Por Julio Lopes de Avelar
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Segundo dados da FAO, o cultivo de moluscos bivalves, representados principalmente pelos mexilhões, ostras e vieiras gerou, somente no ano de 1996, cerca de US$ 5.5 bilhões, sendo praticado em quase todos os países que apresentam costa marítima, destacando-se a China, Espanha e Itália. Os dados do ano de 1996 apresentaram um volume de 7.067.500 toneladas produzidas naquele ano, correspondendo a 25 % do volume total do pescados oriundos da aqüi-cultura e 50 % da produção aqüícola gerada em ambientes marinhos.
O cultivo de moluscos no Brasil iniciou como atividade comercial no ano de 1990, com uma produção de 150 toneladas de mexilhões. Em uma década, apresentou uma taxa de crescimento de 5.233 %, transformando o país no primeiro produtor da América Latina (8.000 ton./ano), seguido pelo Chile (7.000 ton./ano).
Conhecidos genericamente como vieiras, o grupo dos pectinídeos apresenta-se atualmente como um dos maiores potenciais a ser explorado pela maricultura. No Brasil, a família Pectinidae é composta por 8 gêneros e 16 espécies, das quais Nodipecten nodosus, Euvola (Pecten) zic zac e Chlamys tehuelchus têm potencial econômico.
A exploração dos pectinídeos através do extrativismo vem sendo praticada mundialmente há séculos. Seu valor nutritivo e sabor refinado lhe conferem um alto valor de mercado, justificando sua exploração de forma intensiva e, consequentemente, a dizimação de bancos naturais e extinção de algumas espécies. Dados da FAO de 1992 indicam que no ano de 1991 foram capturadas 815.688 toneladas de pectinídeos, representando 11,5 % do total de moluscos marinhos capturados. Porém, o forte declínio na produção extrativista deste importante recurso marinho em todo o mundo, estimulou pesquisas básicas sobre a biologia de algumas espécies de pectinídeos que culminaram no desenvolvimento tecnológico que permitiu o cultivo destes moluscos. O Japão foi o país pioneiro nesta atividade e, até alguns anos atrás, detinha o título de maior produtor, encontrando-se atualmente em segundo lugar, superado pela China.
No Brasil, a espécie que vem apresentando maior potencial para cultivo é a Nodipecten nodosus. Entretanto, pouco se conhece sobre esta espécie no que se refere à sua biologia e comportamento em situação de cultivo, bem como não há dados estatísticos sobre sua captura, praticada especialmente por mergulhadores munidos de compressores de ar.
Os primeiros estudos científicos com enfoque voltado ao cultivo foram realizados por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina. O cultivo comercial de pectinídeos no Brasil é recente e os modelos de cultivo adotados, assim como as práticas de manejo, estão baseadas em tecnologias desenvolvidas para outras espécies, em sua maioria de águas temperadas e encontradas no ambiente marinho geralmente concentradas em bancos naturais, contrariando a situação na qual se encontra a N. nodosus, que é uma espécie de águas tropicais, que se distribui de forma dispersa no ambiente marinho.
Estudos sobre o ciclo reprodutivo destes organismos, sua distribuição e ocorrência, hábitos alimentares, bem como sua interação frente aos fatores ecológicos, bióticos e abióticos, em ambiente natural e em situação de cultivo, são de fundamental importância para nortear o potencial de exploração e disciplinar as épocas de captura, além de permitir o aprimoramento das técnicas de cultivo, uma vez que sem estes conhecimentos básicos tanto a atividade de maricultura como a preservação dos estoques naturais estarão comprometidas.
As conclusões e recomendações da Comissão de Trabalho de Pectinídeos (Cultivo de Moluscos en America Latina, Colômbia, 1990), apontam como obstáculos a insuficiência de conhecimentos sobre características, comportamentos e condições ambientais dos bancos naturais, e irregularidade de captação de sementes em ambiente natural devido ao comportamento errático de seu recrutamento, sugerindo priorizar os trabalhos de investigação nos seguintes aspectos: localização dos bancos naturais; ciclo anual de reprodução, freqüência larval anual no plâncton; período de recrutamento das larvas; condições hidrográficas das áreas de captação selecionadas e flutuações qualitativas e quantitativas do fitoplâncton.
Aspectos bio-ecológicos
Nodipecten nodosus é um bivalve hermafrodita que se encontra distribuído na Carolina do Norte, Flórida, Texas e também desde as ilhas Bermuda até o Brasil e ilha Ascension. Apesar de possuírem bissos, que lhes permitem fixar ao substrato, são freqüentemente encontrados soltos sob substratos arenosos, em profundidades entre 10 e 20 metros. Como os demais bivalves, alimentam-se através da filtração da água do mar, retirando dela os microorganismos e partículas orgânicas. Esta espécie encontra-se distribuída em baixas densidades e, por isso, não suporta grandes esforços de pesca. Dos pectinídeos que existem no litoral brasileiro, N. nodosus é a espécie que alcança maior tamanho, podendo atingir comprimentos superiores a 150 mm.
Poucas são as informações com respeito à biologia de N. nodosus, sendo que o estudo sobre seu ciclo reprodutivo realizado na Venezuela por Vélez & Perez em 1987, analisou as variações estacionais da composição química deste pectinídeo, indicando maior atividade reprodutiva durante o período de agosto até janeiro-fevereiro, porém com desova durante todo o ano. Manzoni, em 1994, estudando o ciclo reprodutivo destes pectinídeos nos arredores da Ilha do Arvoredo em Santa Catarina, verificou maior liberação de gametas durante o inverno (junho a agosto), relacionando este fenômeno com a temperatura da água. Verificou, ainda, a existência de uma falta de sincronismo reprodutivo entre os organismos. Esta falta de sincronismo repercute diretamente na disponibilidade de larvas na água do mar, provocando uma baixa eficiência de assentamento de sementes destes bivalves em coletores artificiais. Com isto, a atividade de cultivo destes moluscos só é possível através da produção de sementes em laboratório de larvicultura especializado.
Metodologia de cultivo
Vários são os métodos de cultivar vieiras, entretanto, o mais utilizado na região sudeste-sul do país é através do sistema flutuante do tipo espinhel (long-line), com utilização de “lanternas japonesas”, uma espécie de gaiola cilíndrica contendo de 5 a 10 compartimentos, onde são colocados os animais (foto). O processo de engorda consiste basicamente em confinar as sementes (animais jovens com aproximadamente 10 mm de comprimento) no interior da lanterna berçário, a uma densidade adequada. Periodicamente, os animais são retirados e, após um processo de limpeza e seleção, são transferidos para outras lanternas, reduzindo-se a densidade populacional. O tamanho das malhas das lanternas também aumenta, de acordo com o tamanho dos animais. A quantidade final de animais por compartimento estabiliza-se em torno de 10 a 15 indivíduos.
O cultivo de vieiras diferencia-se do mexilhão e até mesmo de ostras pela necessidade, a princípio, de um manejo periódico mais freqüente. Alguns estudos demonstram que a densidade de estocagem dos animais influencia significativamente e de maneira inversa no seu desenvolvimento, ou seja, quanto maior a densidade menor o crescimento. Com isto, o desdobre dos animais passa a ser uma prática necessária que repercutirá nos resultados finais do cultivo. Além disso, a densidade de estocagem é muito menor quando comparada à utilizada para as ostras, significando em um custo maior de produção.
A viabilidade do cultivo de vieiras
As principais vantagens de se cultivar moluscos bivalves são:
– baixo investimento e rápido retorno, principalmente quando comparado com outras modalidades de cultivo;
– ocupação de um espaço físico de domínio público, o mar; – não necessita arraçoamento, uma vez que os animais são filtradores;
– tecnologia de cultivo de fácil aprendizado;
– os produtos cultivados têm boa aceitação no mercado;
Apesar do cultivo de vieiras apresentar um custo de produção superior aos do mexilhão e da ostra, seja pela necessidade de manejo constante, utilização de um maior número de lanternas e preço da semente mais elevado, o valor de produto no mercado compensa o investimento.
As vieiras são comercializadas vivas ou processadas. Neste último caso, retira-se o músculo do animal, ou músculo e a gônada, dependendo do comprador. Na Região Sudeste, a dúzia de vieiras (vivas) de 8 cm de comprimento é comercializada em torno de R$ 20,00 a R$ 30,00. Dependendo do tamanho do animal, pode alcançar o valor de R$ 5,00 a unidade. Logicamente, este valor de mercado está condicionado à pequena oferta do produto, tendendo a cair à medida que se aumenta a produção. No entanto, o quilograma do músculo de vieira no mercado internacional gira em torno de 11 a 12 dólares, o que ainda explica a viabilidade do cultivo. O Brasil é um país importador de vieiras.
Potencialidades do Estado do Rio de Janeiro
Foi no litoral sul do Estado do Rio de Janeiro, no município de Angra dos Reis, que surgiram os primeiros cultivos comerciais pela iniciativa de alguns empresários, que inicialmente viam a atividade como um hobby, até perceberem o seu potencial como atividade econômica. Na primeira metade da década de 90 entraram em operação dois laboratórios de larvicultura voltados à produção de sementes de vieras: o do Instituto Antônio João Abdala (IAJA), e o do Instituto de Ecodesenvolvimento da Baía da Ilha Grande (IED-BIG). O primeiro contando com recursos próprios e o segundo patrocinado pela Petrobrás e Furnas e, atualmente, pela Eletronuclear. A princípio, o IED-BIG, uma instituição de caráter privado, conta com recursos financeiros de instituições públicas, tendo por objetivo promover o desenvolvimento regional, especialmente junto a pescadores artesanais.
Essas iniciativas pioneiras no Estrado foram acompanhadas de um amplo trabalho de marketing, que emprestou o nome vulgar francês coquille de Saint-Jacques, da espécie européia Pecten maximus, à espécie brasileira, visando obter vantagens de mercado e fazendo com que esta espécie seja até hoje conhecida e comercializada na região com esta denominação genérica.
A partir de 1996, com o projeto Desenvolvimento Sustentado da Ilha Grande (PNMA/PED), a Prefeitura Municipal de Angra dos Reis – PMAR, instalou 23 cultivos de mexilhões junto a 33 famílias de moradores de baixa renda da Ilha Grande, visando propiciar uma alternativa complementar de renda e melhoria da qualidade de vida dos ilhéus. No ano seguinte, a equipe de maricultura da PMAR, em um trabalho conjunto com técnicos da FIPERJ, iniciou um experimento com N. nodosus com vista a adequar a tecnologia de cultivo para os maricultores da Ilha Grande e para isso, utilizou sementes obtidas junto ao IAJA que, por problemas financeiros teve suas portas fechadas em 1999.
O sucesso destes experimentos, utilizando-se espinhel de superfície, porém com as lanternas a uma profundidade de 8 metros, estimulou a Prefeitura a fomentar o cultivo de vieiras junto aos maricultores da Ilha Grande, sendo que atualmente 12 produtores cultivam esta espécie. Para isso, foi firmado um convênio com o IED-BIG, que se comprometeu a fornecer 150 mil sementes no prazo de um ano, segundo um cronograma mensal. Paralelamente, o IED-BIG também passou a incentivar o cultivo de vieiras (coquilles) através de várias palestras, cursos em parcerias com o SEBRAE-RJ, convênios com instituições públicas e privadas, enviando sementes para diversos estados do país. Sua produção no ano de 1998 foi de 1,2 milhões de sementes. Somente no município de Angra dos Reis, legalizam-se junto à Marinha mais de 30 “fazendas marinhas” e, em função do desenvolvimento da atividade, foi criado o Pólo de Maricultura do Litoral Sul do Estado do Rio de Janeiro – POMALIS.
Os entraves dos produtores do Estado do Rio de Janeiro
A partir do ano de 1999, no entanto, a produção de sementes do IED-BIG caiu vertiginosamente e as explicações para este fato diferenciaram-se em diversos momentos e transcendem, em muitos casos, a razão. Problemas financeiros, poluição por cádmio, poluição orgânica da água devido a efluentes domésticos próximos ao local de cultivo, sistema de filtração e tratamento da água ineficientes, foram algumas das justificativas. A falta de transparência nas informações agravou a situação e o problema passou a constar sistematicamente da pauta das reuniões do POMALIS. Todavia, todos tomaram conhecimento de que no sétimo dia da larvicultura ocorre uma grande mortalidade das larvas, uma característica de contaminação por víbrio. As que sobrevivem, sofrem uma outra baixa no momento da fixação. As que resistem e atingem o tamanho de sementes, têm sido comercializadas por um alto valor para produtores com mais poder aquisitivo, geralmente em outros estados.
Na verdade, grande parte dos produtores que acreditaram e investiram na idéia encontram-se hoje “largados à própria sorte”. Há mais de um ano sem receber sementes, a produção de vieira está totalmente prejudicada, inclusive a dos produtores fomentados pela PMAR. Como não tem sido possível aos produtores assumir compromissos com os compradores, que exigem regularidade de fornecimento, a atividade corre o sério risco de cair em descrédito.
O Estado do Rio de Janeiro, pelas suas características geomorfológicas e oceanográficas, apresenta um grande potencial para o cultivo desses moluscos. A Baía da Ilha Grande, caracterizada por locais abrigados, com grandes profundidades próximas à costa, com águas extremamente limpas e isentas de poluentes, e influenciada pela entrada no verão da Água Central do Atlântico Sul (ACAS), a qual possibilita uma forte estratificação térmica (água fria a 8 metros de profundidade), constitui-se num excelente cenário para esta atividade. Além disso, também ao norte do estado, na região de Cabo Frio e Arraial do Cabo, ocorre o fenômeno da ressurgência que também cria condições ideais de cultivo.
Portanto, atualmente, o grande entrave para o desenvolvimento do cultivo de vieiras no Estado do Rio de Janeiro está na falta de fornecimento regular de sementes a preços acessíveis. Recentemente, o Laboratório de Larvicultura de Molusco da Universidade Federal de Santa Catarina realizou experimentos com esta espécie, obtendo resultados positivos. No entanto, o mais provável é que, diferentemente do laboratório do Rio de Janeiro, venha a priorizar os produtores de Santa Catarina.
A existência de somente dois laboratórios de larvicultura de molusco no país demonstra a vulnerabilidade deste setor produtivo e, felizmente, este problema vem sendo amplamente discutido junto às instituições públicas competentes nas diversas esferas (federal, estadual e até mesmo municipal) e não está passando despercebido pela iniciativa privada. Acredita-se que a curto prazo novos laboratórios serão construídos.
Enquanto isto, cabe aos produtores mais organização para que possam reivindicar demonstrando ao poder público o potencial da maricultura como atividade econômica, geradora de trabalho e divisas para o Estado. À iniciativa privada cabe atentar para esta nova modalidade de investimento com foco no agronegócio. Às instituições de pesquisas e universidades cabe o desenvolvimento e aprimoramento tecnológico. Aos políticos, cabem o dever e responsabilidade da elaboração e execução de políticas específicas voltadas para este importante segmento produtivo.
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