De: André Pellanda de Souza
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Assunto: Produção monosexo de tilápia através de temperatura
Estou à procura de estudos sobre reversão de tilápia que não utilizaram hormônios, e utilizaram apenas temperatura bem controlada em determinada fase de vida ou incubação. Se não me engano, o Caunesp – Jaboticabal desenvolvia estudos neste sentido, porém não consigo encontrar na internet.
De: Ricardo Pereira Ribeiro
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Assunto: Re: Produção monosexo de tilápia através de temperatura
Você poderá encontrar alguma coisa na citação: Marco Antônio Zanoni, Thais Vasconcelos Leal, Mauro Caetano Filho, Carlos Antônio Lopes de Oliveira, Ricardo Pereira Ribeiro – Inversão sexual de alevinos de tilápias do Nilo (Oreochromis niloticus) variedade Supreme, submetidos a diferentes temperaturas durante fase de diferenciação sexual. Semina. Ciências Agrárias
De: Ricardo Y. Tsukamoto
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Assunto: Re: Produção monosexo de tilápia através de temperatura
Ricardo, interessante o trabalho da reversão em tilápia pelo seu grupo. Me chamou a atenção que uma faixa de temperatura normal para o cultivo de tilápia – de 28°C a 30°C – tenha resultado em elevada taxa de reversão (71-82%). Seria o equivalente a obter 71 a 82% de machos de tilápias em reprodução não controlada, em tanque de terra, na primavera/verão, sem interferir nos animais. Mas como o experimento foi realizado em Londrina, numa época fria do ano, será que a aclimatação natural dos reprodutores e seus gametas ao frio teria baixado o limiar de temperatura que induz à reversão? Ou esta característica está relacionada à linhagem Supreme?
De: Ricardo Pereira Ribeiro
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Assunto: Re: Produção monosexo de tilápia através de temperatura
Não Ricardo, a diferenciação sexual na tilápia é definida além dos cromossomos sexuais pelos autossomos, sendo que estes genes são ativados apenas neste período pós-eclosão. Não acredito que haja qualquer interferência da temperatura sobre os gametas, pois somente após a fecundação é que há a ação completa dos genes do cromossomo Y e dos genes dos autossomos. Mas, para tirar as dúvidas, talvez fosse interessante alguém estudar isto, controlando a temperatura de formação dos gametas e posteriormente a reversão. Eu acho que a saída mais interessante para este problema é o que já estamos estudando, ou seja, selecionar fêmeas que crescem mais e são tardias de modo que a reversão seja desnecessária. Creio que este seja o futuro. Já temos resultados muito interessantes para peso final entre 800 a 900 gramas.
De: Ricardo Y. Tsukamoto
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Assunto: Re: Produção monosexo de tilápia através de temperatura
Os genes de um organismo constituem basicamente a informação estocada de diferentes funções das células deste organismo. Mas o controle real da atividade de um gene em cada momento da vida não é feito pelo próprio gene, e sim, pelos mecanismos da Epigenética. Na Epigenética outros mecanismos genéticos – que não estão localizados no DNA – é que realmente controlam quais genes, e por quanto tempo e intensidade tais genes serão colocados em funcionamento (ativados). Até duas décadas atrás isto seria considerado loucura, mas hoje se constatou ser o padrão em todos os seres vivos pesquisados (e atualmente muito usada em terapia genética, transformação genética, e outras aplicações). Os mecanismos da Epigenética permitem que eventos ocorridos na geração dos pais (geração Parental) sejam “memorizados” pelo sistema genético, e influenciem posteriormente os filhos, netos, bisnetos (gerações F1, F2, F3, etc.). Assim, se a fisiologia do organismo de uma tilápia reprodutora se aclimatar ao frio durante a sua vida, tal característica poderá aparecer na sua progênie – sem que o DNA tenha sido afetado de modo detectável. Neste sentido, o Brasil conta hoje com um cientista de peixes especializado nos mecanismos de biologia molecular relacionados aos genes do sexo e da determinação do sexo por temperatura – Ricardo Shohei Hattori (APTA, SP). O link a seguir traz na íntegra, uma revisão dele sobre este tema em peixes: http://www.iib.unsam.edu.ar/php/papiros/pdf/Hattori2013.pdf. Uma das causas prováveis da reversão de sexo por temperatura em peixes é a produção do hormônio cortisona (hormônio do estresse), conforme comprovado experimentalmente pelo Hattori e colegas no artigo disponível para baixar na íntegra: http://www.iib.unsam.edu.ar/php/papiros/pdf/Hattori2009.pdf . Com relação ao uso de fêmeas de tilápia nos cultivos, concordo plenamente com você. Uma década e meia atrás mencionei tal conceito aqui na lista, mas a recepção foi meio ruim, já que o convencional a que os piscicultores estavam acostumados a crer era justamente o oposto. Naquela época, pesquisadores asiáticos haviam chegado à conclusão de que as fêmeas de tilápia tinham potencial de crescimento bem maior que o dos machos. Porém, as fêmeas normais tinham a desvantagem de desovar mensalmente (perda de biomassa), e quando incubavam os ovos, ainda ficavam um longo período sem se alimentar – o que diminuía o potencial de crescimento delas. Quando foram usadas tilápias fêmeas triploides, que são geneticamente castradas, a perda de biomassa (física e comportamental) foi eliminada e o potencial se revelou com ótimo resultado. Em contraste, atualmente existem técnicas de seleção (como a sua de maturação tardia) e de Epigenética que permitem obter um resultado similar de inibição da maturação gonadal nas fêmeas.
De: Lissandra Cavalli
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Assunto: Dúvidas produção x pesca
Recebi um questionamento de um colega, de outra área, sobre o sabor dos produtos: camarão, peixe e moluscos. Ele questionou se o sabor destes animais de produção era o mesmo daqueles de origem marinha (pesca). Acredito eu que se tratando da mesma espécie, o sabor seria o mesmo. Todavia, gostaria de ouvir o pessoal especialista no assunto para não passar informação equivocada.
De: Gilcler Alcino Sabaini de Souza
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Assunto: Re: Dúvidas produção x pesca
Somos aquilo que comemos. Como nos peixes de rios, o sabor deve ter alterações em função do alimento disponibilizado para o animal.
De: Luciano Kellner
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Assunto: Re: Dúvidas produção x pesca
Falo sobre peixe, que é a área em que trabalho, certamente o sabor não é o mesmo, pois o alimento ingerido é diferente. Na piscicultura “trabalhamos” o peixe antes do abate, com jejum e depuração na água limpa e se possível corrente. Este método elimina possíveis sabores indesejados e remanescentes na carne. Mas, no peixe pescado, este sistema ou controle é impossível.
De: Ricardo Y. Tsukamoto
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Assunto: Re: Dúvidas produção x pesca
As características sensoriais do pescado (seres aquáticos utilizados pelo homem) podem variar bastante entre o pescado originário da pesca (captura) e o pescado de cultivo. E isto se verifica para rigidez da carne (tal como no frango de granja vs. caipira), teor de gordura, coloração do filé, dentre outras características que são, inclusive, passíveis de direcionamento num cultivo, para gerar um produto com uma característica mais apreciada pelo consumidor. Por exemplo, as enguias são cultivadas em larga escala no Japão, para gerar animais com alto teor de gordura na carne – o que significa uma carne mais macia e palatável. Em contraste, as enguias da natureza são animais que tiveram a dificuldade natural de caçar para obter alimento a cada dia, e são por isso, magras e com carne dura, dita “seca”. Como o consumidor japonês se acostumou com a carne macia e tenra da enguia de cultivo, vários testes mostraram que o consumidor rejeita inteiramente a enguia pescada da natureza – por acreditarem que aquilo não possa ser enguia de verdade. No cultivo do peixe mais caro do mundo – o atum azul para sashimi – os atuns são também condicionados a ter uma carne com alto teor de gordura. Pois a parte mais nobre do atum é o chamado “torô” – que reúne gordura entremeada em músculo na região ventral. Enquanto um atum originário da pesca tem qualidade imprevisível em função de sua vida na natureza, cada atum de cultivo pode ser “cevado” até atingir as características ideais para o consumo. No Brasil, um tipo de pescado passa tradicionalmente por um cultivo para engordar e melhorar a sua qualidade. É o caso do caranguejo guaiamum, mantido em ceva em cercados no quintal de pescadores da costa Nordestina. Curiosamente, uma característica do peixe de cultivo pode ser apreciada quando sai numa espécie de peixe, mas depreciada quando sai em outra. Isto está sendo observado no Brasil. A cor da carne da maioria dos peixes é branca. Porém, o bagre africano absorve os pigmentos carotenoides do milho usado na formulação da ração comercial e acaba depositando tal pigmento natural em sua carne, que fica então com uma cor amarela. O consumidor não aprecia coloração amarela em bagres, de modo que este bagre tem que ser alimentada com rações com menos milho, para diminuir tal característica indesejável. Também no pangassius no Vietnã, peixes de cultivo com carne amarela são rejeitados pelo consumidor. Já nos peixes salmonídeos, a cor alaranjada-vermelha é o grande distintivo da carne. Porém, em situação de cultivo, o peixe não tem como comer camarão do mar para absorver o pigmento carotenoide astaxantina e acumulá-lo em sua carne para dar a cor característica. Se não receber astaxantina na alimentação, todo salmão ou truta não terá carne laranja-vermelha, tanto na natureza como em cultivo. Em cultivo, os salmonídeos podem receber então, ração com astaxantina produzida industrialmente, com a mesma molécula do natural, o que permite resgatar a cor “típica” dos salmões (a adição da astaxantina encarece a ração). A truta arco-íris criada no Brasil, nas regiões montanhosas dos Estados do Sul e Sudeste, recebe uma ração comercial tradicional com milho (sem astaxantina). A sua carne fica com uma cor amarela devido aos pigmentos carotenoides do milho. Alguns criadores locais de truta bolaram a criativa promoção da imagem da truta de carne amarela por conter os carotenoides naturais do milho, evitando o artificial, e isto as qualificaria como bem mais naturais do que as tradicionais salmonadas com astaxantina. O caviar produzido no Brasil com as ovas destas trutas tem cor amarelo intenso transparente, gerando o produto “golden caviar” ou caviar dourado. Portanto, a característica cor amarela no peixe cultivado, aparece numa espécie como deletéria ao comércio, mas na outra espécie se torna uma promotora de vendas. Em conclusão, o pescado cultivado não somente tem características sensoriais distintas do pescado capturado, mas pode inclusive ser aprimorado para atender ao desejo do consumidor, em comparação ao incerto produto da pesca.
De: Sergio Winckler da Costa
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Assunto: Re: Dúvidas produção x pesca
Aqui em Santa Catarina sempre se falava que o camarão da natureza, predominantemente Paulensis, era melhor que o de cativeiro. Fizemos uma pesquisa de análise sensorial com chefs de restaurantes de Balneário Camboriú com as duas espécies. Os resultados foram publicados na Revista Panorama da AQÜICULTURA. Eles não conseguiram identificar a espécie e o de cultivo teve melhor aceitação na maioria das características.
De: Ricardo Campos
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Assunto: Re: Dúvidas produção x pesca
Não vejo diferença nenhuma entre o camarão de cultivo e o selvagem. Já a nossa tilápia cultivada aqui no Ceará caiu no gosto da população justamente porque a tilápia pescada tinha o famoso gosto de barro.
De: Marcio Bezerra
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Assunto: Re: Dúvidas produção x pesca
Em todos esses anos de contato com a produção e comercialização de pescado oriundo da pesca e aquicultura, no que diz respeito a características organolépticas (em especial, o sabor), diria que, tecnicamente, podemos encontrar diferenças, mas que cabem em todos os paladares e preferências. No camarão, por exemplo, já tive oportunidade de trabalhar na comercialização, no mercado interno (SP, RJ, etc.) e externo (Espanha, França, Portugal, etc.), com quase todas as espécies que pescamos ou cultivamos, e tive inúmeras experiências e opiniões sobre as características sensoriais das espécies. Era só mudar a região, tanto por aqui, quanto fora, que as opiniões seguiam uma lógica totalmente diferente de acordo com o mercado. A diferença é tão surpreendente que posso te trazer um exemplo da região que vivo no Ceará (Litoral Oeste: 245 km de Fortaleza) aonde, após anos sucessivos de festivais gastronômicos internacionais, se chegou há uma conclusão “técnica e gastronômica” que há uma diferença no aspecto sensorial de gosto do camarão marinho cultivado na Costa Negra (parte do litoral oeste do Ceará) e do camarão marinho do resto do Brasil, ou seja, há uma característica sensorial específica que o diferencia das demais regiões. É a mesma espécie, o mesmo ambiente de cultivo, e mesmo assim encontraram diferenças. Essa diferença se desdobrou oficialmente numa acreditação de “Indicação de Denominação de Origem” expedida pelo INPI para o camarão da Costa Negra. Enfim, o mundo sensorial do pescado é muito complexo e não segue uma lógica linear de mercado e consumidor. Para nossa “sorte”, a preferência e o status que o pescado tem ganhado nos últimos anos nos mercados é algo que, independente do gosto, o seu médico está dizendo cada vez mais: Coma pescado de qualidade!
De: Luiz Claudio de Paula Costa
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Assunto: Re: Dúvidas produção x pesca
Em tese deveria ser o mesmo sabor, mas não é o que acontece, pois a qualidade do meio ambiente às vezes varia, drasticamente. Em minha experiência na produção de tilápias e pescador no reservatório de Paraibuna (SP), onde a qualidade da água é excelente, não há diferença de sabor entre as espécies nativas e as de cativeiro. Já vi casos extremos onde os de cativeiro tinham um sabor melhor, neste caso específico, por se alimentarem exclusivamente de rações balanceadas e os nativos com o famoso gosto de “barro” em virtude da baixa qualidade da água.
De: Robert Krasnow
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Assunto: Salmon
Grande Professor Ricardo, coincidentemente estou nos EUA e comprei o “Copper River” salmão do Alaska para jantar com minha família. Ele só é pescado e comercializado no mês de junho. É muito apreciado pela cor (é natural?) e pelo sabor, que é excepcional. Obviamente o preço reflete a qualidade e escassez do produto (US$ 11,99/libra). A natureza tem estas coisas.
De: Ricardo Y. Tsukamoto
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Assunto: Re: Salmon
Olá Robert. É realmente um grande privilégio saborear o salmão selvagem do Copper River no Alaska. Que só pode ser pescado no mês de junho, por ser o momento em que o salmão que cresceu e engordou durante anos no oceano Pacífico inicia o retorno reprodutivo ao rio de geleiras em que nasceu. Se for pescado antes disso, não está no estágio ideal de qualidade, e se for pescado depois, a maturação gonadal já estará drenando os nutrientes da carne (deste peixe que morre sempre após a única maturação sexual). A cor intensa da carne deste seu salmão selvagem expressa a grande quantidade de crustáceos e krill que comeu ao longo de sua vida no mar. O salmão estoca o pigmento carotenóide astaxantina em sua carne, não para seu benefício próprio ou por estética, mas para proteger os seus futuros embriões que estarão, solitários, expostos ao meio ambiente. A astaxantina é um dos mais potentes antioxidantes existentes, e protege o embrião da luz do sol e alta oxidação durante o longo período até a eclosão (2-3 meses); atua como o “filtro solar” dos embriões. A migração da astaxantina da carne para os ovos ocorre durante o crescimento das gônadas no adulto, com a astaxantina sendo progressivamente transferida do músculo do reprodutor para os ovócitos em formação. Com isso, a carne vai ficando bem mais clara até o salmão reproduzir e morrer. Mas, no momento da morte, a astaxantina já estará fazendo o efeito benéfico na sua prole. O salmão do Copper River é também um dos principais símbolos de sucesso, no mundo, de uma indústria pesqueira semi-artesanal. Os pescadores do Alaska, em que se incluem muitos índios, conseguiram utilizar um recurso natural único, agregando valor através de qualidade no processamento e de um sofisticado branding, para tornar o salmão local em um produto top de mercado no mundo. Produto escasso e de altíssima qualidade pode fixar o preço que desejar. Bem diferente de três décadas atrás, quando a indústria japonesa comprava aquele salmão em larga escala, como commodity, e pagava um baixo valor aos pescadores locais. Faltando pouco para falirem definitivamente, os pescadores do Copper River se organizaram e receberam orientação estratégica do governo americano, criando uma nova situação de comércio – a partir dali com grande sucesso. Quem sabe o exemplo deles possa servir de inspiração para salvar alguma indústria de pequena escala no Brasil.