de sementes deste moluscos.
O autor agradece a colaboração de Luciano Strefling e Rodrigo Cavalheiro, pesquisadores do Centro Experimental de Maricultura