De: Luiz Henrique S. Peregrino
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Assunto: Novo conceito de produção para carcinicultura no Brasil
No último dia 3 de maio, a Camanor Produtos Marinhos Ltda. obteve excelente resultado zootécnico, testando um novo conceito na produção de camarão cultivado, que poderá revolucionar a atividade de carcinicultura no Brasil. Os testes foram realizados na Fazenda Cana Brava em Canguaretama/RN. Foram conduzidos em dois tanques de fibra (T1 e T2), com capacidade de 40 m³ cada, e seguiu os conceitos de um sistema de produção através de bioflocos, porém, conectados a um sistema de recirculação, capaz de reciclar os excessos de nutrientes, tornando a água apta para reutilização nos tanques em um processo contínuo de drenagem, reciclagem e retorno, 24 horas por dia, com zero de descarte de água ou resíduo para o meio ambiente. Este protótipo de teste seguiu à risca, porém em uma escala menor, o novo modelo de projeto e conceito de produção que será implantado pela Camanor em um futuro bem próximo e serviu como prova de fogo do funcionamento deste novo sistema. Os tanques foram povoados com uma densidade média de 300 camarões/m³, dando um total de 12.000 animais em cada tanque e ao final do ciclo de produção, conseguiu-se despescar uma produtividade de 4,0kg/m³ (T1), com animais de 10,5g de peso médio e 3,74 kg/m³ (T2), com animais de 11,4g de peso médio e com sobrevivências finais de 127% (T1) e 110% (T2). A Taxa de Conversão Alimentar em ambos os casos foi de 1,4:1. Comparado com a produtividade média do sistema tradicional, que gira em torno de 0,15 a 0,20kg/m². Este novo conceito conseguiu atingir cerca de 20 vezes mais produtividade. Além da alta produtividade, um ponto que chamou atenção ao final da despesca, foi quanto à limpeza dos tanques, que não apresentavam nada de resíduos, provando que além de tudo o sistema pode ser considerado autolimpante. Vale salientar que os testes foram conduzidos em uma área afetada pela Mancha Branca (WSSV), que está causando grandes perdas produtivas na região, porém, os animais não foram atingidos, mesmo sob uma altíssima densidade de estocagem, prova de que o novo sistema, além de não descartar nenhum resíduo para o ambiente externo, por ser fechado, ainda consegue manter o ambiente interno em total equilíbrio, proporcionando maior conforto aos animais, que se mostraram extremamente sadios durante todo o cultivo. Com relação à sobrevivência, nós solicitamos ao laboratório 12.000 pl’s (300 animais/m³), mas sabíamos que havia o risco maior de vir uma quantidade a mais ou a menos de pl’s, devido ao fato de ser mais difícil para o laboratório precisar a estimativa volumétrica das amostras, pela quantidade total ser pequena (apenas 12.000 animais). Após 15 dias de cultivo, percebemos que a quantidade de animais estocados, provavelmente tinha sido maior que a solicitada, tendo em vista o controle do consumo de ração pelas bandejas. Assim que liberamos a ração pelo consumo tivemos a certeza da estocagem a mais, pelos consumos diários serem sempre acima de 100%. Considerando a nossa tabela de alimentação como referência mantivemos a alimentação liberada em função do consumo nas bandejas. Durante o cultivo não tivemos nada de mortalidade, a não ser os animais retirados semanalmente para realização das análises presuntivas e biometria. Pelos consumos de ração que tivemos do início ao final do cultivo, posso estimar uma mortalidade entre 3 e 5%, não mais que isso. Neste caso um dos tanques terminou com densidade aproximada de 381 animais/m³, bem além do inicialmente projetado, mesmo assim o sistema funcionou bem estável e isso foi que interessou para nós.
De: Alexandre Alter Wainberg
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Assunto: Re: Novo conceito de produção para carcinicultura no Brasil
Existe uma clara tendência mundial para a adoção dos sistemas super intensivos, uma vez que os sistemas extensivos e semi intensivos não têm se mostrado viáveis fora da América do Sul. O Equador é uma demonstração de que toda regra tem sua exceção e bate recordes de exportação com sistemas semi intensivos. O Brasil parece pender para o modelo asiático, uma vez que não temos os custos e a legislação ambiental equatorianos. No entanto, o sistema ainda é novo e suas implicações não estão totalmente compreendidas. A própria alegada “biossegurança” está em xeque devido a mais nova doença, a EMS que tem devastado o sudoeste asiático. O CP Group, cujo diretor técnico Robins Macintosh palestrou na Fenacam 2011, perdeu milhões nos primeiros três meses deste ano em suas fazendas “plastificadas”, e a Tailândia está promovendo um vazio sanitário de dois meses nas regiões atingidas pela EMS. O sistema não é uma panaceia para todos os problemas O teste em tanques e viveiros pequenos são importantes para entender o funcionamento da produção no sistema, mas sua pequena escala esconde certos requerimentos que certamente serão fundamentais em tamanho comercial. Vejamos alguns, pois com certeza estarei esquecendo um ou outro: (1) Uso de pl’s SPF (só existe um fornecedor nacional); (2) Rações específicas e/ou complementares (grain feeds) para influir na ralação N:P; (3) Viveiros pequenos, forrados de plástico (em alguns casos com sistema para dreno de gases subterrâneos) e com sistema de retirada de sólidos; (4) Tratamento de toda água aduzida com crustacidas para matar os portadores dos vírus e decantação por mais quatro dias para matar os vírus livres na água (requer reservatórios); (5) Tratamento e reaproveitamento dos efluentes, pois a água descartada é mais segura e barata que a água nova (mais reservatórios); (6) Adoção (preferencialmente) de sistemas de duas fases com o uso de berçários intensivos em estufas; (7) Layout modular das fazendas para isolar focos de doenças com sistema de distribuição de água também de plástico; (8) Barreiras físicas para animais (pássaros, caranguejos, etc.); (9) Adoção de procedimentos restritos de biossegurança do estoque cultivado, veículos, pessoal, equipamentos e materiais; (10) Equipamentos de suporte, tais como bomba de despesca, alimentadores automáticos, etc. (11) Laboratórios de diagnose de patologias de camarão capazes de dar resposta rápida às necessidades dos produtores que adotarem o sistema; Na minha opinião, o sistema requer uma escala de investimento e tamanho inviáveis para conversão dos pequenos e médios produtores brasileiros, a não ser em sistema de integração tipo Sadia, que é a maior roubada. Talvez o seu uso nos sistemas de berçário seja mais viável e acessível a todos.
De: Mauricio Emerenciano
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Assunto: Re: Novo conceito de produção para carcinicultura no Brasil
Interessantes as colocações. Para ter o sistema na “íntegra” com certeza devem ser adotados procedimentos/manejos como cita o colega Alexandre Wainberg, além de outros mais. Com certeza o sistema não é para “amadores”. O sistema requer conhecimento de ecologia microbiana, melhores layouts, equipamentos ideais e investimentos em treinamentos e capacitação, fora o que menciona o colega. Gostaria só de acrescentar que também houve fazendas na Ásia em zonas de EMS que adotaram o sistema de bioflocos e não tiveram problemas. Segundo especialistas, um dos vetores do EMS é o Víbrio parahaemolyticus (ou linhagens deste). Mas possivelmente o sistema (quando bem manejado), poderia diminuir o potencial patogênico do mesmo, ou controlar sua população. Para corroborar esta informação, vimos uma tendência muito parecida em trabalhos que realizamos em conjunto com uma equipe do México (UAM; trabalho submetido), onde os microorganismos do bioflocos controlou bactérias com potencial patogênico (Vibrios sp., Aeromonas sp.) ao longo de 14 semanas. Primeiro houve um aumento nesta comunidade e depois um controle desta população por bactérias com potencial probiótico (ex. Bacillus sp, etc), todas “nativas” do sistema. Com certeza, ainda há muito por fazer, estudar, pesquisar, mas acredito muito no sistema. Não é a toa que muitas fazendas na Ásia, no México (em zonas afetados pela WSSV), entre outros lugares, seguem investindo e aplicando o sistema. E importante: obtendo lucros. Mas prudência e coerência são palavrinhas importantes.
De: Alexandre Alter Wainberg
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Assunto: Re: Novo conceito de produção para carcinicultura no Brasil
Pelo menos no que concerne a tecnologia BFT as universidades estão, pela primeira vez, à frente do setor privado. Espero que os empresários decididos pelo sistema reconheçam o óbvio e interajam com os grupos de pesquisa e não tentem inventar a roda, por si próprios.
De: Bruno Scopel
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Assunto: Re: Novo conceito de produção para carcinicultura no Brasil
Entre o que foi colocado, gostaria de saber a opinião sobre: (1) Qual a real necessidade da utilização da lona? Com certeza a utilização de viveiros forrados traz diversas vantagens, principalmente em relação à biossegurança, eliminando o contato água/solo. Mas, será que em fazendas que não foram contaminadas severamente por vírus teria a necessidade de forrar totalmente os tanques? Já que o sistema em si, se bem manejado, é um excelente probiótico, será que a utilização da lona é tão necessária? Segundo algumas informações e fotos que tenho visto na Ásia, os viveiros em sistemas mixotróficos/bioflocos são sem lonas ou semi-lonados (só nos taludes para evitar erosão). (2) O grain-pellet é um promotor de crescimento bacteriano, já que a relação C/N é elevada. Mas, é só uma estratégia de produção, não sendo obrigatório seu uso, já que o melaço pode fazer este papel de elevação da relação C/N. (3) As larvas SPF são larvas certificadas, produzidas em estruturas altamente biosseguras, entretanto quando elas saem do laboratório, deixam de ser SPF. Mas, isto não isenta que larvas produzidas em laboratórios tradicionais também sejam livres de patógenos. Larvas não certificadas como SPF, mas com boa qualidade, também vão bem no sistema BFT, não sendo uma obrigatoriedade a utilização delas. (4) Muito se fala em viveiros pequenos (<1 ha), oque facilita o manejo e principalmente a dinâmica da água evitando pontos anaeróbicos no fundo. Mas, não existem maneiras de aproveitar os viveiros grandes também? Alguém já tentou? A utilização de conceitos básicos de biossegurança é premissa básica de qualquer sistema aquícola. Não há como levar um cultivo superintensivo “nas coxas”, há muito risco nisto. Mas, alguns conceitos levantados que talvez nem sejam obrigatórios, o problema é que ninguém tentou ainda para afirmar.
De: Ricardo Y. Tsukamoto
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Assunto: Re: Novo conceito de produção para carcinicultura no Brasil
Todo sistema intensivo ou superintenso de cultivo tem alto custo de implantação. E, por isso, não pode correr o risco de algum fator conhecido – mas “conscientemente” renegado – poder levar à destruição do empreendimento de uma hora para outra. Num sistema com alta densidade de animais, o maior fator de risco para a sobrevivência do empreendimento está na ocorrência de doença incurável, causada principalmente por vírus – para os quais não existe antibiótico ou medicação. Certos vírus permanecem no ambiente muito tempo após a ocorrência da doença. Com isso, o vírus pode permanecer viável escondido e protegido entre as microscópicas partículas de argila do solo. Por anos. Em peixes salmonídeos, existem vírus em que uma única ocorrência da doença numa criação é razão sanitária para banir permanentemente a aquicultura ali – uma vez que não se pode eliminar com certeza o vírus do fundo de terra. No caso do camarão, o vírus poderia teoricamente ficar abrigado inclusive num cisto de resistência de algum microcrustáceo local (copépode, cladócero, e outros). Em síntese, o motivo é impedir que qualquer doença incurável chegue ao cultivo intensivo ou superintensivo. Pois se chegar, pode ser o caminho do fim para o empreendimento. Para atingir tal meta são tomadas as ações que você está questionando. Por exemplo, o isolamento do espaço de cultivo (pela lona) permite ações profiláticas de controle de enfermidades (por não haver argila para abrigar os organismos patogênicos). Tal isolamento também serve para impedir a acidificação da água de cultivo pelo solo tipicamente anaeróbio e com sulfeto do litoral. O uso de estoque SPF – tanto em camarões como em peixes – traz uma garantia de que tais animais foram gerados e criados num sistema controlado, o que minimiza ao máximo possível, o risco de ocorrência de alguma doença grave. Em contraste, se alguém adquire larvas, PL ou alevinos de alguma fonte não controlada, não tem nem como medir o risco de trazer a doença para o seu empreendimento. Um outro aspecto importante, e que você não mencionou, é o tratamento de esterilização para toda a água usada para abastecer os tanques do empreendimento. Pois os vírus entrarão no cultivo pela água, se outras fazendas na região estiverem contaminadas. Lembro quando o Alexandre Wainberg alertou, nesta lista, que estava esperando sua fazenda de cultivo extensivo, ainda sã, ser afetada em breve pela água contaminada vinda de fazendas contaminadas no mesmo estuário. Supondo que você estivesse montando um experimento inicial na universidade, para testar a tecnologia sem gastar, poderia até prescindir de tais cuidados num experimento preliminar. Pois se der errado, no espaço experimental se pode até jogar tudo fora e começar de novo. Mas essa é uma possibilidade que não existe num empreendimento comercial. Ali, errou, morreu. Em conclusão, um empreendimento comercial não pode conscientemente ignorar o mandamento do “Vai que…”, pois as consequências são permanentes. Da mesma forma que alguém que opta por um consultório não-qualificado para fazer lipo-aspiração, ao pensar que, afinal de contas, é uma cirurgia tão simples…
De: Sérgio Winckler da Costa
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Assunto: Re: Novo conceito de produção para carcinicultura no Brasil
Ricardo, suas colocações são perfeitas principalmente pensando no vírus da Mancha Branca onde deve-se trabalhar com a exclusão do vírus do sistema de cultivo. Reforço também que o revestimento do fundo é indispensável no caso de viveiros com fundo de areia, muito permeáveis, quando se pensa na biossegurança, pois deve-se evitar a reposição de água durante o cultivo.
De: Bruno Scopel
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Assunto: Re: Novo conceito de produção para carcinicultura no Brasil
Ricardo, muito obrigado pelos comentários. A minha preocupação é a mesma que a sua, pois vejo muita vontade em intensificar e pouca preocupação em entender a complexidade da intensificação e a biossegurança. Ajudei a montar e manejar um protótipo de um sistema bioflocos em uma fazenda que tinha 100% de mortalidade devido a mancha branca. Todos os procedimentos citados pelos amigos foram implementados. Os resultados foram muito bons, apresentarei na Fenacam. Mas foi apenas um protótipo de 400m2. Houve um recuo dos produtores na hora de ampliar para viveiros maiores, mesmo com os bons resultados. Afinal fazer o sistema em tanques de 2, 3, 4 hectares o buraco é mais embaixo. Tanto em investimento, quanto em manejo. Sendo assim, qual será o caminho para os grandes viveiros do modelo brasileiro?