Um olhar sobre o mercado domiciliar de pescado do País
Por: Osmar Tomazelli Jr. – Epagri
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Letícia Mara Nicolazzi Philippi – Epagri
letí[email protected]
A produção de peixes de água doce cultivados, segundo dados estatísticos do IBGE de 2004, foi de 179.737,5 toneladas. A produção de tilápias e carpas se destacaram com produções de 69.078 e 45.169 toneladas, respectivamente. Segundo Kubitza (2005), a produção de tilápias cultivadas no Brasil provavelmente já teria superado as 100.000 toneladas/ano. Com o desenvolvimento da tilapicultura a partir da década de 90 e o seu sucesso nos mercados nacional e internacional por apresentar um filé branco e saboroso, fez com que surgissem algumas indústrias dedicadas ao processamento deste peixe, que se instalaram inicialmente no Paraná, para depois se espalhar por vários estados do País. O desconhecimento do mercado, a falta de fidelidade dos produtores para com essas processadoras e a inexperiência da maior parte dos empreendedores, foram alguns dos motivos que levaram ao sucessivo fechamento da maior parte desses estabelecimentos (Carvalho Filho, 2005).
Ainda hoje o erro mais comum cometido na implantação de processadoras de peixes de água doce, como também em outros setores, é o foco na construção da indústria e no produto a ser produzido – na maior parte dos casos o filé de tilápia, devido ao sucesso que este produto tem conquistado junto ao público consumidor. Ora, um projeto centrado no produto está visualizando somente seu centro de custos e não o centro de lucros, sendo assim o planejamento não deveria ser ao contrário? O centro de lucros está fora da empresa, no mercado formado pelos seus clientes. Segundo Peter Drucker “a primeira tarefa de uma empresa é criar clientes, e conhecê-los é primordial para que se possa entregar um produto cujo conjunto de benefícios seja superior ao conjunto de custos1 que os consumidores esperam incorrer para avaliar, obter, utilizar e descartar o produto, pois com a satisfação do consumidor haverá a repetição da compra” (citado em Kottler, 2000).
No Brasil, onde introduzir o consumidor no processo de comercialização é um grande desafio, estudos sobre características e preferências do consumidor de carnes ainda são incipientes (Gagleazzi, et al., 2002). As empresas no setor de alimentos estão enfrentando atualmente uma concorrência jamais vista. A tecnologia para desenvolvimento de produtos nunca esteve ao alcance de todos, como hoje. Os produtos se assemelham cada vez mais, com uma variedade de marcas e preços que deixam os consumidores tontos na hora de escolher o que levar para casa. Para sobreviver em um mercado cada vez mais competitivo, só há uma saída para as empresas e para o fortalecimento de cadeias de valor: o conhecimento sobre as necessidades e desejos de seus clientes.
Normalmente são publicados dados do consumo per capita de pescado, que são estimativas baseadas na produção dividida pelo número de habitantes. A revista Panorama da AQÜICULTURA efetuou os cálculos utilizando os dados do IBAMA e do IBGE para o ano de 2003, partindo da soma total de pescados produzidos, que foi de 1.142.786 toneladas. Dela subtraiu 113.722 toneladas referentes ao que foi exportado e dividiu esse valor pela população de 180.160.285 brasileiros, chegando a um consumo anual per capita de 5,71 kg.
As características dos consumidores como: alterações demográficas, atitudes, comportamento entre outras, são muito importantes como determinantes no consumo de alimentos. Além disso, as informações sobre aquisição alimentar podem apoiar o setor privado na identificação de investimentos, assim como na definição de incentivos públicos e privados (IBGE, 2003).
Este artigo tem como objetivo analisar a aquisição domiciliar de peixes no Brasil, com ênfase na Região Sul, através da análise de dados secundários oficiais2. Foram utilizados os resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE – 2002/2003, bem como outras fontes que são citadas no texto.
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Aquisição Domiciliar Per Capita
A pesquisa de orçamento familiar (POF) é uma pesquisa realizada por amostragem, na qual são investigados os domicílios particulares permanentes. No domicílio, por sua vez, é identificada a unidade básica da pesquisa – unidade de consumo – que compreende um único morador ou conjunto de moradores que compartilham da mesma fonte de alimentação ou compartilham as despesas com moradia (IBGE – POF 2002/2003).
O consumo de pescado reflete as diferenças regionais quanto ao poder aquisitivo da população, quantidade e qualidade ofertada, condições de consumo, conservação, preços, alternativas para produtos substitutos, entre outras. A aquisição domiciliar per capita anual de pescado (ou seja, aquisição por habitante do domicílio), considerando os pescados em geral, tem seu maior valor na Região Norte que é de 24,66 kg, e no outro extremo, o Centro-Oeste com 1,36 kg (Figura 1). Para peixes de água doce os extremos encontram-se na Região Norte com 17,75 kg e Região Sudeste com 0,34 kg seguida da Região Sul com 0,46 kg (Figura 2).
A aquisição domiciliar per capita anual para o Brasil foi de 4,58 kg para pescados, sudividindo-se em: 1,82 kg para pescados de água salgada; 2,12 kg para pescado de água doce e, 0,64 kg para pescados não especificados, como peixe em filé congelado, peixe em filé fresco, peixe fresco e peixe salgado.
A maior aquisição domiciliar per capita anual de peixes está na Região Norte. O Estado do Amazonas possui a maior aquisição domiciliar de pescado com 50,19 kg per capita (Tabela 1). A grande diferença entre os dados deixa claro que qualquer tentativa de expressar o consumo per capita de peixes de água doce no Brasil deve analisar esta região separadamente das demais. Devido à grande oferta de peixes dos rios da região, é a única que apresenta uma diminuição da aquisição per capita à medida que aumenta a renda familiar. É uma proteína animal abundante na região, de fácil aquisição e com preços acessíveis. O maior valor é de 26,33 kg para famílias com rendimento entre R$ 400,00 e R$ 600,00, e o menor valor de 10,96 kg para famílias com rendimento acima de R$ 3.000,00.
Na Região Sul a aquisição domiciliar per capita anual é de 1,78 kg para pescados em geral, dos quais 0,82 kg para pescados de água salgada, 0,46 kg para peixes de água doce e 0,497 kg para pescados não especificados, sendo que destes, 99,3% é de peixe fresco. Dos três Estados do Sul, Santa Catarina é o que apresenta a maior aquisição domiciliar per capita anual com 2,49 kg, contra 1,58 kg no Paraná e 1,59 kg no Rio Grande do Sul. Os peixes classificados como “outros” para Santa Catarina, cujo consumo é significativo quando comparado com o consumo dos outros Estados é de 100% de peixes frescos (Gráfico 1).
Aquisição Domiciliar Per Capita e Rendimento Familiar na Região Sul
Analisado por classes de rendimento mensal familiar, o consumo per capita de pescado aumenta conforme a remuneração mensal da família. Comportamento este, bem evidenciado para pescados de água salgada. Para os peixes de água doce ocorre uma tendência de aumento a partir do rendimento familiar de R$ 400 a R$ 600. Os “pescados não especificados” são representados na sua totalidade por pescados frescos (Gráfico 2). Para os pescados de água salgada, a partir do rendimento familiar de R$ 1.000,00 a R$ 1.600,00 mensais, há um incremento mais acentuado na aquisição domiciliar, provavelmente devido à maior oferta de produtos nos pontos de vendas freqüentados pelas famílias.
O maior aumento na aquisição domiciliar ocorre entre rendimentos de até R$ 400,00 mensais a até R$ 600,00 mensais – em torno de duas vezes. Entre o menor rendimento familiar mensal, até R$ 400,00, e o maior rendimento familiar mensal analisado, acima de R$ 3.000,00, a diferença é de 4,7 vezes. O aumento na aquisição, conforme aumenta a renda familiar, indica também o impacto destes produtos na cesta alimentar das famílias, possibilitando uma maior aquisição às famílias com maiores rendimentos.
O baixo consumo nem sempre está relacionado com o preço, mas principalmente ao hábito alimentar cultivado por gerações. Em pesquisa realizada na cidade de Pelotas – RS, com consumidores com uma dieta baseada fundamentalmente em carne de gado e frango, 69,3 % dos consumidores consideraram a carne de gado como “cara” e “muito cara”. A carne de peixe foi considerada por 60,2% como “cara” e “muito cara”. A carne de gado mesmo sendo considerada cara pela grande maioria dos entrevistados é o tipo de carne mais consumida pela população (Galtal, 2005).
Volume de Pescado Adquirido no Domicílio
Em 2003, segundo o IBAMA, a quantidade de pescado produzida, mais a que foi importada e menos a que foi exportada, foi de 1.029.064 toneladas e, deste total, 78,30%, ou seja, 805.914,75 t, foram adquiridas nos domicílios. Pescados de água salgada, de água doce bem como pescados não especificados representaram 31,14%, 36,26% e 10,92% respectivamente (Tabela 2). A proporção consumida no domicílio deve ser ainda maior, pois, do volume total ainda resta descontar a quantidade de pescado utilizado para outros fins.
A diminuição do volume de peixes de água doce adquiridos no domicílio à medida que aumenta a renda familiar, se dá devido a Região Norte, que além de influenciar as estatísticas devido ao seu elevado consumo em relação às outras regiões, o peixe é acessível às classes de rendimentos menores que têm no pescado um alimento abundante na região, sendo expressiva a aquisição domiciliar não monetária que é de 53,1 % para peixes de água doce. Do total adquirido no domicílio no Brasil, a Região Sul consome 5,72% para o total de pescados, 6,6% para aquisição de pescados de água salgada, 3,2% para pescados de água doce e 11,49 % para outros pescados não especificados, sendo que destes, a totalidade é na forma fresca (Tabela 3). A Região Norte representa o maior consumo no domicílio, seguida pelas Regiões Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste (Gráfico 3).
Os Dez Produtos de Pescados Mais Adquiridos no Domicílio
Os produtos de pescados mais adquiridos revelam que o frescor é um dos principais atributos reconhecidos pelo consumidor (Tabelas 4 e 5), tanto para peixes de água doce como para peixes de água salgada.
Os produtos listados nessas tabelas representam 82,4% do total de produtos de água doce consumidos no Brasil. Para Região Sul este percentual corresponde a 99,8%.
Nós não Temos o Hábito de Consumir Peixes
Segundo, Joselis Moreira da Silva (2002), os gastos alimentares continuam representando uma parcela significativa no orçamento dos consumidores, indicando o baixo nível de desenvolvimento do país. As condições de vida da população podem ser também observadas através das despesas com alimentação.
Em 2003, em todo o País, a despesa com alimentação em relação à despesa total no domicílio variou de 32,68 % para renda familiar até R$ 400,00 e 9,04% para famílias com renda mensal superior a R$ 6.000,00. Na Região Sul foi de 26,92% para rendimentos familiares mensais de até R$ 400,00 e de 8,33% para rendimentos familiares mensais acima de R$ 6.000,00.
As despesas com alimentação, em relação às despesas totais de consumo, são mais altas para as famílias com menor poder aquisitivo. À medida que aumentam os ganhos familiares mensais, aumenta o gasto com alimentação mas diminui o gasto relativo às despesas de consumo, indicando a migração para produtos com maior percepção de valor e com preços mais elevados, já que as necessidades nutricionais das pessoas continuam as mesmas.
Hábitos de consumo, comportamento de compra, alterações demográficas ocorridas nos últimos anos, são algumas variáveis importantes quando se trata de planejamento para a construção de um novo frigorífico, desenvolvimentos de novos produtos, conquista de novos mercados, desenvolvimento do mercado atual, etc.
Em se tratando de peixes, quando conversamos com consumidores nos mais diversos pontos de venda, uma frase vem logo à tona: “nós não temos o hábito de consumir peixes”. Reflexo desta verdade é o baixo consumo observado. Outro conceito que se ouve é de que o peixe é caro.
A conseqüência disso é a constatação de que o peixe não faz parte da lista de compras dos brasileiros. Isto não quer dizer que não gostamos de consumir peixes, por isso notam-se boas vendas quando se praticam ações promocionais nos pontos de venda, mas com um índice de recompra muito baixo, voltando em poucos dias aos patamares iniciais, no caso do Sul.
Em um ambiente competitivo como o de consumo de carnes, e tendo o peixe algumas desvantagens em relação às outras carnes, como falta do hábito de consumo, percepção de ser mais caro, falta de produtos voltados às necessidades atuais do consumidor moderno, torna-se imperativo direcionar esforços para conhecer o consumidor que se deseja atender, para que se consiga estabelecer uma vantagem competitiva.
Os consumidores tomam suas decisões através do julgamento de valores de diferentes atributos. Os mais identificados e que influenciam as decisões de consumo são o valor nutritivo, aparência, sabor, conveniência, embalagem e segurança alimentar. Ao mesmo tempo os consumidores estão se tornando mais bem informados e críticos na escolha de seu alimento (Gracia e Albisu, 2001). Portanto, o valor percebido final é um conjunto de diferentes aspectos não só relacionados ao produto e ao ambiente de compra, mas aos valores transmitidos ao longo da cadeia produtiva como, origem da produção, aspectos ambientais relacionados a ela, segurança alimentar do processamento, a colocação do produto na área de venda, forma de utilização e descarte da embalagem.
Do viveiro ao prato do consumidor, todas as atividades são importantes sob o ponto de vista do consumidor final, e devem ser planejadas e desenvolvidas com o objetivo de conquistar e manter consumidores leais.
As ferramentas de marketing, entre elas a análise competitiva da cadeia de valor, determinação do portifólio de produtos, técnicas de segmentação e posicionamento de marcas e produtos, pesquisa de mercado, entre outras, são aplicáveis e necessárias para que se possa conhecer as necessidades e desejos dos nossos consumidores para atendê-los de forma a conquistá-los definitivamente.