De: Newton Rodrigues
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Assunto: Pangassius
Essa semana conversei com o pesquisador do CIRAD Jérôme Lazard sobre a produção de Pangassius. Sabemos que ele esteve no Vietnã algumas vezes e os franceses participaram ativamente do desenvolvimento do protocolo de reprodução da espécie, da sua domesticação. Informações que ele me passou e que achei interessantes: o Pangassius criado com ração é inteiramente exportado; o Pangassius criado com fertilização orgânica é consumido no país; toda a cadeia do Pangassius se organiza em uma área em que os pontos mais distantes estão entre 100 e 150 km entre si; a criação do Pangassius que é exportado se dá por empresas em que muitas têm gestão familiar, mas que emprega outras pessoas que não são da família; e, a cadeia possui poucos elos no local – Produtor > processadora > comercialização para exportador.
De: Minoru Nagayama
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Assunto: Re: Pangassius
Qual a mágica chegar aqui a R$ 2,00 o filé? A baixíssima carga tributária vietnamita, legislação trabalhista inexistente, custo de frete ridiculamente baixo, juros para financiamento em patamares internacionais. Clima favorável, água abundante. Além disto, eles só pensam em mega escala. Tente comprar qualquer coisa no sudeste asiático, eles logo começam a falar em um container fechado (20 ton.). Por causa da mega escala, a margem de lucro que eles utilizam é extremamente baixa, acredito que o produtor receba algo em torno de 20 ou 30 centavos por kg. Os pagamentos são adiantados e a produção só começa depois de pago 50% do valor da mercadoria encomendada. Depois da mercadoria pronta, antes do embarque o comprador precisa depositar o restante do valor do produto. Sem pagamento, não há embarque. Enfim, baixos impostos, baixos salários, baixa margem de lucro, inadimplência zero, estoque zero, são fatores que ajudam bastante a reduzir os custos de produção e exportação.
De: Sergio Zimmermann
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Assunto: Re: Pangassius
Talvez ainda mais perigoso que o panga, sejam os subsídios da tilápia da China (onde também morei alguns anos implantando projetos de tilápia). Como o custo de produção da tilápia Chinesa é tão baixo se 80% da produção é realizada em áreas mais frias que o Rio Grande do Sul, e a cadeia produtiva pára por quatro meses? Os governos do Vietnã e da China são muito agressivos em termos de competição internacional com qualquer produto que tenha economia de escala, algum consumo interno e se mostre exportável. Aí tem todo o apoio político e cientifico (às vezes até de forma ilegal como o retorno do exportado em isenção de impostos). Essa é a situação da Ásia como um todo, devemos aprender com eles. O Brasil em termos de aquicultura ainda é um país muito novo, tímido, modesto, dependente do baixo preço dos grãos e da nossa pródiga natureza para termos alguma competitividade lá fora ou evitar que produtos semelhantes acabem com a nossa produção para o mercado interno. Porém, teremos de nos profissionalizar e mudar nossas políticas e práticas protecionistas se quisermos nos manter competitivos.
De: Ricardo Y. Tsukamoto
De: Ricardo Y. Tsukamoto
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Assunto: Re: Pangassius
Sempre fiquei intrigado com o mérito dos chineses em conseguir criar tanta tilápia em um clima tão frio. Se fosse nos países do sudeste asiático, com um clima mais quente e ameno, até se entenderia a supremacia da tilápia. E a minha admiração ficou ainda maior com a rápida recuperação da indústria da tilápia na China após o inverno devastador de alguns anos atrás. Tal patamar de competição mostra como somos amadores, tanto em nível de estratégia governamental, de infra-estrutura, de carga tributária e na cadeia produtiva.
De: Sergio Tamassia
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Assunto: Re: Pangassius
A minha opinião é que, além deles disporem de peixes muito interessantes, como o panga e a tilápia, eles têm vietnamitas e chineses por lá, eles têm governo vietnamita e governo chinês por lá, ao passo que aqui temos brasileiros e governo brasileiro! É apenas esta diferença, pois ao que tudo indica, lá eles acreditam que o consumidor maravilha comprará o peixe maravilha se, e somente se, o preço for atrativo ao consumidor e não ao vendedor; eles dispõem de apoio governamental para elaborar programas de desenvolvimento e continuar apoiando estes programas por vários anos; eles dispõem de pesquisa e principalmente de “extensão rural” comprometida com estes programas governamentais (políticas públicas e não programas político-partidários dos de plantão); eles organizam as cadeias produtivas sob a batuta do governo que aplica uma política pública de longa duração e não como aqui que vai ao sabor dos interesses da “assistência técnica empuroterápica”; eles não acreditam que qualquer um, independente do tamanho e da escala, pode exportar de maneira competitiva; eles não acreditam que vão ficar ricos em função dos programas político-partidários dos de plantão; eles não acreditam que com um canetaço tudo se resolve….etc..
De: Francisco Leão
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Assunto: Re: Pangassius
Eu não seria tão simplista. Nós produtores ainda estamos a anos-luz de distância do conhecimento necessário para a produção eficiente. Ainda existe uma grande distância entre o conhecimento gerado na academia e a transferência para o campo. Tenho visto projetos gigantescos com falhas gravíssimas estruturais e que a gente vê depois “o bicho pegando”. Depois, China e Vietnã têm subsídio pesado em cima da produção de interesse nacional. Portanto, acho que eles estão exportando subsídio, daí o preço tão baixo. Finalmente, da forma que você coloca a questão, só falta você querer que o governo também dê a comida na boca do peixe. E isto não acontecerá jamais. Todos aqui da lista sabem da minha opinião sobre a criação do MPA, a qual, por educação e respeito aos profissionais do ministério, eu discuto apenas nos e-mails privados. Intervenção do Governo não resolveu o problema da agricultura, da integração racial, da discriminação racial, da integração nacional e eu vou parando por aqui porque são 35 ou 36 ministérios. Dá para concluir que o governo também não vai resolver o problema da pesca e da aquicultura. Se eu tivesse que resumir em uma palavra a problemática da aquicultura do oriente versus a do Brasil, seria EDUCAÇÃO! Acho que ainda faltam uns 2000 anos para nós começarmos a pensar como eles. Esta é a diferença. Eles são supremamente objetivos enquanto que nós somos latinos! É isso!
De: Sergio Zimmermann
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Assunto: Re: Pangassius
Sobre o fato dos chineses produzirem em clima tão frio ou pior que o nosso do sul, é que durante os meses de verão o clima é extremamente quente como o nosso, ou talvez até mais quente, tanto que a principal causa de mortalidade por lá é o Streptococcus spp. quando a água passa dos 31oC (chega facilmente aos 34 ou 35oC). Isso ocorre de junho a setembro no pico de crescimento, mas como o clima é subtropical, existem as frentes frias todo o ano e a temperatura da água cai facilmente aos 17-20oC, mesmo durante o verão quando as frentes frias forem persistentes. As temperaturas no hemisfério norte são bem mais baixas para uma mesma latitude, então apesar de 90% das larviculturas se localizarem na “ilha tropical de Hainan” (mesma latitude de Vitória, ES), peguei vários dias com 10oC no ar e 13oC na água, lembrando muito as temperaturas de Floripa. Tanto é verdade, que a reprodução fora de estufas é realizada somente em 8 meses do ano, e a maior parte dos cultivos, apesar de ficarem em latitudes semelhantes a São Paulo e Paraná, apresentam um clima de Uruguai ou Argentina Central. Uma percentagem significativa dos produtores usa o cruzamento de Nilótica com Áurea para evitar as mortalidades devido às frentes frias fora de época e para tentar manter os animais por mais tempo possível ao longo do inverno (escalonar colheitas). Quanto aos comentários do Ricardo, é curioso que mais de 80% da tilápia produzida no mundo seja cultivada justamente em clima subtropical ou temperado (Egito, sul do Brasil ou no norte da Tailândia). Portanto, não é de se estranhar que a cada dez anos ocorram 2 ou 3 “invernos devastadores”. No caso da China, o devastador não foi tanto em animais grandes, pois o frio foi em dezembro e janeiro, e a safra havia sido praticamente toda colhida. O prejuízo maior foi na produção de juvenis (também em estufas) da próxima safra, atrasando a estocagem e ocasionando um vazio momentâneo de 4 a 5 meses. Houve também perda de reprodutores até mesmo nas estufas de Hainan, onde a temperatura da água chegou aos 8oC em viveiros próximos ao mar. O ano novo chinês que se comemora em fevereiro, representa o final do inverno e coincide com o início da maior demanda de alevinos (tem um pico de consumo em maio, e no caso de Hainan um segundo pico em outubro para uma segunda safra de inverno). As vendas de alevinos praticamente param de outubro a fevereiro. Com um período de cultivo fora de estufas de 8-9 meses (depende da área em questão), o ganho de peso já não é tão importante, mas sobrevivência sim (neste caso influi muito na conversão), bem como o rendimento de filés (preço do lote em algumas integrações). Algumas empresas investem pesado em melhoramento no ganho de peso para colocar os animais mais cedo no mercado, e outras investem no melhoramento da Áurea para tolerância ao frio e salinidades elevadas em viveiros de camarão (policultivo) e no cruzamento com a Nilótica para aumentar o rendimento de filé, velocidade de crescimento e vigor híbrido. Não é raro ver na China uma boa parte da cadeia produtiva da tilápia (larviculturas, processadoras ou mesmo engordas) trabalhando somente 6 a 8 meses ao ano e no resto do tempo serem convertidas a outra atividade ou simplesmente manter 80 a 100% da estrutura ociosa. Isso também é possível porque as leis trabalhistas (que existem e são semelhantes às nossas) raramente são cumpridas por todos, e acabam viabilizando essa situação de ineficiência. O mencionado elevado patamar de competição dos chineses acaba sendo uma soma de economia de escala com uma série de estratégias governamentais sem intenção de serem subsídios (baixos custos de aluguel de terras, auxílio na construção de viveiros, energia elétrica a preço de custo), organização dos pequenos produtores em gigantescas associações compounds com mega benefícios no custeio da safra, um enorme poder de negociação de insumos dos compounds com assistência técnica gratuita (do governo ou dos fornecedores pressionados pela competição), além de uma carga tributária favorável (às vezes até desleal, pois a cada 10 dólares exportado retorna 1 dólar em impostos – isso não é aceito pela OMC, pois seria baixar artificialmente 10% do valor do produto). Também se nota um enorme poder dos atravessadores (novos empresários oportunistas que fazem a complicada ponte entre os consumidores finais e os produtores de insumos). Por exemplo, uma larvicultura grande que produza mais de 100 milhões por ano em alevinos, vende cerca de 90% da produção para somente 6 ou 7 atravessadores poderosos – às vezes parte do próprio governo local – e que juntos praticamente ditam os preços e as margens dos principais fornecedores. Desta forma, promovem uma constante competição, somando os beneficiados de uma enorme economia de escala e o contentamento de uma margem pequena em cada degrau da cadeia produtiva. Finalmente, outro fator de importância é que a China colhe em média animais de 8 meses com 600 gramas, e que somente 20% do total são exportados, ou seja, as processadoras compram a baixos preços um “subproduto do mercado interno” que indiretamente acaba também subsidiando as exportações. Nos últimos 10 anos, vendo a tilapicultura na China, fica bem claro que existe uma globalização da atividade também por lá. É marcante o subsídio disfarçado e a tendência ao aumento dos custos de produção pelos aumentos de salários, valor dos insumos (especialmente a ração que é 10% mais cara que aqui), bem como da margem de lucro dos atravessadores privados que cada vez é maior. Porém, ainda estamos muito longe da competência em se produzir com preços baixos, típica no continente Asiático.
De: Sergio Tamassia
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Assunto: Re: Pangassius
Pode ter até protecionismos, mas pelo e-mail do Zimmermann parece que a estória poderia ter muitos outros componentes E um deles, infelizmente, é que parece que eles têm eficiência produtiva com muitos ganhos de escala e uma governança positiva. Aí a coisa fica difícil. Talvez somente a intercessão do “todo poderoso” possa resolver o problema da aparente ineficiência que parecem ter incorporado em seu espírito mais profundo os cultivos de fora da China, e do panga fora do Vietnã. Se eu já tinha dúvidas se o papel do SEAP/MPA era o de organizar os trenzinhos da alegria para percorrer o mundo vendendo ilusões sobre os peixes maravilhas nativos, que praticamente existem somente no papel, eu tenho certeza que o papel do MPA não é cuidar de equilíbrios de preços de commodities em mercado internacional. O MPA ainda é uma criancinha, não chegou nem na fase da “aborrecência”. Mas, com certeza, o MPA deveria é cuidar com muito mais zelo das questões que levam a produção nacional a apresentar estes custos “meio irrealistas em relação aos produtos concorrentes”. Deveria formular políticas e operacionalizar fontes de recursos que permitam desenvolver bases para uma cadeia produtiva nacional desde o ovo até a mesa, a preços competitivos (como fazem o Panga no Vietnã e a Tilápia na China). Se o que é atributo do MPA, este parece que ainda está deixando muito a desejar, imagine ele partir para tratar de relações comerciais internacionais. Isto não é assunto para criancinha. É coisa de gente grande.
De: Francisco Leão
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Assunto: Re: Pangassius
Não acho que seja um problema tão simples, nem que o governo seja culpado de tudo. Também não acho que um ministério a mais vai resolver o problema que, antes de tudo, é uma questão de atitude de todos os membros da cadeia. A cadeia não está montada. O piscicultor não sabe o que fazer com o peixe produzido (vender com lucro) porque não sabe fazer conta. Quem está “dando certo” é quem entrega o peixe ao consumidor final ou atacado, principalmente os que verticalizaram a cadeia. Mesmo assim, alguns “verticais” de vez em quando balançam! O resto é como eu: vende pra pesqueiro por comodidade ou por falta de educação empresarial. Não adianta colocar a culpa só no governo. Cada um tem que assumir a sua parte nesta equação.
De: Ricardo Y. Tsukamoto
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Assunto: Re: Pangassius
Caro Sérgio Zimmermann, muito obrigado pelos interessantíssimos esclarecimentos! Você mostrou que o famoso mote brasileiro de “país abençoado por Deus” de nada serve para ter competitividade no mundo globalizado. Ser organizado em nível privado e governamental se tornou muito mais importante do que ter as condições favoráveis de território amplo disponível, água abundante, clima quente, soja na porta, e outros. Nas últimas duas décadas, o Brasil vem regredindo a qualidade de sua exportação, só conseguindo vender produtos primários aos outros países. Até a soja agora só é exportada bruta, em grão, quando antes se exportava seus produtos processados (óleo, farelo). Será que a acirrada competição lá fora na área aquícola fará o Brasil aposentar os sonhos da tilápia para exportação, além de crescer como grande importador de peixes (merluza, salmão, tilápia, pangasius e outros)? E a piscicultura brasileira, se destinará a abastecer os mercadinhos locais?
De: Itamar Rocha
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Assunto: Re: Pangassius
Caro Sérgio Zimmermann, parabéns pelas informações e colocações sobre as condições da produção de tilápia na China. Apenas quero aproveitar o ensejo, para acrescentar que no tocante às exportações, o diferencial de competitividade tem como base: a carga tributária, a política cambial e trabalhista, nada que os produtores brasileiros não possam conseguir, desde que superem suas crônicas dificuldades de se organizarem, no contexto de toda a cadeia produtiva. Não precisa procurar exemplos de fora, basta seguir os exemplos de frango, suíno e bovino, que juntos participam com 34% do trading mundial de carnes!!!! É evidente que o mercado interno, desde que protegido das investidas de produtos oriundos de países que efetivamente apóiam seus produtores, apresenta condições excepcionais para absorver a produção advinda da piscicultura. Para evidenciar a peculiaridade da situação brasileira, é suficiente a simples análise de alguns dados: o consumo interno de pescado é de 6,5kg per capita ano, enquanto a média mundial é de 17kg per capita ano. De fato, todos querem ter direito à exportação, por isso, precisamos disponibilizar aos produtores brasileiros as mesmas ferramentas de competitividade dispensadas pelos demais países aos seus exportadores, o que passa, necessariamente, por uma organização da base produtiva, que é a única forma de pressionar a classe política e os governantes.