O Charme da Truta Brasileira

Colaboraram: Oscar Kastrup Filho, João Luis Sauer e Fátima Gomes de Andrade


No Brasil, a truta arco-íris (anteriormente denominada Salmo gairdneri e atualmente Oncorhynchus mykiss), foi introduzida pela primeira vez em 1949 pelo médico veterinário Ascânio de Faria, que importou 5.000 ovos “olhados” provenientes da cidade de Esbjerg – Dinamarca. Foi a primeira de uma série de importações realizadas pelo Dr. Ascânio que resultou, inicialmente, no peixamento das águas frias da Serra da Bocaina do estado do Rio de Janeiro. Posteriormente, os estudos decorrentes do acompanhamento dessas introduções serviram de base para que a truticultura pudesse estabelecer-se em nosso país, revelando os aspectos do desenvolvimento dessa espécie em águas brasileiras e constatando, inclusive, que a truta não provocou nenhum impacto ambiental nos rios povoados.

A primeira truticultura comercial no Brasil, entretanto, só apareceu no início da década de 70, em Campos do Jordão, onde foi instalada a Truticultura Terraço Itália de propriedade do Sr. Kiyoshe Koike. De lá para cá muitos produtores passaram a se dedicar a esta atividade que conta hoje com cerca de 80 estabelecimentos em produção, além de duas estações de pesquisas: a Estação de Salmonicultura Ascânio de Faria do Instituto de Pesca/SP, em Campos do Jordão e a Estação Nacional de Truticultura – IBAMA – Lages – SC.

CARACTERÍSTICAS

A truta arco-íris é um peixe nativo da costa do Pacífico da América do Norte, distribuindo-se desde o Alasca até a Baixa Califórnia. Vive em águas livres de poluentes com temperaturas que podem variar de 0 a 25 ºC, seus limites de sobrevivência. Entretanto, sob cultivo devem ser mantidas entre 10 e 20 ºC. Quanto mais alta a temperatura, dentro desta faixa, maior a atividade metabólica, sendo que as melhores conversões ocorrem nas temperaturas entre 15 e 17 ºC, sendo possível manter um ótimo estado sanitário.

O teor de oxigênio dissolvido na água deve ser o da saturação. A solubilidade do oxigênio na água varia, principalmente, com a temperatura e a pressão atmosférica (tabela 1). O limite crítico de oxigênio dissolvido é de 5,5 mg/l e, abaixo desse valor, a truta não consegue extrair o oxigênio da água para a sua sobrevivência.

tab1-pag9-24

O pH deve estar compreendido entre 6,5 e 8,5. Águas ácidas tornam os peixes mais suscetíveis ao ataque de parasitas, enquanto que em águas alcalinas, a amônia se encontra presente em maior proporção na forma tóxica – NH3-. A vazão de água disponível na área de cultivo, no período de estiagem, é que irá determinar a quantidade de peixes que se poderá criar. A grosso modo, sem levar em consideração variáveis relacionadas ao arraçoamento, para cada 1-1,5 kg de peixe estocado deve ser fornecido um litro de água por minuto.

REPRODUÇÃO

As trutas não se reproduzem naturalmente quando confinadas em tanques e, para que a reprodução ocorra, é necessária a intervenção do truticultor.

A maturidade sexual é alcançada aos dois anos de idade e condições ambientais características do inverno – temperatura ao redor de 10 ºC e menor fotoperíodo – tudo associado a uma alimentação adequada. A vida útil de reprodução das fêmeas é de três anos consecutivos, enquanto os machos geralmente são utilizados somente no seu primeiro ano reprodutivo.

Não é necessária a indução da desova com hormônios. Nas condições ambientais adequadas, os óvulos e o sêmen são coletados através da compressão abdominal (Foto 1). Para cada quilo de fêmea se obtém de 1.500 a 2.000 óvulos, que chegam a ter aproximadamente 0,5 cm de diâmetro. A mistura dos produtos sexuais é feita “a seco” (Foto 2).

fotos1e2-pag10-24

Após a fecundação, os ovos são incubados em temperatura que não deve passar os 13 ºC. Vários tipos de incubadeiras são utilizados: horizontais (como cochos), verticais (em gavetas) e até mesmo em garrafas plásticas de refrigerante de 2 litros. No período logo a seguir à fecundação, os ovos não devem ser manipulados, a exemplo da natureza, quando os reprodutores fazem ninhos para a postura e protegem os ovos cobrindo-os para protege-los da luz, dos predadores e dos eventuais impactos. A manipulação só é permitida quando já é possível ver os olhos do embrião (ovos olhados ou ovos embrionados). Daí em diante já podem ser manuseados e até transportados a longas distâncias, como é comum quando se compra esses ovos de fornecedores, até mesmo do exterior, para acabar de incubá-los na propriedade.

A eclosão ocorre aproximadamente 280 ºC/dia, isto é, se a temperatura da água de incubação for de 11,5 ºC, a eclosão dos ovos ocorrerá no (280 ¸ 11,5) = 24º dia após a fecundação.

ALIMENTAÇÃO E CRESCIMENTO

As trutas iniciam a primeira alimentação na fase final da absorção do saco vitelínico, ou seja, cerca de 20 dias após a eclosão, quando apresentam peso ao redor de 100 mg e 2 cm de comprimento. A ração deve ser específica para trutas, já à venda no mercado, com balanceamento nutricional adequado à cada fase do cultivo e granulometria ajustada ao tamanho dos peixes. A quantidade de ração fornecida à cada dia varia, principalmente, em função da temperatura e tamanho do peixe, sendo geralmente calculada em percentual de peso vivo (PV) em cada tanque. Este percentual pode variar de 10% a 1% do PV ao dia, para o tipo seco (10% de umidade), sendo decrescente com o tamanho do peixe (tabela 2). Peixes menores apresentam uma maior taxa de crescimento, portanto o reajuste da quantidade de ração deve ser feito a intervalos menores. O tempo que a truta necessita par alcançar o peso comercial (250 g) pode variar conforme cada sistema de produção, podendo ser de 10 a 18 meses, dependendo da temperatura, e a velocidade de crescimento pode ser controlada pela manipulação da taxa de arraçoamento.

tab2-pag10-24


CAPACIDADE DE ESTOCAGEM

A densidade de estocagem vai depender principalmente do teor de oxigênio dissolvido na água e do tamanho do peixe. Peixes menores tem uma maior atividade metabólica e conseqüentemente consomem mais oxigênio que os peixes em fase de acabamento (tabela 3).

tab3-pag10-24

Para se determinar a capacidade de estocagem de peixe é preciso conhecer:

1 – Vazão caudal de água (litros/minuto)

2 – Teor de oxigênio “disponível” = teor de oxigênio medido menos 5,5 mg/l (mínimo necessário).

3 – consumo de oxigênio do peixe no tamanho desejado (tabela 3).

EXEMPLO: Suponha que exista uma área hipotética com um caudal de 1.000 litros/min. O oxigênio medido com o oxímetro registrou 10 mg/l e a temperatura da água é de 14 ºC. Quantos quilos de peixes com 200 g serão possíveis de serem estocados? E de 19 g?

O primeiro passo é saber quanto temos de oxigênio “disponível”. Para isso, subtraímos 10 mg/l de 5,5 mg/l = 4,5 mg por litro.

A seguir calculamos a vazão por hora: 1.000 l/min x 60 = 60.000 l/hora Podemos então calcular a quantidade de oxigênio disponível por hora: 60.000 litros x 4,5 mg/l = 270.000 mg de oxigênio por hora.

Na tabela 3 vemos que, a 14 º C, os peixes com 200 g consomem 250,3 mg por cada quilo estocado por hora.

Se nesse mesmo período dispomos de 270.000 mg de oxigênio, podemos saber quantos quilos poderemos estocar fazendo uma regra de três simples:

1 kg consome 250,3 mg

x kg consomem 270.000

mg x = 1.078 kg

Para sabermos quantos kg de trutas com 19 g poderão ser estocadas nas mesmas condições da área hipotética acima, é só verificarmos na tabela o consumo desse peixe a 14 ºC (353 mg/kg). Aplicamos novamente a regra de três:

1 kg consome 353 mg

x kg consomem 270.000

mg x = 764 kg

Como é possível ver, peixes menores possuem maior atividade metabólica e consomem conseqüentemente mais oxigênio. Por isso mesmo é que podemos, nas condições da área hipotética acima, estocar 1.078 kg de peixes de 200 g ou 764 kg de peixes de 19 g.

ENGORDA

Para facilitar uma vazão constante nos tanques e também promover a sedimentação de partículas em suspensão, recomenda-se a construção de uma barragem de onde parte a canaleta de abastecimento. Do ponto de captação até o escoamento final, o fluxo final deve ser feito por gravidade, evitando-se bombas para o recalque.

Para se otimizar o aproveitamento da água, todos os tanques e canaletas devem ser impermeabilizados.

O número e o tamanho dos tanques vão variar de acordo com o escalonamento da produção e com cada fase de cultivo.

A forma do tanque que apresenta melhores resultados é a circular, com escoamento central, pois além de favorecer a limpeza, impede a formação de espaços mortos, isto é, sem circulação de água. Também podem ser utilizados tanques retangulares na proporção de 30 m x 3 m (comprimento x largura), sempre com profundidade de um metro.

O fluxo de água deve ser constante, de forma a permitir uma renovação completa do volume de água contido no tanque a cada hora. Sempre que possível, tanto abastecimento como o escoamento devem ser independentes para cada tanque.

A água servida na criação, antes de ser devolvida ao rio, deve ser lançada em uma lagoa de decantação com fundo de terra, cuja superfície deve ser de pelo menos 10% da área total em tanques, afim de minimizar o impacto do retorno dessas águas ao meio ambiente.