Uma pequena molécula gerada a partir da clivagem de um RNA pode ajudar o setor produtivo a minimizar as perdas decorrentes das doenças virais, e apresentam um resumo dos principais resultados já obtidos por diferentes grupos de pesquisa do Brasil e do mundo.
Por:
Juliana Gabriela Silva de Lima – 1,3
Daniel Carlos Ferreira Lanza – 2,3
e-mail: [email protected]
1 – Estudante de doutorado do Programa de Pós Graduação em Bioquímica – UFRN
2 – Professor Adjunto, Departamento de Bioquímica – UFRN
3 – Laboratório de Biologia Molecular Aplicada – LAPLIC – UFRN
O grupo de pesquisa do Laboratório de Biologia Molecular Aplicada – LAPLIC da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (www.laplic.com.br) tem se dedicado, desde 2012, ao desenvolvimento de ferramentas para detecção, classificação e controle de patógenos. Dentre os estudos que vêm sendo desenvolvidos pelo grupo, os que estão diretamente relacionados a carcinicultura têm avançado tanto no campo da caracterização dos patógenos quanto na proposição de novas alternativas para o controle das doenças virais. Sempre que possível esses estudos são desenvolvidos em parceria com o setor produtivo, no intuito de desenvolver soluções viáveis. No artigo a seguir, dois pesquisadores da equipe do LAPLIC descrevem como a utilização de uma pequena molécula gerada a partir da clivagem de um RNA pode ajudar o setor produtivo a minimizar as perdas decorrentes das doenças virais, e apresentam um resumo dos principais resultados já obtidos por diferentes grupos de pesquisa do Brasil e do mundo.
Já temos algumas alternativas para diminuir a carga viral e até mesmo livrar o camarão de uma boa parte das doenças virais que acometem a carcinicultura, incluindo a síndrome da mancha branca e a mionecrose infecciosa. Um número cada vez maior de trabalhos científicos, incluindo alguns produzidos por pesquisadores brasileiros, relatam relativo sucesso na redução da carga viral do white spot syndrome virus (WSSV) e do infectious myonecrosis virus (IMNV). Esse efeito é obtido por meio da administração de diferentes substâncias como imunoestimulantes, compostos antivirais obtidos de microorganismos, vacinas de DNA, partículas virais inativas, proteínas virais recombinantes e de vírus neutralizados (Preston et al., 2000; Bright-Singh et al., 2005; Peraza-Gómez et al., 2014; Feijó et al., 2015).
Os imunoestimulantes geralmente ativam o sistema imunológico do camarão, preparando-o para uma resposta geral mais eficiente em caso de infecção. As vacinas que têm sido testadas em camarão compreendem partículas virais inativas ou proteínas virais recombinantes, que são aplicadas no intuito de preparar uma resposta menos genérica contra as infecções virais (Feijó et al., 2015; Escobedo-Bonilla, 2011). O termo vacina, inclusive, pode não ser o melhor termo a ser utilizado nesses casos, uma vez que os camarões não dispõem de um mecanismo de memória imunológica semelhante ao das aves ou dos mamíferos. A Figura 1 resume as principais abordagens que têm sido testadas no intuito de controlar doenças infecciosas no camarão.
O RNA de interferência – RNAi
Dentre as abordagens que têm sido testadas em animais de criação, uma tem apresentado resultados mais promissores para o controle de doenças virais. Trata-se da aplicação do RNA de interferência (RNAi). Simplificando, o RNAi consiste em uma pequena molécula gerada a partir da clivagem (divisão) de um RNA dupla fita (dsRNA), quando esse dsRNA é introduzido na célula animal. O RNAi é produzido por meio da ativação de um mecanismo enzimático já existente nas células do próprio animal, e tem a função de direcionar a degradação do material genético codificado pelo vírus (RNA) (Itsathitphaisarn et al., 2016). A Figura 2 esquematiza o processo de ativação do mecanismo de RNAi na célula.
Dessa forma, é possível “desenhar” moléculas de dsRNA específicas para clivagem de RNAs fundamentais para a replicação viral, inibindo o ciclo do vírus na célula (Xu, Han e Zhang, 2007; Robalino et al., 2004; Robalino et al., 2005). A tecnologia do RNAi tem apresentado resultados promissores em testes laboratoriais para o controle de vírus de importância zootécnica, já tendo sido usada experimentalmente para o controle dos vírus causadores da diarreia bovina (BVDV) (Lambeth et al., 2007), anemia infecciosa das galinhas (CAV) (Hinton e Doran 2008), peste suína africana (ASFV) (Keita et al., 2010), doença bursal infecciosa (IBDV) (Wang et al., 2010), peste suína clássica (CSF) (Porntrakulpipat et al., 2010), gripe aviária altamente patogênica (H5N1) (Stewart et al., 2011), febre aftosa (FMDV, foot and mouth disease) (Jiao et al., 2013; Gismondi et al., 2014) e, influenza A (Stoppani et al., 2015).
Em camarões, os resultados apresentados pela administração do dsRNA também são animadores. Em um dos primeiros trabalhos realizados em Litopenaeus vannamei foi observada diminuição de 50 a 75% na taxa de mortalidade em camarões tratados contra WSSV e TSV (Robalino et al., 2004). Em estudos subsequentes em que o tipo do dsRNA utilizado foi aprimorado, foi possível inibir totalmente a replicação do Penaeus stilirostris densovirus (PstDNV- IHHNV) (Attasart et al., 2010). Para o WSSV, respostas de diferentes intensidades foram observadas com a utilização de dsRNA específicos para a degradação de diferentes regiões do genoma viral. Em um trabalho recente em que foi utilizado um dsRNA contra a vp29, uma proteína estrutural do WSSV, foram obtidas taxas de sobrevivência de aproximadamente 80%, 70% e 65%, para as espécies Macrobrachium rosenbergii, Penaeus monodon e Marsupenaeus japonicus, respectivamente (Aleton et al., 2016). Outros estudos também relatam resultados positivos no uso de diferentes dsRNAs contra o WSSV em diferentes espécies (Westenberd et al., 2005; Sanjuktha et al., 2012).
Outro ponto interessante, é que o RNAi também pode ser produzido naturalmente pelo camarão. Huang e Zhang (2013) observaram a presença de um RNAi com efeito protetor contra o WSSV em M. japonicus. O RNAi identificado atua bloqueando a produção da proteína estrutural vp28, uma proteína viral importante para a entrada do vírus na célula. Isso abre um caminho interessante para os programas de melhoramento genético.
Limitações para utilização do RNAi
Com tudo isso exposto, por que ainda não temos no mercado uma solução para o produtor? Infelizmente a existência de uma alternativa promissora não representa necessariamente a solução para o problema. A maior parte das abordagens citadas nesse texto ainda não é viável na escala de produção. No caso do RNAi, o maior desafio existente hoje para a sua aplicação é a forma de delivery do dsRNA, ou seja, a forma pela qual essas moléculas serão introduzidas e preservadas por algum tempo dentro do organismo do camarão. O número de trabalhos que tentam resolver essa questão tem aumentado significativamente nos últimos anos. A Tabela 1 resume os principais tipos de carreadores que estão sendo avaliados.
Os métodos de administração do dsRNA via injeção intramuscular são os mais eficientes, no entanto, essas metodologias são inviáveis para aplicação em larga escala e possuem efeito de curta duração. Já os métodos de administração oral são mais práticos e mais eficazes em termos de custo para usos profiláticos e terapêuticos, porém dependem da composição das rações, do tempo de estocagem e da viabilidade dos carreadores. Alguns carreadores, como as vesículas lipídicas e os capsídeos virais, tem a capacidade de estabilizar os dsRNAs prolongando a viabilidade dos mesmos, o que diminui a concentração de dsRNA necessária para obtenção do efeito de imunização. Também existem algumas desvantagens particulares. No caso das vesículas lipídicas, sua presença no organismo pode causar citotoxicidade e nas nanocápsulas, a taxa de liberação dos dsRNAs depende do pH celular.
Estima-se que utilizando os carreadores até então disponíveis, o suplemento de dsRNA na alimentação do camarão para proteção contra o WSSV elevaria o custo de alimentação em pelo menos 10 vezes (Itsathitphaisarn et al., 2016). As questões relativas ao delivery, eficácia, custo-benefício e biossegurança das aplicações de dsRNA podem ser resolvidas, mas para isso, o investimento em pesquisa e desenvolvimento é fundamental. Nesse contexto, nosso grupo de pesquisa do Laboratório de Biologia Molecular Aplicada – LAPLIC está sempre interessado em interagir com o setor produtivo, e já conta com a colaboração da empresa Potiporã em um estudo que visa verificar as possibilidades de aplicação do RNAi em escala de produção. Nosso grupo considera que a aproximação entre a universidade e o setor produtivo é crucial para a troca de experiências e para o desenvolvimento de estratégias viáveis .
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