Dentre mais de 70 espécies de tilápias, a maioria delas oriundas da África, apenas três conquistaram destaque na aquicultura mundial: a tilápia do Nilo Oreochromis niloticus; a tilápia azul ou áurea Oreochromis aureus; e a tilápia de Mossambique Oreochromis mossambicus. A estas 3 espécies somam-se os seus mutantes e híbridos, com cores variando do branco ao vermelho e, genericamente, chamados de tilápias vermelhas.
Atrás apenas das carpas, as tilápias estão entre os peixes de água doce de maior volume de produção. A pesca e a aquicultura mundial produziram 855 mil toneladas anuais de tilápia em 1990. A FAO relatou um aumento na produção de tilápias para 1,1 milhão de toneladas em 1994, ou seja um incremento de 245 mil toneladas atribuído à aqüicultura. Lovshin (1997) estimou que 800.000 toneladas anuais de tilápias são produzidas em cultivo. Esta produção se iguala à captura anual de pescado em águas oceânicas e interiores no Brasil.
Por: Fernando Kubitza
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Parte 1
Tilápia: um produto internacional
As importações de tilápias pelos países norte americanos e europeus crescem ano a ano e conferem à carne da tilápia o status de “commodity” internacional. As importações de tilápia pelos Estados Unidos podem ser usadas como um termômetro do potencial de mercado deste produto. Em 1993, os EUA importou 11,3 mil toneladas de tilápia (10% como filés e 90% como peixe inteiro congelado). Em 1996 este montante cresceu 68%, ultrapassando 19 mil toneladas, sendo 20% na forma de filés e 80% como peixe inteiro congelado. Costa Rica, Taiwan, Indonésia e Equador lideraram as exportações de filés para os Estados Unidos em 1996 (28%, 16%, 15% e 15%, respectivamente, do total importado). Taiwan detém a primazia nas exportações de peixe inteiro congelado (95% do total importado pelos EUA em 1996).
De acordo com as informações apresentadas por Fitzsimmons e Posadas (1997), os preços pagos pelos importadores de países latino americanos são ao redor de US$ 1,25/kg pelo peixe inteiro (Honduras e Costa Rica) e US$ 5,50/kg de filé FOB Miami (Colômbia). Peixes inteiros de Taiwan são vendidos entre US$ 1,45 a 1,65/kg. O mercado japonês chega a pagar preços de US$ 7,4 a 10/kg para tilápias frescas de grande tamanho e qualidade para sashimi.
Em curto prazo o Brasil pode se tornar o maior produtor de tilápia cultivada no mundo. Para abocanhar uma fatia do mercado internacional é preciso que a tilápia brasileira tenha preço e qualidade competitivos comparados aos países asiáticos e latino-americanos tradicionais exportadores de tilápias. Estes requisitos também são necessários para conquistar e dividir espaço com outras carnes no mercado interno. No sudeste do Brasil o custo de produção de tilápias em viveiros varia entre R$ 0,9 a 1,0/kg. Em tanques-rede e raceways este custo normalmente ultrapassa R$ 1,20/kg. Devido a instabilidade do Real, o autor não se atreve a calcular este custo em dólares, tarefa que fica para o leitor. No entanto, por conta da recente alta do dólar, hoje estes preços parecem competitivos para exportação. Faltam volume de produção (bastante pulverizada entre milhares de pequenos produtores), padronização da qualidade do produto e abertura dos canais para exportação.
O potencial para tilapicultura no Nordeste, principalmente em Alagoas, Bahia, Ceará, Pernambuco e Sergipe e, no Centro-Oeste, particularmente Goiás*, vem atraindo o interesse de empresas nacionais e estrangeiras. Ao contrário do Centro-Oeste, rico em soja, milho e outros grãos, grande parte do nordeste ressente da insuficiência e altos preços destes insumos, o que encarece o custo das rações. O avanço da produção de soja, milho e outros grãos em áreas como o oeste baiano, Tocantins e sul do Maranhão, aliados a investimentos governamentais em infra-estrutura para escoamento da produção (hidro, rodo e ferrovias) podem viabilizar a chegada de grãos no Nordeste a preços mais competitivos. Ambas as regiões são privilegiadas com temperaturas elevadas o ano todo e intensa radiação solar. Isto favorece a produção de plâncton (alimento de grande qualidade e baixo custo) e o crescimento das tilápias. O uso de sistemas que combinem o aproveitamento do alimento natural disponível com rações granuladas suplementares será o caminho para a produção anual contínua de tilápias com qualidade, a um custo inigualável, em volumes suficientes para o mercado interno e exportação.
Tilápias podem ser produzidas a um baixo custo. Para isto é necessário explorar a sua habilidade em aproveitar alimentos naturais e adotar estratégias adequadas de manejo nutricional e alimentar nas diferentes fases de cultivo. O presente trabalho resume as exigências nutricionais de tilápias e as estratégias de alimentação das diversas fases de desenvolvimento e sistemas de cultivo.
1. Importância da nutrição e alimentação
Em função do sistema de produção adotado, as rações podem compor 40 a 70% do custo de produção, representando o principal item de custo na piscicultura intensiva de tilápias. Portanto, uma das maneiras mais eficazes dos produtores minimizarem este custo é ajustar adequadamente a qualidade das rações e o manejo alimentar às diferentes fases de produção e ao sistema de cultivo utilizado. A adequada nutrição e manejo alimentar:
– Possibilita o melhor aproveitamento do potencial de crescimento dos peixes.
– Acelera o crescimento dos peixes, aumentando o número de safras anuais.
– Melhora a eficiência alimentar, minimizando os custos de produção.
– Reduz o impacto poluente dos efluentes da piscicultura intensiva, contribuindo para o aumento da produtividade por área de produção.
– Confere adequada saúde e maior tolerância às doenças e parasitoses.
– Melhora a tolerância dos peixes ao manuseio e transporte vivo.
– Aumenta o desempenho reprodutivo das matrizes e a qualidade das pós-larvas e alevinos.
– E, consequentemente, possibilita otimizar a produção e maximizar as receitas da piscicultura.
2. Nutrientes essenciais e exigências nutricionais das tilápias
Através dos alimentos disponíveis ou oferecidos, os animais devem obter suficientes quantidades de nutrientes essenciais de forma a garantir a normalidade de seus processos fisiológicos e metabólicos, assegurando adequado crescimento, saúde e reprodução. De uma forma geral, com algumas particularidades dependendo da espécie, é reconhecido que os peixes apresentam exigências em pelo menos 44 nutrientes essenciais, que incluem a água, aminoácidos essenciais, energia, ácidos graxos essenciais, vitaminas, minerais e carotenóides.
2.1. Aminoácidos essenciais
Os aminoácidos são unidades formadoras das proteínas, portanto de fundamental importância na formação de tecido muscular (crescimento) dos animais. Como para a maioria dos animais, os peixes necessitam de 10 aminoácidos essenciais em sua dieta. As exigências destes aminoácidos em rações nutricionalmente completas para tilápia do Nilo são apresentadas na Tabela 1.
A Tabela 2 resume alguns resultados de estudos quantificando as exigências em proteína de tilápias em diferentes fases de desenvolvimento. Sinais indicativos da deficiência em proteínas e aminoácidos são: atraso no crescimento, piora na conversão alimentar, redução no apetite e, em alguns casos, deformidades na coluna (triptofano) e cataratas (metionina).
2.2. Energia
Os animais necessitam de energia para a manutenção de processos fisiológicos e metabólicos vitais, para as atividades rotineiras, o crescimento e a reprodução. Esta energia provém do metabolismo de carboidratos, lipídios (gorduras e óleos) e proteínas. Os peixes são mais eficientes no uso da energia comparados às aves e aos mamíferos, pois não gastam energia para regular a temperatura corporal. Desta forma, grande parte da energia é utilizada para crescimento. Este é um dos fatores que explicam os melhores índices de conversão alimentar dos peixes (0,9 a 1,8) comparados às aves (1,6 a 1,9) e suínos (2,5 a 2,9).
Tilápias aproveitam bem carboidratos e gorduras como fonte de energia, poupando assim a proteína das rações para crescimento. O balanço energia digestível/proteína (ED/PB) nas rações é fundamental para maximizar a eficiência alimentar e o crescimento dos peixes. Além disso, também determina a composição corporal em gordura. A relação ED/PB em rações completas para tilápias deve variar de 8 a 10 kcal ED/g de PB. Alta ED/PB resulta em excessiva deposição de gordura visceral, reduzindo o rendimento de carcaça no processamento. Por outro lado, uma baixa ED/PB faz os peixes utilizarem proteína como fonte de energia, prejudicando o crescimento e a conversão alimentar.
O conhecimento da energia digestível dos alimentos é fundamental para a formulação de rações suplementares e completas para as tilápias. A Tabela 3 resume informações sobre a energia digestível dos principais ingredientes utilizados em rações comerciais para tilápias.
A energia digestível das rações depende da combinação dos ingredientes, da habilidade digestiva dos peixes, do grau de moagem e do tipo de processamento (peletização, extrusão seca, extrusão úmida) que determina o grau de gelatinização do amido e a destruição de fatores anti-nutricionais presentes nos alimentos.
2.3. Ácidos graxos essenciais
Os ácidos graxos são os componentes dos lipídios (óleos e gorduras). Ácidos graxos essenciais são aqueles que não podem ser sintetizados pelo organismo animal a partir de outro ácido graxo ou qualquer outro precursor. Portanto, os peixes obtém os ácidos graxos essenciais via ração ou alimentos naturais disponíveis no ambiente de cultivo.
As exigências em ácidos graxos essenciais são bastante distintas entre os peixes de clima frio e temperado e os peixes tropicais. Peixes de águas frias e temperadas, como os salmonídeos e o bagre-do-canal, bem como as espécies marinhas, apresentam exigências em ácidos graxos polinsaturados da família w-3. Os principais ácidos graxos desta família são o ácido linolênico – 18:3, ácido eicosapentenóico (EPA) – 20:5 e o ácido docosahexenóico (DHA) – 22:6. Estes ácidos graxos são bastante abundantes nos organismos planctônicos e nos óleos de peixes marinhos.
Os peixes tropicais e de água doce, como as tilápias, geralmente apresentam apenas exigência em ácidos graxos da família w-6 (ou ácidos graxos da família do linoléico – 18:2). Takeuchi et al. (1983) observou que alevinos de tilápia do Nilo necessitam pelo menos 1% de ácido linoléico (18:2) em rações completas. Esta exigência é de 2% para a tilápia azul (Stickney e McGeachin 1983).Os ácidos graxos são importantes componentes das membranas celulares e servem como fonte de energia, principalmente para as espécies carnívoras que apresentam baixa capacidade de aproveitamento de carboidratos. Os sinais de deficiência em ácidos graxos são: atraso no crescimento, redução na eficiência alimentar, podridão das nadadeiras, síndrome do choque, reduzido desempenho reprodutivo e alta mortalidade.
2.4. Minerais e vitaminas
Minerais e vitaminas desempenham papel importante na formação dos tecidos ósseos e sanguíneos, no crescimento muscular e em diversos processos metabólicos e fisiológicos essenciais para o adequado crescimento, saúde e reprodução dos animais. Embora as exigências minerais e vitamínicas dos principais peixes cultivados já sejam conhecidas, até o momento pouca atenção foi dada a este assunto na nutrição das tilápias. Uma das razões está no fato da maioria dos sistemas de cultivo destes peixes contar com a contribuição de alimentos naturais, reduzindo os problemas nutricionais devido a deficiência de minerais e vitaminas nas rações.
A recente intensificação do cultivo das tilápias em diversos países, inclusive no Brasil, utilizando tanques-rede, raceways e tanques com recirculação de água (sistemas onde a disponibilidade de alimento natural é limitada) aumentou a incidência de desordens nutricionais devido ao inadequado enriquecimento vitamínico e mineral das rações. Estes sistemas mais intensivos demandam o uso de rações nutricionalmente completas, com enriquecimentos vitamínicos e minerais próximos dos valores apresentados na Tabela 4.
Os peixes podem absorver minerais, como o cálcio, diretamente da água. No entanto, as exigências da maioria dos minerais é satisfeita através dos minerais presentes nos alimentos naturais e nas rações. Os alimentos de origem animal como as farinhas de carne e ossos e as farinhas de peixes são boas fontes de minerais. No entanto, rações completas formuladas à base de farelos vegetais necessitam suplementação adicional.
As exigências vitamínicas são satisfeitas através de vitaminas obtidas no alimento natural ou nas rações. Uma particularidade da nutrição vitamínica dos peixes é a não capacidade, da grande maioria das espécies, em sintetizar o ácido ascórbico (vitamina C). De fundamental importância ao crescimento, formação da matriz óssea e funcionamento do sistema imunológico, a vitamina C deve ser obtida no alimento natural ou na ração. Rações completas para sistemas intensivos de produção devem ser suplementadas com fontes estáveis desta vitamina (Kubitza et al. 1998).
2.5. A importância do alimento natural na nutrição de tilápias
Em ambientes naturais os peixes equilibram sua dieta, escolhendo os alimentos que melhor suprem suas exigências nutricionais e preferências alimentares. Raramente são observados sinais de deficiência nutricional nestas condições. O alimento natural dos peixes é composto de inúmeros organismos vegetais (algas, plantas aquáticas, frutos, sementes, entre outros) ou animais (crustáceos, larvas e ninfas de insetos, vermes, moluscos, anfíbios, peixes, entre outros). Em geral, os alimentos naturais explorados pelos peixes são ricos em energia e em proteína de alta qualidade (Tabela 5), e servem como fonte de minerais e vitaminas.
Estudos realizados em Israel (Gur 1997) demonstraram, com base no crescimento dos peixes, não ser necessário o enriquecimento vitamínico em rações usadas no cultivo de tilápias em viveiros com disponibilidade de alimentos naturais. No entanto a suplementação vitamínica destas rações melhorou a sobrevivência dos peixes. Em Israel, a suplementação vitamínica completa é apenas feita em rações destinadas às pós-larvas e ao cultivo em sistemas de produção mais intensivos, e em rações usadas no período de inverno e no tratamento de peixes doentes ou sob estresse.
Tilápias são eficientes no aproveitamento de alimentos naturais, notadamente o plâncton. Em viveiros com baixa renovação de água, cerca de 50% a 70% do crescimento de tilápias foi atribuído ao consumo de alimentos naturais (Schroeder 1983), mesmo com o fornecimento de ração suplementar. Este detalhe explica o menor custo de produção de tilápias em viveiros de baixa renovação de água comparado ao cultivo intensivo em tanques-rede e raceways.
Rações suplementares
A produção de tilápias em viveiros de baixa renovação de água pode ser feita de forma eficaz com o uso de rações nutricionalmente incompletas ou rações suplementares. De um modo geral estas rações não dispõem de um correto balanço em aminoácidos essenciais, possuem menores níveis protéicos (22% a 24%), maior relação energia/proteína e não são suplementadas, ou o são apenas parcialmente, com premix vitamínico e mineral.
Rações nutricionalmente completas
Estas rações devem ser empregadas em sistemas de produção onde a disponibilidade ou o acesso ao alimento natural é limitado ou nenhum. O sucesso econômico dos sistemas de produção em tanques de alto fluxo de água (raceways) ou em tanques-rede e gaiolas depende do uso de rações completas. Estas rações também são necessárias em viveiros quando a biomassa ultrapassa 6.000 kg/ha. Nas rações completas todos os nutrientes devem estar presentes de forma equilibrada e em quantidades que supram as exigências dos peixes para um adequado crescimento, saúde e reprodução. O enriquecimento em vitaminas e microminerais é completo.
3. Subsídios à formulação de rações para tilápias
Nesta seção são resumidas informações básicas à formulação de rações para tilápias em diferentes fases de desenvolvimento, produzidas em viveiros, tanques-rede e raceways.
3.1. Perfil básico das rações para diferentes sistemas e fases de cultivo
Na Tabela 6 são apresentadas sugestões sobre a composição básica, necessidade de suplementação vitamínica e mineral, forma de apresentação e tamanho dos peletes de rações para tilápias em diferentes fases de desenvolvimento, cultivadas em tanques-rede, raceways ou em viveiros com maior ou menor disponibilidade de alimentos naturais.
Sugestões quanto ao enriquecimento vitamínico em rações utilizadas na reversão sexual e alevinagem, e na recria e engorda de tilápias em viveiros ou em tanques-rede e raceways são apresentadas na Tabela 7.
Tais sugestões contemplam os conhecimentos sobre a nutrição de tilápias no mundo, bem como a experiência de profissionais familiarizados com a produção comercial destes peixes.
3.2. Restrições quanto ao uso de alguns ingredientes em rações para tilápias
Os nutricionistas de peixes vêm dedicando grande atenção aos estudos visando substituir as fontes protéicas e energéticas de origem animal (por exemplo, as farinhas e óleos de peixes) por fontes de origem vegetal, como os subprodutos do processamento de sementes de plantas oleaginosas (soja, girassol, algodão, entre outras) e amiláceas (trigo, arroz, milho, mandioca, entre outras). Também é de interesse o aproveitamento de subprodutos industriais, como os resíduos de cervejaria, leveduras, polpa de frutos e sementes, entre muitos
Comparativamente a outras espécies de peixes, as tilápias parecem apresentar maior habilidade em aproveitar estes alimentos alternativos. Rações formuladas à base de produtos de origem vegetal, com o farelo de soja como principal fonte de proteína podem ser utilizadas sem prejuízo ao desempenho das tilápias comparado ao uso de rações contendo produtos animais. Na Tabela 8 são reunidas informações sobre os níveis de inclusão de diversas fontes alternativas de proteínas de origem vegetal nas rações de tilápias.
Maiores informações sobre ingredientes alternativos para inclusão em rações para peixes podem ser encontradas na revisão de Pezzato (1995).
* Consideramos atualmente apenas Goiás e Distrito Federal, visto que o cultivo de tilápias foi proibido no Mato Grosso e nas áreas do Mato Grosso do Sul que abastecem a Bacia do Rio Paraguai (Pantanal).
Na próxima edição (n. 53) publicaremos a Parte 2 desse artigo contendo: Nutrição e manejo alimentar durante a reversão sexual Nutrição e manejo alimentar na recria e engorda Nutrição e manejo alimentar de reprodutores Conversão alimentar (CA) de tilápias
Leia também:
- Parte 2 – Nutrição e Alimentação de Tilápias – Parte II – Final – https://panoramadaaquicultura.com.br/nutricao-e-alimentacao-de-tilapias-parte-ii-final/