Os desafios à frente da WAS

Eleita em maio de 2017 para a presidência da World Aquaculture Society (WAS), a professora e pesquisadora da Unesp de Jaboticabal e do Centro de Aquicultura da Unesp (Caunesp) Maria Célia Portella, acaba de tomar posse em Montpellier, na França, e ficará no cargo até março de 2019. Em um breve bate-papo com a Panorama da Aqüicultura, ela fala sobre os principais desafios da aquicultura mundial, sobre como o Brasil é percebido lá fora e o trabalho que fará à frente da instituição.


Panorama da Aqüicultura – Se a eleição foi há mais de um ano, por que só agora a posse?

Maria Célia Portella – As eleições para presidente na WAS acontecem anualmente e o comprometimento é de três anos. O presidente eleito fica cerca de um ano, numa função em que começa a participar das decisões, a se inteirar dos processos e do que está acontecendo na diretoria. Depois disso, assume efetivamente as tarefas executivas do cargo em que ficará por cerca de um ano também, de acordo com a data de realização das reuniões anuais. Finalizado este período, fica numa função equivalente a de “ex-presidente imediato” por mais um ano, onde assume tarefas mais consultivas, dando apoio, um suporte na diretoria da instituição. Grosso modo, podemos dizer que é um ano como trainee, um ano como executivo e outro como conselheiro.

Panorama da Aqüicultura – Quais as diretrizes da WAS hoje?

Maria Célia Portella – O maior compromisso da WAS é com a comunicação na área de aquicultura. A instituição edita livros, revistas como a “World Aquaculture Magazine”, jornais científicos como o “JWAS”, onde são publicados resultados de pesquisa e artigos científicos, e organiza as conferências, webinars;, tudo no sentido de divulgação da aquicultura. E faz um canal muito importante com o setor produtivo, com as feiras, com os trade shows; enfim esse trabalho de juntar o setor produtivo com o acadêmico e o setor da extensão para que a comunicação ocorra entre as pessoas dos segmentos. Tudo isso, sem perder o foco nos estudantes, que são o futuro da aquicultura.

Panorama da Aqüicultura – Atualmente, quais os principais desafios da aquicultura mundial?

Maria Célia Portella – São vários. O primeiro é uma maior integração entre os setores produtivo, acadêmico e de transferência desses conhecimentos que compõem a cadeia. Não é só aqui no Brasil que a gente vê essas dificuldades, também está acontecendo em outros países que têm um potencial muito grande. Outro desafio é a divulgação da qualidade do produto de origem aquícola como sendo um produto diferenciado, proveniente de uma atividade que é sustentável, que economiza água, que preserva o ambiente, que tem uma qualidade nutricional e se diferencia do produto pescado. O desenvolvimento tecnológico é também importante. Se de um lado temos países com avançadas tecnologias de produção, de outro temos países com potencial muito grande, porém, aquém de sua exploração. É preciso estimular o desenvolvimento de tecnologias e sistemas de produção capazes de buscar a eficiência com baixo custo e com aumento da produtividade. Na área de reprodução e larvicultura nós precisamos definir espécies para se trabalhar. Muitos países já têm isso bem definido, como os da Europa, onde se trabalha com algo em torno de dez espécies e nelas põe-se todo o foco. Não ficam tentando a cada dia procurar uma espécie nova, ou a bola da vez, ou a novidade daquela estação reprodutiva. É preciso focar em algumas espécies com potencial para desenvolver mercado, para fortalecer cadeias produtivas, para se buscar comércio exterior. É importantíssima também a produção de dietas mais eficientes e sustentáveis, que devem ser cada vez mais produzidas com produtos de origem vegetal e que atendam bem tanto aos animais como ao consumidor final que procura por alimentos mais saudáveis.

Panorama da Aqüicultura – E a integração com o meio ambiente?

Maria Célia Portella – Essa é uma preocupação mundial. A ideia é trabalhar de uma forma cada vez mais sustentável, buscando um melhor diálogo com agências ambientais. A questão de saúde e bem-estar dos animais também é outro desafio. É necessário achar vias alternativas para a diminuição do uso de fármacos, de antibióticos, de produtos químicos em larga escala, buscando alternativas menos agressivas como, por exemplo, a vacinação ministrada com novos métodos. Há mercados que são muito restritivos, por exemplo, com peixes que passam por reversão, por manipulação genética ou por utilização de hormônios. Outras questões importantes estão relacionadas com socioeconomia, com governança, com licenciamento, com administração e até com as mudanças climáticas e como poderemos lidar com elas.

Panorama da Aqüicultura – Quais serão as diretrizes da sua gestão?

Maria Célia Portella – Minha administração vai ser bastante curta, então não terei muito tempo para implementar grandes mudanças. Pretendo dar continuidade a algumas coisas que já estão acontecendo como, por exemplo, aumentar o fator de impacto de nosso principal veículo, a revista científica da WAS, para dar mais qualidade e melhorar, portanto, a divulgação do setor. Temos trabalhado também na criação do Capítulo Africano, o que deve acontecer em dezembro. Ano passado foi organizada a primeira reunião mundial de aquicultura na África do Sul, desde então houve um movimento muito grande no sentido da necessidade real de formação de um capítulo, assim como já temos o Capítulo Latino-Americano, o Capítulo Americano, o Capítulo da Ásia-Pacífico e o Capítulo Coreano. Durante a minha gestão haverá ainda a celebração dos 50 anos da WAS, que já está sendo preparada.

Panorama da Aqüicultura – Como a nossa aquicultura é percebida lá fora?

Maria Célia Portella – O Brasil é visto e entendido como sendo um dos únicos países que pode competir com a China em termos de potencial para produção aquícola em água doce. Temos aqui, de fato, uma riqueza de recursos hídricos e de espécies, temos a produção de grãos que pode viabilizar formulações de dietas sem utilização de farinha ou óleo de peixe. Então, existe uma perspectiva muito grande da gente aumentar nossa produção para suprir a demanda mundial de pescado nas próximas décadas. Todavia, o que a gente precisa aqui dentro do Brasil é de organização do setor. Falta integração entre os setores de produção, pesquisa e extensão. Na parte de governança da questão ambiental, temos vários problemas para resolver. O mundo vê isso. Conversei com empresários que queriam investir no Brasil em grandes projetos de tilápia, mas desistiram. Um empresário de Israel, por exemplo, desistiu do Brasil para montar as suas empresas na América Central por conta de dificuldades da legislação brasileira. O Brasil é visto como um enorme potencial, mas temos dificuldades com as quais precisamos aprender a lidar se quisermos atrair grandes investimentos. Creio que hoje nós não somos muito atrativos.