O Milagre da Multiplicação dos Peixes

Por: Antonio Ostrensky – Coordenador do Grupo Integrado de Aqüicultura e Estudos Ambientais, UFPR – [email protected]


O artigo “Os números da Piscicultura Paranaense”, de Antônio Ostrensky, professor e coordenador do Grupo Integrado de Aqüicultura e Estudos Ambientais da Universidade Federal do Paraná, publicado na última edição 71 da Panorama da AQÜICULTURA, apresentou dados nada otimistas a respeito da piscicultura praticada no Paraná, provavelmente uma realidade que se repete em outras regiões do Brasil. No artigo publicado a seguir, Ostrensky lança o seu olhar sobre os caminhos possíveis para reverter este quadro, já que, segundo ele, milagres, ao menos na piscicultura, não existem. Desta vez ,o autor analisa a lucratividade das alternativas geralmente buscadas pelos produtores rurais, como a diversificação das atividades de uma propriedade, a agregação de valores à produção e a exportação, apontando ainda o cooperativismo como solução para transformar o cultivo de peixes em nosso país em uma atividade verdadeiramente comercial.

Na edição anterior da Panorama, terminamos o comentário sobre os números da piscicultura paranaense demonstrando que a receita mensal média por produtor no estado não chega nem a R$ 35,00. O mais preocupante, contudo, é que esse certamente não deve ser um privilégio do Estado do Paraná, mas uma triste realidade que se repete em vários estados do País. Mas, será possível, de alguma forma, reverter esse quadro e transformar a piscicultura brasileira em uma atividade verdadeiramente comercial? Essa é a pergunta que tentaremos responder neste artigo.

Antes de mais nada, é necessário destacar que, pelo menos na piscicultura, o milagre da multiplicação dos peixes simplesmente não existe. Esperar que, de uma hora para outra surja alguma solução mágica, que viabilize a produção comercial de peixes produzidos em sistema “quase-extensivo”, em uma área média de 0,37 ha e por produtores muito pouco qualificados, é o mesmo que esperar por um milagre.

Conhecendo o passado

O surgimento do atual modelo de “piscicultura como fonte de complementação da renda nas pequenas propriedades” nasceu do enfraquecimento das monoculturas agrícolas. Se para uma grande empresa rural, que produz em grande escala, já há um risco excessivo nas monoculturas, o que dizer então em uma pequena propriedade? O risco de se apostar tudo em uma única safra anual, tendo, portanto, receita em apenas uma pequena época do ano e despesas para pagar no ano todo, e ainda depender dos humores do clima, é uma aventura que não pode ser bancada pela imensa maioria dos agricultores brasileiros.

A preocupação em buscar fórmulas para “complementar a renda da propriedade” deu origem a vários primos, próximos ou distantes, da piscicultura, tais como: produção de escargots, chinchilas, coelhos, rãs, faisões, marrecos de Pequim, etc., todos propalados como sendo excelentes alternativas de diversificação para as pequenas propriedades. A realidade, no entanto, nunca chegou aos pés da propaganda e a maioria dos projetos implantados naufragou.

O grande diferencial da piscicultura foi que, pelo menos na região Centro-Sul do Brasil, a atividade teve um forte empurrão para se desenvolver: o surgimento do fenômeno dos pesque-pagues (ou pesqueiros, como queiram chamar), durante a década de 90.

De uma hora para outra, os pesque-pagues se multiplicaram, criando uma forte e, até então inédita demanda por peixes vivos. Qualquer “poça d’água” com uns peixinhos dentro era e, em alguns locais ainda é, considerada um pesque-pague. O mais incrível é que ao lado dessa poça um sem número de pessoas se acotovelavam, disputando um lugar para a sua linha, tamanho o fascínio que a pesca exerce sobre os brasileiros.

A demanda, principalmente no Estado de São Paulo, foi tão forte, que carpas produzidas na região de Ajuricaba, RS, podiam ser comercializadas, vivas e com excelente margem de lucro, em São Paulo.

Esse fenômeno gerou um clima propício para a disseminação da piscicultura como atividade complementadora de renda, pelo menos para aqueles produtores que não recebiam por meio de cheques sem fundos ou através de cheques que seriam sustados logo a seguir.

Essa febre dos pesque-pagues foi, e ainda é, tão importante para a piscicultura porque o peixe produzido tem como destino a indústria do entretenimento e não a indústria alimentar. Se, por um lado, é relativamente fácil estabelecer margens de comparação de preços entre as carnes de peixe e a de frango, ou a de boi, por outro, é difícil estimar o quanto vale a diversão familiar do final de semana.

Esse fato, associado ao aumento repentino da demanda, fez com que a tilápia chegasse a ser vendida viva na propriedade a valores irreais, superiores, por exemplo, a R$ 6,00 o quilo. Hoje, o preço pago ao produtor raramente chega a R$ 2,00, isso se falarmos na venda de peixes para os pesque-pagues, já que a indústria não consegue pagar nem R$ 1,30-1,40 por uma tilápia de 450-500 g. A competição com o pesque-pague acabou freando o desenvolvimento da indústria de processamento de peixes cultivados, que sempre teve que enfrentar a realidade das gôndolas dos supermercados, onde a comparação de preços é inevitável.

Atualmente, os pesqueiros também estão começando a sofrer os efeitos das leis de mercado, onde, em um ambiente competitivo, só os mais bem estruturados sobrevivem. Prova disso é que entre 2000 e 2001, com a produção estacionada na casa das 17.000 toneladas, a percentagem de peixes produzidos no Paraná e comercializados em pesque-pagues caiu de 68 para 62%. Os empreendedores de visão e que possuem recursos, estão investindo em seus próprios pesque-pagues, transformando esses locais em verdadeiros centros de lazer, onde é possível desfrutar de uma boa infra-estrutura, com restaurantes, churrasqueiras, piscinas, trilhas, parques infantis ou coisas do gênero. Nesses locais, o peixe é mais uma atração e não mais a única atração.

Em outras regiões do Brasil, onde não houve uma popularização tão intensa dos pesque-pagues, a piscicultura não conseguiu se desenvolver com a mesma intensidade que na Região Centro-Sul, o que explica porque, apesar do clima desfavorável, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul são citados como maiores produtores brasileiros de peixes cultivados (vide os dados publicados no livro Aqüicultura para o Desenvolvimento Sustentável, editado pelo Dr. Wagner Valenti).

No entanto, em algumas regiões, particularmente no Nordeste, os preços de venda alcançados pelos produtores ainda são elevados, chegando e, em alguns casos, até superando, a marca dos R$ 4,50/kg. Obviamente que o produtor deve aproveitar o momento e se capitalizar. Mas, também deve ter a consciência de que tais preços só se manterão enquanto a oferta não for muito elevada. Depois, eles também serão convidados a conhecer o lado mais amargo das leis de mercado.

Diversificar é a solução?

Como já foi discutido, a diversificação das atividades rurais pode ser uma importante alternativa para o produtor rural que procura maiores lucros do que os obtidos quando pratica uma única atividade.

No entanto, é preciso destacar dois pontos importantes: 1) a piscicultura, como qualquer outra atividade, requer níveis mínimos de produção e de produtividade (que variam de propriedade para propriedade), abaixo dos quais o prejuízo é certo. 2) se, por um lado, a diversificação da pequena propriedade rural é algo quase sempre benéfico e necessário, o mesmo não se pode falar da diversificação da produção aqüícola na propriedade.

Ao contrário das atividades agropecuárias mais tradicionais (bovinocultura, avicultura, suinocultura e inclusive na carcinicultura nacional), que cultivam apenas uma ou, no máximo, duas diferentes espécies, mais de 50 espécies de peixes vêm sendo cultivadas experimental ou comercialmente no país (tabela 1). Esse número certamente aumentaria muito se fossem incluídos aí os peixes ornamentais.

Tabela 1. Principais espécies de peixes produzidas, comercial ou experimentalmente no país.
NOME CIENTÍFICO NOME VULGAR
1.     Arapaima gigas Pirarucu
2.     Aristichthys nobilis Carpa-cabeça-grande
3.     Astronotus ocellatus Apaiari
4.     Astyanax sp. Lambari
5.     Brycon cephalus Matrinxã
6.     Brycon hilarii Piraputanga
7.     Brycon Lundi Matrinxã
8.     Brycon orbignyanus Piracanjuba
9.     Centropomus paralellus Robalo
10.  Cichla ocellaris Tucunaré
11.  Clarias gariepinus Bagre-africano
12.  Colossoma braquipomum Pirapitinga
13.  Colossoma macropomum Tambaqui
14.  Ctenopharingodon idella Crapa-capim
15.  Cyprinus carpio Carpa-comum
16.  Hypophthlmictys molitrix Carpa-prateada
17.  Hipostomus sp. Cascudo
18.  Hoplias lacerdae Trairão
19.  Hoplias malabaricus Traíra
20.  Hoplosternum sp. Camboatá
21.  Hypophthalmichthys molitrix Carpa-prateada
22.  Ictalurus punctatus Bagre-americano
23.  Leporinus elongatus Piapara
24.  Leporinus macrocephalus Piauçu
25.  Lophiosilurus alexandri Pacamã
26.  Micropterus salmoides Black bass
27.  Mugil cephalus Tainha
28.  Myleus sp. Pacu
29.  Odonthestis bonariensis Peixe-rei
30.  Oncorhynchus mykiss Truta-arco-íris
31.  Oreochromis niloticus Tilápia
32.  Oxydoras niger Cuiu-cuiu
33.  Paqui (Híbrido) Paqui
34.  Patinga (Híbrido) Patinga
35.  Piaractus brachypomum Piratitinga
36.  Piaractus mesopotamicus Pacu-caranha
37.  Plagioscion squamossisimus Pescado-do-Piauí
38.  Prochilodus argenteus Curimatã pacu
39.  Prochilodus cearensis Curimatã-comum
40.  Prochilodus linneatus Curimbatá
41.  Prochilodus margravii Curimbatá
42.  Prochilodus nigricans Curimatã
43.  Prochilodus scrofa Curimbatá
44.  Pseudoplatystoma corruscans Pintado
45.  Pseudoplatystoma fasciatum Cachara
46.  Rhamdia quelen Jundiá
47.  Salminus maxillosus Dourado
48.  Salmo salar Truta
49.  Schizodon sp. Piau
50.  Semaprochilodus sp. Jaraqui
51.  Tambacu (Híbrido) Tambacu
52.  Tilápia vermelha (híbrido) Tilápia
53.  Triportheus angulatus Sardinha-chata

 

Também, ao contrário do que se pode imaginar, o uso de várias espécies juntas em um viveiro ou mesmo na propriedade rural, exige uma grande dose de conhecimento técnico para que o produtor consiga produzir com a competitividade necessária para que a margem de lucro compense o investimento.

Sob o ponto de vista da produção em larga escala, esse número elevado de espécies é um absurdo. Não há tecnologia disponível para o cultivo da grande maioria delas nem insumos apropriados (infelizmente, ainda se fala em rações para carnívoros ou não-carnívoros no Brasil e não em ração para tilápia ou para tambaqui, para carpa ou para a espécie que seja). Não há escala de produção para a grande maioria dessas espécies. E o que é pior, em alguns casos não se sabe nem se há mercado para tais peixes ou se o produto produzido através de cultivo atende as exigências do mercado.

A saída é a agregação de valores?

Certamente é nos momentos de crise que se conhece a solidez de um empreendimento ou de uma atividade. Mas também é nos momentos de crise que as soluções mágicas costumam a aparecer. Muito se fala hoje em dia na necessidade do produtor de agregar valor à sua produção. Mas será que isso é algo factível? Como o produtor pode fazer isso? Criando centenas ou milhares de micro indústrias caseiras por todo o país (só no estado do Paraná são mais de 20.000 piscicultores)? Espero que essa não seja a idéia, porque ela é péssima e apenas mais uma forma de onerar a produção, endividar e até quebrar o pequeno produtor.

O piscicultor, por produzir matéria prima, tem participação minoritária no valor agregado da piscicultura. Estudos realizados com diversas cadeias agroindustriais mostram que os produtores geralmente ficam com cerca de 10% do valor agregado ao produto, enquanto 70% do valor total agregado fica com setores localizados no “pós-porteira” e 20% com o setor de produção de insumos. Também é preciso considerar que, mesmo na produção familiar, há necessidade de um investimento significativo na qualificação de todos os elementos da família, em especial para que eles possam trabalhar na engenharia de processos e na gerência econômico-financeira do negócio, pois perdas com perecíveis de elevado valor agregado, podem também quebrar o empreendimento familiar. Ou seja, o risco é muito elevado.

A estrutura de manipulação de produtos perecíveis, mais que qualquer outra cadeia de produção, exige uma grande dose de planejamento e organização, para que se obtenha produtividade, qualidade e baixo índice de perdas.

A agregação de valores seguramente é uma das boas alternativas para a indústria aqüícola, mas não há qualquer garantia de que os valores agregados aos produtos sejam repassados aos produtores.

A saída é exportar?

Atualmente os brasileiros assistem a escalada vertiginosa do dólar. Muitos devem estar pensando: “a saída é exportar”. O próprio presidente já disse que agora é “exportar ou morrer”. Mas será que o piscicultor brasileiro está preparado para exportar?

Vamos aos números, tomando como base os dados divulgados pela American Tilapia Association e pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos. No ano 2001, os EUA importaram 56.337.449 kg de tilápias, sendo 68,7% na forma de tilápia inteira congelada, 18,2 % na forma de filé fresco e 13,1% na forma de filé congelado.

Os dados mostram ainda, que no ano de 2001 a exportação brasileira de tilápias para os Estados Unidos foi simplesmente ridícula, 0,01% em termos de volume importado por aquele país, e 0,02% em termos de valores de comercialização. Já se considerarmos apenas as importações americanas de filés congelados, essa contribuição relativa subiria para 10,9 e 9,7%, respectivamente. O incrível é que até o Chile, com todas as suas limitações de área e de clima, exporta mais tilápias que o Brasil (tabela 2).

Tabela 2. Importações norte-americanas de tilápia em 2001.

Produto País Quilos US$
Filé Fresco CHILE 14.931 77.102
Filé Fresco CHINA 191.050 617.305
Filé Fresco COLÔMBIA 32.217 187.973
Filé Fresco COSTA RICA 3.108.922 16.485.179
Filé Fresco EQUADOR 4.924.244 31.805.661
Filé Fresco HONDURAS 1.437.708 8.634.514
Filé Fresco HONG KONG 3.628 21.785
Filé Fresco JAMAICA 91.601 647.396
Filé Fresco NICARÁGUA 3.846 20.937
Filé Fresco PANAMÁ 350.174 2.104.705
Filé Fresco TAIWAN 76.138 225.560
Filé Fresco TAILÂNDIA 159 1.094
Subtotal: Filé Fresco 10.234.618 60.829.211
       
Filé Congelado BRASIL                     8.027               27.896
Filé Congelado CANADÁ                     8.164               60.456
Filé Congelado CHINA              2.528.983           8.596.944
Filé Congelado EQUADOR                 139.520              652.652
Filé Congelado INDONÉSIA 2.178.850         10.846.191
Filé Congelado JAMAICA                     2.751               11.870
Filé Congelado NOVA ZELÂNDIA                   44.603              227.757
Filé Congelado NICARÁGUA                   16.945               80.052
Filé Congelado FILIPINAS                     2.116                 9.240
Filé Congelado CORÉIA DO SUL                   19.958               71.534
Filé Congelado TAIWAN 2.133.297   7.213.755
Filé Congelado TANZÂNIA                   26.400               90.057
Filé Congelado TAILÂNDIA                 209.207              818.293
Filé Congelado VIETNAM                   52.951              198.297
Subtotal: Filé Congelado 7.371.772 28.904.994
       
Tilápia Congelada CHINA 10.869.799 10.496.763
Tilápia Congelada EQUADOR 95.399 261.635
Tilápia Congelada INDONÉSIA 38.899 70.350
Tilápia Congelada MALASIA 17.298 22.632
Tilápia Congelada PANAMÁ 2.379 6.080
Tilápia Congelada FILIPINAS 50.802 54.448
Tilápia Congelada TAIWAN 27.599.307 27.020.328
Tilápia Congelada TAILÂNDIA 48.799 112.276
Tilápia Congelada VIETNAM 6.946 7.977
 Subtotal :Tilápia Congelada 38.729.628 38.052.489
 

TOTAL GERAL EM 2001

56.336.018 127.786.694

 

Historicamente, o produto que atinge o maior preço no mercado norte-americano é o filé de tilápia fresco. Em 2001, ele chegou a U$S 6.00/kg, contra U$S 4,00/kg do filé congelado e U$S 1.00/kg a tilápia inteira congelada. São preços, a princípio, bastante atrativos. No entanto, esse é o chamado preço CIFC (Cost, Insurance, Freight and Comission – ou Custo, Seguro, Frete e Comissão), o que significa que o vendedor entrega as mercadorias quando elas transpõem a amurada do navio no porto de embarque e arca com os custos do frete relativo ao transporte até o porto de destino além de obter um seguro marítimo contra o risco de perda ou dano às mercadorias durante o transporte e a comissão paga a terceiros. Como se pode prever, a lista de custos de exportação pode ser bastante extensa, incluindo, além do frete e do seguro, custos de edição do contrato de câmbio, custo de remessa, de armazenagem (cujo valor geralmente não fica por menos de 1% do valor CIFC), capatazia (imposto pago pela mercadoria que passa pelo cais de embarque), honorários do despachante, taxa para o sindicato dos despachantes e taxas aduaneiras. Ou seja, o valor de US$ 1.00 pago pelo comprador americano nem de longe significa que o produtor brasileiro receberá R$ 3,00 pelo quilo da tilápia exportada inteira congelada.

Infelizmente, mantido o atual modelo produtivo, a imensa maioria dos piscicultores brasileiros nunca terá condições de exportar a sua produção, pois, além da questão dos custos, é preciso que se saiba que em comércio exterior não há lugar para o improviso e para ações amadorísticas. Conhecer o essencial sobre os trâmites envolvendo a exportação, em seus aspectos administrativos, financeiros, cambiais, regimes alfandegários, impostos e taxas, custos no país em questão, bem como o rito processual para liquidação de cambiais vencidas, ações judiciais, etc., são preceitos indispensáveis para o sucesso nesse mercado.

Exportar é um processo que exige continuidade, não podendo ser entendido como alternativa ou válvula de escape para eventuais crises do mercado interno. Além disso, é preciso investir na organização do mercado externo. Sem pesquisa de mercado, sem escolha cuidadosa dos agentes, sem definição do consumidor que se pretende atingir e sem conhecer as exigências de cada mercado, só poderão ser realizados negócios esporádicos, nunca permanentes.

Outro detalhe importante é que o mercado externo exige o cumprimento rigoroso dos prazos de embarque e dos volumes convencionados, coisas bastante difíceis para o desestruturado setor da piscicultura nacional.

Por fim, deve-se atentar para duas regras básicas: 1) Ninguém compra por favor. Sempre deve haver razões para que alguém comece a comprar de um fornecedor novo e tão distante, como melhor preço, qualidade aceitável e garantia de fornecimento contínuo, além de atendimento tão eficiente quanto aos fornecedores tradicionais. 2) Não se deve esperar por resultados imediatos e grandiosos. A abertura de novos mercados necessita sempre de muito trabalho a médio e longo prazo. Exportar é, na realidade, um “investimento” que necessita de tempo para dar retorno.

A saída está no cooperativismo?

Na realidade, as possíveis saídas para o desenvolvimento da piscicultura nas pequenas propriedades envolvem a agregação de valores, a diversificação da produção e até mesmo a exportação. Loucura nossa, depois de tudo o que foi escrito anteriormente?

Claro que não. Todas as vias de comercialização discutidas anteriormente devem, a priori, ser consideradas, pois cada região brasileira possui as suas próprias peculiaridades e potenciais a serem explorados. Mas, o importante é que qualquer que seja a opção adotada, dificilmente ela poderá ser abraçada e viabilizada por pequenos ou médios produtores rurais isoladamente, pois essa opção acarretará em custos elevados e necessidade de produção de peixes em larga escala. Disso é difícil escapar.

Como quase nunca é factível elevar a área de cultivo de uma pequena propriedade de 0,37 ha para 3,7 ou para 37 ha, a saída é juntar a produção de vários pequenos produtores e comercializá-la em bloco. Em outras palavras, a saída é, sim, os produtores unirem seus esforços em torno de cooperativas.

Muitos, baseados na história recente das cooperativas agrícolas brasileiras, dirão que elas não funcionam. De fato, administradas de forma amadora e sendo compostas por cooperados que não se esforçam em nada para a sua viabilização, elas não funcionarão.

Hoje em dia, há cooperativas de taxistas, de trabalho, de crédito, de consumo, de transporte, de serviços, de saúde, de educação, de mineração, cooperativas artesanais… Por que não de piscicultores? Será que as 800 milhões de pessoas que, segundo dados da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), agrupam-se em torno de cooperativas espalhadas pelo mundo estão indo na direção errada e só o individualista sistema de produção de peixes cultivados do Brasil está correto?

Vamos analisar o exemplo do nosso próprio país. Juntas, as cooperativas agropecuárias brasileiras representam uma força econômica invejável. Faturam cerca de R$ 20 bilhões/ano, o que representa 22% do Produto Interno Bruto do setor, que soma R$ 90 bilhões. O número de agricultores vinculados a uma das 1.048 cooperativas agropecuárias brasileiras supera a marca de 1 milhão de pessoas.

Cooperativa é, segundo uma definição das mais recentes, “uma associação autônoma de pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, por meio de uma empresa de propriedade coletiva e democraticamente gerida”.

Os objetivos básicos de uma cooperativa são: 1) reduzir, em beneficio de seus membros e através do esforço comum destes, o custo ou, conforme o caso, o preço de venda de determinados produtos ou serviços, substituindo o intermediário; 2) aprimorar a qualidade e a forma de apresentação dos produtos fornecidos.

A atuação das cooperativas pode englobar, desde o fornecimento dos insumos (alevinos, fertilizantes, ração, etc.), até uma completa rede de assistência técnica, que permitiria aos piscicultores o acesso a tecnologias mais modernas e voltadas para a sua realidade local. Além disso, como o mercado exige qualidade, a custos de produção reduzidos, as cooperativas que se estruturassem poderiam, através de eventos como: dias de campo, treinamentos continuados, cursos de capacitação, palestras e seminários, promover o trabalho de extensão e a capacitação rural, ponto nevrálgico para a modernização da aqüicultura brasileira. No entanto, produzir é apenas uma das etapas do complexo sistema cooperativo agropecuário. O produto produzido nas propriedades rurais precisa ser transportado, conservado, beneficiado, comercializado e industrializado, exigindo das cooperativas estrutura para tal e grande eficiência técnica gerencial, pois delas depende a remuneração dos produtores cooperados.

Os problemas cooperativistas

Claro que nem tudo são flores. É justamente em função da sua significativa participação na produção, que as empresas cooperativas ficam expostas às crises econômicas, como as que tem assolado periodicamente o Brasil e, é por isso que administrar uma cooperativa não é trabalho para qualquer um. Uma administração em moldes pouco profissionais é o caminho mais curto para o fracasso. As cooperativas precisam, sim, contar com a participação ativa e constante dos piscicultores, mas não podem abrir mão de funcionar centradas em moldes totalmente empresariais, o que implica na contratação de administradores de empresa com comprovada qualificação para promoverem o seu gerenciamento.

As empresas cooperativas devem estar voltadas para o aumento da eficiência, com base no tripé produtor-cooperativa-mercado. Em outras palavras, é preciso planejar ações que fortaleçam os cooperados; que garantam a profissionalização das próprias cooperativas; e que produzam de acordo com as necessidades do mercado. A profissionalização e o mercado exigem altos investimentos em comunicação, marketing e treinamento pessoal.

Por fim, é preciso ter em mente que não são apenas as pessoas a razão do sucesso ou do fracasso das empresas cooperativas, e sim a capacidade destas cooperarem entre si para construírem algo maior que suas limitações e seus sonhos individuais. Os princípios cooperativistas estão inspirados e fundamentados no desejo e na necessidade das pessoas de cooperarem entre si para, em conjunto, obterem melhoria da qualidade do nível de vida, o que, isoladamente, dificilmente seria atingido. Essa tese reúne princípios muito mais avançados do que a teoria tradicional do lucro e das relações entre capital e trabalho.

Como foi dito inicialmente, não há milagres para a transformação do atual modelo de piscicultura de “sub-subsistência” praticado no país, em um modelo comercialmente viável. Há, sim, saídas. Mas saídas que passam pela organização, capacitação, planejamento e profissionalismo.

Isso tem que ser válido não só para o setor produtivo, mas também para todos os demais elos da cadeia produtiva da aqüicultura brasileira, incluindo aí as universidades e centros de pesquisa, empresas prestadoras de serviço e fornecedoras de produtos e até o Poder Público, cuja inoperância atual está muito bem retratada na figura do Departamento de Pesca e Aqüicultura, do Ministério da Agricultura. Mas esse é um outro capítulo deste processo de mudanças.