Quando o atual governo do Estado de São Paulo acenou com o Programa de Demissão Voluntária para o funcionalismo público estadual, o engenheiro agrônomo Ricardo Roberto Wirz vislumbrou a possibilidade de mudar o rumo de sua vida, sem no entanto se afastar da ranicultura, uma atividade que exercitou nos últimos dez anos como pesquisador científico e responsável pelo Ranário Experimental da Estação de Piscicultura e Ranicultura de Pindamonhangaba do Instituto de Pesca – SP.
Atualmente, além de prestar consultoria, assistência técnica e elaborar projetos e cursos, Ricardo Wirz se dedica à construção de seu próprio ranário localizado na mesma cidade, cujas instalações deverão ficar prontas em maio próximo.
Com muito capricho e esperança Ricardo esmera-se para fazer de sua criação um ranário modelo onde pretende produzir inicialmente 200 kg mensais de rã-touro. O local estará aberto para demonstração do funcionamento e aqueles que estiverem interessados em montar seu próprio negócio, poderão visitá-lo.
Motivada por sua experiência e inúmeros trabalhos publicados, a Panorama da AQÜICULTURA traz para os leitores o pesquisador paulista Ricardo Wirz que, traçando algumas considerações sobre os mais importantes aspectos que modificaram o perfil da ranicultura brasileira nos últimos anos, assina a matéria a seguir.
Os resultados de pesquisas científicas somados à experiência de ranicultores tiveram papel fundamental no avanço apresentado pela ranicultura nos últimos 10 – 15 anos. Foi nesse intervalo de tempo que ocorreram importantes inovações relacionadas ao manejo dos animais, à construção de instalações adequadas para as diferentes fases de desenvolvimento da rã-touro (Rana catesbeiana) e, principalmente, ao uso de ração na alimentação de rãs metamorfoseadas.
Alimentação
Como é do conhecimento daquelas que estão familiarizados com a ranicultura, as rãs após a metamorfose mudam de hábito alimentar, passando de onívoras (girinos) para carnívoras, com forte instinto caçador, razão pela qual o movimento do alimento é importante estímulo para que o animal o apreenda. Basicamente existem duas maneiras de se induzir as rãs a consumirem ração: misturando-a com organismos vivos (larvas de mosca, minhocas, etc.) ou através de dispositivos elétricos ou eletromecânicos, os chamados cochos vibratórios.
Não é o objetivo do presente artigo discutir qual dos dois métodos é melhor ou mais eficiente, pois cada um apresenta vantagens e desvantagens. Entretanto, cabe ressaltar que o fato de se conseguir fazer com que as rãs passassem a consumir ração, representa um marco importantíssimo na evolução da ranicultura como atividade zootécnica, tornando mais fácil o manejo alimentar, além de reduzir em 50% ou mais o período de engorda ou recria, que hoje tem duração média de 4 meses. Atualmente já existem empresas produzindo ração para uso específico em ranicultura, entretanto a utilização de ração para trutas (46% de proteína bruta) ainda é uma prática comum entre os criadores que têm obtido bons resultados com seu uso.
Plasticultura
No que diz respeito às instalações, a grande inovação foi a introdução do uso do plástico na ranicultura, principalmente na construção de estufas. Por ser um animal pecilotérmico, o metabolismo das rãs é diretamente influenciado pela temperatura ambiente e, para rãs pós-metamorfoseadas os resultados das pesquisas têm demonstrado que o ideal é que a temperatura ambiente esteja ao redor de 30 ºC. Com base nesses resultados passou-se a recomendar a construção dos setores de reprodução, girinagem e engorda de rãs no interior de estufas (ranário climatizado), o que proporciona maior uniformidade e precocidade na produção, diminuindo o problema da sazonalidade na oferta de carne de rã.
Dependendo da região onde for construído o ranário, o emprego de estufas somado a um manejo racional dos animais, possibilita a obtenção de produções mensais praticamente ao longo do ano. O uso de estufas em ranicultura requer uma atenção especial do criador no que diz respeito ao controle de temperatura e umidade relativa do ar. O correto, é que as estufas sejam equipadas com cortinas ou janelas, que devem ser mantidas abertas durante as horas mais quentes do dia para evitar um super aquecimento e fechadas durante a noite e nos horários de temperaturas mais baixas.
Outra vantagem do emprego de estufas em ranicultura é o seu baixo custo de construção uma vez que galpões de alvenarias com cobertura de telhas de cerâmicas ou fibrocimento apresentam custo muito mais elevado. Estima-se que o custo de construção de um ranário sob estufa esteja por volta de R$25,00 a R$30,00 o m2, valor que pode ser diminuído se na construção da estrutura da estufa forem utilizados materiais alternativos como o eucalipto, bambu, etc.
Ainda com relação as instalações, principalmente àquelas destinadas à engorda de rãs, não se pode deixar de mencionar a evolução que estas apresentaram quanto ao aspecto construtivo e estrutural. Assim, de baias com grandes dimensões (20 a 100 m2) e com piso de terra (tanque-ilha) passou-se a utilizar baias menores (10 a 12 m2) com piso e paredes divisórias de alvenarias (confinamento).
Quanto ao aspecto estrutural, a distribuição espacial dos componentes básicos de uma baia de engorda, cochos, piscinas e abrigos, passou por uma série de transformações no sentido de facilitar o acesso das rãs ao alimento, à água e ao local de descanso ou refúgio. A disposição linear dessas estruturas (anfigranja) é a que tem se mostrado mais eficiente por resultar numa distribuição uniforme dos animais no interior da baia, diminuindo os efeitos negativos da competição entre eles, além de facilitar o manejo (limpeza das baias e fornecimento de ração).
Entretanto, com relação ao piso das baias de engorda, há a necessidade de se pesquisar novas formas de construção mais baratas e menos agressivas às rãs do que os pisos de alvenaria que vem sendo usados. É possível que neste caso, o plástico também seja uma boa solução, desde que possua características físicas adequadas como uma maior resistência para suportar as operações gerais de manejo (circulação do tratador, lavagem das baias, etc.) e uma textura que não seja demasiadamente lisa a fim de evitar que as rãs escorreguem.
Mercado
Atualmente com a tecnologia disponível, baseada na somatória dessas inovações técnicas, é possível alcançar índices de produtividade que variam de 4 a 5 kg de carne de rã por metro quadrado por ciclo de engorda.
Considerando que no Estado de São Paulo a carne de rã esteja sendo vendida a R$16,00/kg (preço médio no atacado) e que o custo de produção esteja em torno de R$ 8,50/kg, tem-se um lucro líquido de R$ 7,50/kg, o que torna a atividade bastante interessante sob o ponto de vista comercial.
Tomando-se como exemplo um ranário dimensionado para produzir 250 kg de carne/mês, podemos afirmar que este proporcionará um lucro de líquido de R$ 1.875,00 ocupando uma área de aproximadamente 400 m2 (sob estufa).
É interessante observar que o espaço necessário para a implantação de um ranário é relativamente pequeno, fazendo com que a ranicultura seja uma excelente opção para pequenas e médias propriedades rurais, desde que estas apresentem condições adequadas. Deve-se lembrar que não basta ter apenas uma ótima tecnologia de produção. Outras etapas como processamento, abate e comercialização são fundamentais e, no caso da ranicultura, necessitam de aprimoramentos.
Para não trabalhar na clandestinidade, o criador precisa registrar seu abatedouro no Ministério da Agricultura (SIF) e para tanto, o abatedouro terá que ser construído dentro dos padrões e normas que tornam seu custo muito elevado, dificultando ou até inviabilizando o desenvolvimento da atividade por pequenos e médios criadores.
Para solucionar esse problema, há a necessidade de se revisar e adequar as normas vigentes, no sentido de possibilitar a construção de abatedouros mais simples e baratos, sem no entanto, comprometer a qualidade do produto. Enquanto isso não ocorre, a solução é a formação de cooperativas destinadas ao abate e comercialização da carne, a exemplo do que fizeram os criadores do Estado do Rio de Janeiro.
Finalizando, cabe salientar que embora a ranicultura tenha apresentado avanços consideráveis nesses últimos anos, ainda há muito o que se pesquisar, principalmente nas áreas de nutrição, genética (melhoramento animal) e patologia. Os resultados de pesquisas conduzidas nessas áreas certamente contribuirão para a redução do custo de produção e conseqüentemente do preço final do produto.
Isto, aliado a um eficiente trabalho de marketing, resultará num aumento do consumo da carne de rã, fazendo com que a ranicultura consolide-se ainda mais como atividade agropecuária.