Lucros Extras para a Indústria de Processamento
Por: Lia Ferraz de Arruda (e-mail [email protected]);
Ricardo Borghesi; Marília Oetterer1, Leandro Portz2
1Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da ESALQ-USP,
2Departamento de Produção Animal da ESALQ-USP.
A bioconversão do material residual, com conseqüente aproveitamento deste, trará vantagens econômicas para a indústria processadora de pescado, além de sanar o grande problema de eliminação de resíduos, matéria poluente e de difícil descarte. O termo resíduo refere-se a todos os subprodutos e sobras do processamento dos alimentos que são de valor relativamente baixo. O descarte direto desses resíduos em aterros sanitários e lagoas de tratamento de efluentes, não são alternativas recomendáveis devido ao odor desagradável que provocam nas áreas costeiras ou nas águas interiores, muitas vezes exploradas como pólos de lazer.
Os resíduos da industrialização do pescado podem ser dirigidos para vários tipos de aproveitamento, divididos em quatro categorias: alimentos para consumo humano, ração para animais, fertilizantes ou produtos químicos. A maior parte, no entanto, se destina a produção de farinha de peixe para consumo animal. Entretanto, a tecnologia conhecida para a utilização dos resíduos das indústrias de pescado na elaboração da farinha não se mostra economicamente atrativa em vista do elevado investimento inicial, sendo necessário também um volume diário mínimo de 10 toneladas para que o empreendimento se viabilize comercialmente. Por outro lado, a transformação desses resíduos sólidos em silagem é um processo bastante simples e necessita, como capital de investimento adicional ao já existente para o beneficiamento, apenas os recipientes de preparo e estocagem.
Silagem de Pescado
A silagem de pescado é definida como produto pastoso ou líquido, produzido a partir do pescado inteiro ou partes dele, ao qual tenham sido adicionados ácidos, e/ou enzimas, e/ou bactérias produtoras de ácido láctico e, onde a liquefação da massa tenha ocorrido basicamente pela ação de enzimas já presentes no pescado.
O Preparar da Silagem Ácida
Para o preparo da silagem química, a matéria prima preferencialmente deve se apresentar em pequenos pedaços ou ser moída antes de ser adicionado o ácido. Normalmente, emprega-se a temperatura ambiente e o tempo decorrente da estocagem desse sistema levará às modificações bioquímicas desejadas. É importante revolver a mistura para que os resíduos dos peixes entrem em contato com o ácido, uma vez que partes do material sem tratamento podem entrar em putrefação. Após a mistura inicial, o processo de silagem começa naturalmente, mas um revolvimento ocasional proporciona a obtenção da uniformidade desejada. O fluxograma para obtenção da silagem é apresentado abaixo.
Fluxograma para obtenção de silagem
O aproveitamento dos resíduos deve ser imediato, assim que são escoados das mesas processadoras. Após a evisceração, se manual, o funcionário separa as partes sólidas e as dirige às saídas acopladas aos picadores ou trituradores (twins). No caso de planta automatizada, à saída da máquina filetadora, devem ser acoplados os “twins” que recebem as partes sólidas. A massa homogeneizada deve ser distribuída em tanques de volume conhecido, onde receberão os ácidos sulfúrico e fórmico na proporção de 3:1 (três partes de ácido sulfúrico para uma de ácido fórmico), para promover autólise e abaixamento de pH da biomassa. O pH deve ser verificado à medida que a solução ácida vai sendo adicionada, pois é o indicativo da quantidade de ácido necessária ao processo.
O efeito do ácido permite a conservação da biomassa. Não deve haver, portanto, acúmulo de resíduos sem o tratamento com ácido, pois se constituiria em um ponto crítico, vulnerável a ação microbiana.
Os tanques podem ser mantidos a temperatura ambiente, em locais cobertos e ao abrigo da chuva e sol, e devem ser revolvidos ao final de cada jornada de trabalho para formação da biomassa pastosa.
O controle do pH deve ser feito diariamente para que seja mantido próximo de 4. Este controle se não efetuado pode se constituir em outro ponto crítico, levando à deterioração da biomassa.
A silagem pode ser utilizada após uma semana e até um mês de estocada, apresentando composição semelhante à da matéria prima, alta digestibilidade com presença integral dos aminoácidos constituintes do pescado e, portanto, se destinar ao uso como ração. A estocagem, se mais longa, constituiria em um ponto crítico nutricional, pois os aminoácidos e os lipídios passam a sofrer alterações.
Materiais Necessários
Se partimos de uma beneficiadora que processe 500 kg/dia de pescado, teremos aproximadamente 200 kg de resíduos e/ou aproximadamente 200 kg de silagem. Para isso devemos contar com os materiais abaixo, apresentados com seus preços atuais de mercado:
– Recipiente (tanque) com capacidade para 200 litros. Dimensões 1,25m x 0,76m x 0,41m, em PVC rígido. Custo total – R$ 1.050,00
– Potenciômetro digital, para acompanhamento do pH. Custo total -R$ 580,00
– Ácido sulfúrico: 4,5 litros/dia. Custo unitário – R$ 5,00 Custo total – R$ 22,50
– Ácido fórmico: 1,5 litros/dia. Custo unitário – R$ 8,20 Custo total – R$ 12,30 Custo total: Investimentos: R$ 1.630,00 + Custo/dia com os ácidos: R$ 34,80
Valor Nutritivo da Silagem
A composição aproximada da silagem de pescado é a mesma da matéria-prima. O valor nutritivo da silagem está na sua digestibilidade protéica, que deve ser preservada evitando-se uma estocagem prolongada. Em comparação à farinha de pescado, a silagem apresenta teores mais baixos de aminoácidos sulfurados, porém mais elevados de lisina.
Utilização da Silagem na Alimentação Animal
O produto final do processo de silagem pode ser considerado como uma importante fonte de proteína na alimentação animal. Principalmente em situações onde a produção de farinha de peixe não é possível e/ou o custo desta fonte protéica é muito alto. A farinha de peixe é um dos produtos protéicos de origem animal mais usados nas rações. Sua produção, no ententanto, exige grande empate de capital, equipamentos especiais e alto consumo energético, com capacidade ociosa em algumas épocas do ano, elevando o preço do produto.
As vantagens da produção da silagem sobre a produção de farinha de pescado são as seguintes: tecnologia simples, independe de escala, não necessitando de grande capital; apresenta reduzidos problemas com odor e efluentes, independe do clima; pode ser produzida a bordo dos barcos; o processo é rápido em regiões de clima tropical e, o produto pode ser utilizado no local em que é produzido. No entanto, as desvantagens também devem ser consideradas: é um produto volumoso de difícil transporte e estocagem e, em alguns casos, devido ao alto teor de gordura dos peixes, o produto final pode ser inferior.
A silagem não deve ser considerada como um produto que compete com a farinha de peixe na alimentação animal. No entanto, como nem sempre a farinha de peixe pode suprir a demanda de uso para ração, aliado ao fato de haver um crescente aumento de resíduos da industrialização do pescado, a silagem aparece como vantajosa proposta, inclusive para pequenas unidades comerciais.
Alimentação de Peixes
A utilização da silagem de pescado na alimentação de peixes tem sido, nos últimos tempos, amplamente estudada. Muitos autores acreditam que devido à semelhança desta fonte protéica com a matéria-prima, a silagem tenha elevado potencial para a utilização na aquicultura. Outros se apóiam no baixo custo, principalmente quando comparada à farinha de peixe .
Alguns autores abordam uma outra forma de utilização da silagem de peixe em rações para a aquicultura. Estes autores caracterizaram a fração lipídica de silagens de resíduos de tilápia e concluíram que o óleo obtido do processo de silagem constitui-se numa fonte de lipídeos de alta qualidade e baixo custo.
Mais informações sobre o assunto podem ser encontradas na matéria “Silagem Biológica de Pescado”, da zootecnista e consultora Thaís Moron Machado, publicada na Edição 47 maio/junho 1998 da Panorama da Aqüicultura.