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De: Ricardo Y. Tsukamoto
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Assunto: Pareceres contrários à importação de camarão
Os crustáceos só são vendidos ao consumidor no Brasil como material cru? No caso de peixe, quando ocorreu a epidemia do vírus de influenza ou anemia infecciosa (ISA vírus) no salmão do Chile em 2009, a norma internacional da OIE especificava barreira sanitária à comercialização do produto cru no varejo dos países importadores isentos do vírus. O salmão poderia ser importado pré-cozido sem restrições, ou cru, mas para processamento no país importado, que incluísse a desinfecção (por calor) e com os efluentes do processo (líquidos e sólidos) também adequadamente tratados. Ou seja, todo produto de salmão sairia para o mercado brasileiro com o vírus já devidamente inativado. Entretanto, o MPA interpretou ao contrário a norma internacional OIE e manteve liberada a importação e distribuição sem restrições de salmão cru (fresco ou congelado) ao mercado varejista brasileiro. Em comparação, neste atual mundo globalizado e padronizado, fiquei curioso em saber qual norma OIE está norteando a desejada continuação da proibição de importação de todos os crustáceos. White spot vírus já não se aplica mais, uma vez que ocorre aqui de Norte a Sul (podendo inclusive ter tido origem local). Assim, qual o critério objetivo lastrearia barrar sumariamente toda a importação de crustáceos? Internacionalmente não basta alegar “potencial” de alguma coisa vir de fora; precisa estar conforme os procedimentos da OIE. O número de enfermidades virais em peixes no mundo é bem maior que o de camarões. E nem por isso o Brasil proibiu a importação de peixe com base numa alegação genérica. Parece que a posição de alguns com relação a crustáceo é inversa à assumida com relação a peixe.
De: Marcio Bezerra
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Assunto: Re: Pareceres contrários à importação de camarão
O “jogo comercial” que há por trás dos bastidores da abertura de mercados no mundo globalizado, indiscutivelmente pode nos cegar dos perigos que ali se encontram. Nessa questão levantada por você não é diferente. O que ocorre nesse momento é que os carcinicultores estão fazendo o que os piscicultores não fizeram, essa é a diferença. A OIE como “ator coadjuvante” desse “jogo comercial” tem apenas o papel de recomendação com vista a melhorar a sanidade e o bem estar dos animais (incluem-se os aquáticos) para uma gestão adaptada dos riscos. E ela o faz através do “Código Aquático” que utiliza como ferramenta prática de indicação de políticas governamentais o instrumento da “Análise de Risco de Importação”, que pode ser vista em: www.oie.int/index.php?id=171&L=2&htmfile=chapitre_import_risk_analysis.htm. O Brasil seguiu à risca, e através do extinto MPA publicou a IN 12/2010: www.diariodasleis.com.br/busca/exibelink.php?numlink=215852. Depois de ter errado com o camarão argentino, que por liminar está proibido sua comercialização no país, o Governo brasileiro acreditou que os carcinicultores não iriam fazer nada achando que importar produto cru ou ser processado no país iria ser suficiente para iniciar um trâmite de importação para um camarão com maior potencial de risco e sem ARI. O que os carcinicultores fizeram? Utilizando o que preconiza a OIE e a OMC, estão tomando as medidas necessárias para proteção do camarão cultivado e, poderíamos dizer, até do camarão nativo. Se houvesse apenas o WSSV como referência, talvez você tivesse razão. Digo “talvez”, porque a literatura é extensa e indica inúmeras cepas com diferentes potenciais virais para esse mesmo vírus que poderiam afetar tanto a indústria aquícola como a pesca extrativa de camarões nativos. Não considerando o WSSV, vou citar apenas uma que pode ainda causar muitos estragos por aqui, como já causou em todo o mundo que ainda não está notificada por aqui: a síndrome da mortalidade precoce (EMS/AHPNS). Eu acredito que a pergunta que se deveria fazer nesse momento é: por que o Brasil, mesmo tendo identificado o vírus em 2005, foi um dos últimos países a ter problemas com uma enfermidade já bastante disseminada em todo o mundo como a WSSV? Não seria porque as medidas sanitárias com base nos protocolos da OIE (Análise de Risco) e da OMC que o Brasil estava levando em consideração não estariam funcionando mesmo com uma fronteira gigante e pouco fiscalizada? A verdade que o Ministro Blairo Maggi “não quer ver” nesse momento é que a atitude de abrir o Brasil para essa importação tem inúmeros flagrantes de ilegalidade com sérios desdobramentos:
1) Econômicos e Sociais: Impactos negativos no curto prazo sobre a indústria do camarão brasileiro (pequenos, médios e grandes produtores) com a falta de competividade nela existente, além da possibilidade de introdução de novas enfermidades (Princípio da Precaução);
2) Ambientais: Não respeita o Art. 74 do Novo Código Florestal (que autoriza a CAMEX a adotar medidas de restrição às importações de bens de origem agropecuária ou florestal produzidos em países que não observem normas e padrões de proteção do meio ambiente compatíveis com as estabelecidas pela legislação brasileira) e tentar importar camarão de um país que não sabe o que é uma APP, Reserva Legal e CAR, além do possível impacto sobre camarões nativos;
3) Sanitários: Falta de Análise de Risco de Importação e o potencial risco de produção de resíduos das indústrias no reprocessamento do camarão cru, descabeçado, descascado e cozido. Enfim, o que está em jogo, não é uma questão técnica e sim, puramente comercial e política. O pleito de barreira que começou pela IN 39/1999 (…suspender, temporariamente, a entrada no Território Nacional de todas as espécies de crustáceos, quer de água doce ou salgada, em qualquer etapa do seu ciclo biológico, inclusive seus produtos frescos e congelados, assim como os cozidos, quando inteiros com suas carapaças ou partes delas, de qualquer procedência) é plenamente legítimo. Não é à toa que o setor pôde aproveitar para vivenciar as experiências de outros países para além de se proteger, aprender os principais sistemas e exemplos para retomar a produção, como já está acontecendo aqui no Nordeste. Para terminar segue um link de como o Governo Equatoriano faz com quem quer importar camarão pra lá. www.aduana.gob.ec/archivos/Boletines/2016/MCE-CCOMEX-2016-0353-O.pdf . Vale pra lá e não valeria pra cá? Eles sabem muito bem dos riscos, mas é como meu pai me dizia: “Pimenta nos olhos dos outros é refresco”.
De: Ricardo Y. Tsukamoto
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Assunto: Re: Pareceres contrários à importação de camarão
Creio que os links que você indicou são os instrumentos legais que poderiam ser acionados no processo, mas ainda não a sua aplicação concreta ao caso em pauta. Você bem lembrou que o Equador proibiu a importação de camarões e seus produtos. Neste caso, seria aplicável o mecanismo diplomático de “reciprocidade” pelo governo brasileiro. Mas tal mecanismo de bloqueio afetaria apenas o Equador, e não outros países. Ou se pretende proibir a importação pelo Brasil de crustáceos de todo e qualquer país do mundo? O Equador seria o foco atual da desejada proibição de importação. Interessante que no jornal “O Estado de São Paulo” de hoje, domingo 9 de abril, eles alegam não pretender concorrer com o vannamei do Brasil, mas sim fornecer camarões para o segmento gourmet, com tamanho 2,5 vezes maior que o produzido no Brasil. Caso tais camarões estejam tratados por calor para inativação de vírus e bactérias, poderiam ser importados? Em conclusão, concordo inteiramente com a sua conclusão de que “Enfim, o que está em jogo, não é uma questão técnica e sim, puramente comercial e política”.
De: Marcio Bezerra
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Assunto: Re: Pareceres contrários à importação de camarão
Dentro de minhas limitações com relação ao tema, vou tentar responder aos seus questionamentos:
1)Neste caso, seria aplicável o mecanismo diplomático de “reciprocidade” pelo governo brasileiro? Entendo que na teoria não deveria haver “mecanismo diplomático de reciprocidade” por se tratar de um tema com questão técnica e jurídica definida no Brasil e no Equador, todavia como nosso consenso é que isso está sendo uma decisão “comercial e política”, o setor está em apuros, já que temos um Ministro inconsequente que muito provavelmente deve estar sendo “muito bem motivado” não só por alguns técnicos do “seu MAPA”, mas também pela Associação Brasileira de Restaurantes (ABRASEL), autora da solicitação de abertura de importação.
2) Mas, tal mecanismo de bloqueio afetaria apenas o Equador, e não outros países. Ou se pretende proibir a importação pelo Brasil de crustáceos de todo e qualquer país do mundo? O mecanismo afeta apenas ao camarão equatoriano, porque as solicitações de importações são individuais por país junto ao MAPA, entretanto entendo que a justificativa se aplicaria a qualquer caso que esteja pleiteando o mesmo pedido, e existem vários outros, inclusive da Ásia.
3) Eles alegam não pretender concorrer com o vannamei do Brasil, mas sim fornecer camarões para o segmento gourmet, com tamanho 2,5 vezes maior que o produzido no Brasil. O Brasil está sendo alvo de vários produtores de pescado do mundo. Não se engane, já somos há tempos o maior importador de pescado da América Latina e comer pescado “dos outros”, é cada vez mais normal. O setor produtivo daqui está cada vez mais a ver navios.
4) Caso tais camarões estejam tratados por calor para inativação de vírus e bactérias, poderiam ser importados? Prefiro não opinar sobre esse tema por limitação técnica, apesar do Código Aquático indicar as medidas mitigadoras como cocções e tratamento químicos para minimizar os riscos em casos de importação de pescado cru e congelado. Entendo que este não levou em consideração que essa é uma área pouco estudada e que apresenta resultados com metodologias muito controversas, já que existem inúmeras possibilidades de patógenos e suas variações, que com o passar dos anos, poderão desqualificar esses protocolos nas indústrias que nem sempre estão preparadas para esse processamento. Qualquer país que você visitar, verá que é prática comum as despescas emergenciais que precisam de urgente beneficiamento para “salvar” o rendimento do camarão todo. Na prática real do dia a dia, uma série de procedimentos são desconsiderados e o produto vem “do jeito que deu pra fazer” e aqui não haverá condições de se monitorar isso. Enfim infelizmente, o cenário aponta para mais um capítulo da carcinicultura nos tribunais desse Brasil, já que, de forma inoportuna, a atitude de um Ministro “laureado” por sua técnica, não compreende que o Brasil pode não ser um potência no pescado, mas detém um mercado que muitos estão mirando e que precisa de regulação quando o assunto transversaliza sobre ele. Desdobramentos negativos de impacto econômico, social, ambiental e sanitário sobre um país e um setor produtivo, que mesmo em completo esquecimento e descaso do poder público, ainda consegue gerar de forma relevante empregos e transformar muitas realidades em nosso Nordeste brasileiro. Se pela canetada inconsequente do Ministro, vão esquentar (cozinhar) o camarão pra tentar entrar, acredito que os tribunais também “esquentarão” nessa discussão.
De: Lissandra Souto Cavalli
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Assunto: Re: Pareceres contrários à importação de camarão
Prezados, parabéns. Belo debate! Ao ler as argumentações, surgiu uma questão: sendo o Brasil signatário das “recomendações” da OIE e dos tratados que ali são celebrados, esses tratados têm status legal (nas devidas proporções – não ferindo a constituição). Assim, não é possível que tenham força apenas de recomendações, mas sim, elas devem ter influência sobre as decisões que dizem respeito a defesa sanitária. Estou enganada?
De: Marcio Bezerra
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Assunto: Re: Pareceres contrários à importação de camarão
Existem variáveis que estão alheias aos “olhos e tentáculos” da OMC e da OIE como, por exemplo, as questões ambientais mais complexas de relação entre a aquicultura e o meio ambiente (com suas múltiplas utilidades de uso), a aquicultura e a sócio-economia, a aquicultura e os marcos normativos federais e constitucionais de um país etc. É flagrante que a possibilidade do Brasil declinar no ato da importação vai muito além das recomendações da OIE e OMC. E conservando nossa soberania nacional, poderiam de forma precisa colocar um ponto final nisso. Tive acesso à Análise de Risco de Importação do Governo Brasileiro sugerindo a autorização da importação do camarão equatoriano, desde que os exportadores assumam os requisitos zoosanitários ali descritos. Uma das considerações feitas na análise é que um dos grandes riscos é exatamente onde a OIE e a OMC não teriam o seu “alcance recomendativo”, nessa hora, a responsabilidade do representante legal de nosso país deveria agir para garantir os direitos daqueles que prezam pela soberania nacional, suas regras e suas particularidades, todavia o Governo, pra variar quando o assunto é aquicultura, demonstra estar preocupado com outra coisa.