Na edição passada a Panorama da Aqüicultura destacou alguns trabalhos apresentados durante o WAS’03, ocorrido em maio último em Salvador. Nesta edição apresentamos as sinopses de mais alguns resumos, desta vez, referentes ao cultivo de camarão marinho.
Já era de se esperar o grande número de trabalhos ligados ao cultivo do Litopenaeus vannamei, o camarão do Pacífico, apresentados durante o WAS 2003, realizado em maio último, em Salvador. Durante o evento foram abordados vários aspectos do cultivo, com destaque para a engorda em águas continentais. Na década de 90, o cultivo do camarão-tigre em locais distantes do litoral, em águas doce, foi muito difundido para outros países da Ásia, a partir da experiência da Tailândia. Mais recentemente, o cultivo do L. vannamei em águas continentais, também começou a ser praticado pelos países produtores da América Latina, como destacou Darryl Jory ([email protected]) no seu trabalho “Camarão em águas interiores: potencial e restrições”. Além do Brasil, destacam-se nesta modalidade o Equador e o Panamá. Nos EUA, o camarão vannamei também é cultivado em águas interiores nos estados do Alabama, Arizona, Florida e Texas.
Segundo Darryl Jory, o cultivo em águas continentais tem múltiplas vantagens, se comparamos com os cultivos em áreas costeiras. Uma delas é o melhor controle sobre as doenças e a sua disseminação, atendendo desta forma aos aspectos críticos da biossegurança dos cultivos, um tema dos mais importantes nos últimos anos para os carcinicultores, em decorrência das doenças virais que dizimaram a indústria em muitos países ao redor do mundo. Os cultivos em águas continentais também desviam a indústria do camarão de áreas costeiras e de ecossistemas altamente sensíveis, nos quais freqüentemente podem ser vistos conflitos com o uso dos recursos comuns, como solo e água. Além disso, quando é utilizada água de salinidade próxima a zero, os efluentes podem ser utilizados para irrigação de muitas lavouras.
A aclimatação de pós-larvas de L. vannamei para as águas de salinidades próximas a zero foi o foco da pesquisa realizada por David Borges ([email protected]) que, em seu trabalho, descreve um manejo de aclimatação a partir de pós-larvas que saíram do laboratório em águas com 15‰ de salinidade. Após ajustes de temperatura e pH, a salinidade vai sendo diminuída em 2‰ a cada dia, através de duas intervenções diárias (8 a.m. e 5 p.m.). As sobrevivências, segundo o autor, variaram de 84 a 98%, e provaram que os procedimentos por ele adotados são satisfatórios e comparáveis aos obtidos em berçários com água salgada.
A aclimatação das pós-larvas às águas oligohalinas também foi tema de trabalho apresentado no WAS’03 por pesquisadores da Universidade de Auburn, nos EUA. Desta feita, a equipe, da qual faz parte o pesquisador D. Allen Davis ([email protected]) estudou o efeito da idade, do potássio e do magnésio no processo de aclimatação das pós-larvas do vannamei às águas subterrâneas provenientes de grandes aqüíferos no estado do Alabama. Os resultados mostraram que a sobrevivência e o crescimento foram maiores quando potássio (KCl) e magnésio (MgCl2) foram adicionados à água. Da mesma forma, a sobrevivência e o crescimento foram maiores quanto mais velhas (PL27) foram as pós-larvas testadas.
O desenvolvimento de rações ambientalmente corretas para camarões foi o tema da pesquisa apresentada por Addison Lawrence, da Texas A&M University ([email protected]). Na opinião do pesquisador norte-americano as rações acabam sendo a maior fonte de poluição das fazendas de camarão devido ao fato de serem, na maioria das vezes, de baixa qualidade, associadas a um manejo inadequado. Segundo Lawrence, se rações “ambientalmente amigáveis” e manejos mais adequados não forem desenvolvidos com uma certa rapidez, o crescimento da carcinicultura mundial será prejudicado em decorrência das quedas na produção e das muitas restrições governamentais. Rações formuladas para serem ambientalmente amigáveis, segundo Lawrence, são essenciais quando, de fato, existe o desejo de se praticar uma carcinicultura sustentável com todos os envolvidos atentos com a biossegurança da indústria.
Um estudo realizado por Thales Passos de Andrade ([email protected]) e Regine Helena Fernandes Vieira, pesquisadores do Centro de Diagnose de Doenças de Camarões Marinhos do GECMAR, comprovou cientificamente o que os carcinicultores já sabiam: quanto maior for adensamento populacional no cultivo, maior será a chance de ocorrência de doenças. Os pesquisadores avaliaram dois sistemas comerciais de engorda de L. vannamei atualmente em operação no Ceará: um sistema de engorda intensivo (>60 camarões/m2) e um sistema super-intensivo (>100 camarões/m2). Os parâmetros escolhidos para que pudessem avaliar as condições ambientais e imunológicas dos cultivos foram: unidades de formação de colônias (UFC) e, contagem total de hemócitos, além dos usuais parâmetros ambientais, onde o oxigênio dissolvido apresentou diferenças estatísticas significativas nas medições efetuadas às 06:00 e às 19:00 horas, mas as medições não apresentaram diferenças quando feitas às 24:00 horas. A salinidade, o pH e a temperatura também não apresentaram diferenças significativas nos dois sistemas de engorda. A transparência, porém, foi menor no sistema super-intensivo. Por outro lado, a contagem global de bactérias aeróbicas encontradas no solo do sistema super-intensivo foi significativamente maior que no sistema intensivo. As contagens totais dos hemócitos também mostraram diferenças significativas sendo sempre maiores nos camarões engordados no sistema intensivo. As contagens totais dos hematócitos indicaram que os riscos de doenças aumentaram claramente à medida que o sistema se intensificou. Segundo os autores, essas são informações relevantes para que se possa, de forma prática, prevenir importantes doenças que afetam economicamente a indústria do camarão cultivado.
Os aspectos da alimentação nos cultivos em águas oligohalinas foram alvo de estudos dos pesquisadores do Centro de Pesquisa em Carcinicultura do DNOCS, entre eles Simone Cardoso Façanha ([email protected]). O trabalho, realizado no município de Pentecostes no Ceará, avaliou o crescimento do camarão vannamei quando alimentado com duas rações contendo diferentes teores protéicos: ração A (35%) e ração B (37%) de proteína. Os cultivos experimentais foram de 126 dias e a densidade inicial foi de 40 pós-larvas por m2. Os resultados encontrados para o controle (não receberam alimentação) e tratamentos A e B foram, respectivamente: peso médio final (g) 4.93, 7.55, 10.81; ganho semanal de peso (g): 0.25, 0.42, 0.60; produtividade (kg/ha/ciclo) 635.12, 1352.60, 1775.85 e, sobrevivência (%) 32.9, 45.85, 45.4. Os resultados, segundo os pesquisadores do DNOCS, mostraram que o melhor desempenho foi o dos camarões alimentados com a ração comercial contendo 37% de proteína bruta, apesar de terem apresentado uma sobrevivência ligeiramente menor que a observada junto aos camarões alimentados com ração contendo 35% de proteína.
Medições sistemáticas dos parâmetros que se relacionam com a qualidade da água nas fazendas produtoras de camarão foi a recomendação feita por Claude Boyd ([email protected]), pesquisador da Universidade de Auburn nos EUA. Segundo Boyd, as medições sistemáticas ajudam a tomar decisões, a avaliar a qualidade da água de abastecimento e os efluentes, permitindo ainda conhecer o efeito desses efluentes no corpo d’água receptor. Em sua apresentação no WAS ’03, Boyd defendeu que as fazendas tenham um programa de controle de qualidade para assegurar que os dados estejam sendo coletados com a freqüência previamente estipulada pelo desenho inicial do programa de monitoramento. Segundo o pesquisador, é importante que os métodos de coleta e análise sejam aceitos e executados corretamente, para que seja possível comparar dados coletados de diferentes estações de coleta em diferentes datas.
Muitos trabalhos apresentados no WAS’03 foram voltados para a avaliação dos efluentes das fazendas de engorda de camarão. Os pesquisadores do Laboratório de Maricultura Sustentável da Universidade Federal Rural de Pernambuco, entre eles Ícaro Gomes ([email protected]) e Alfredo Olivera ([email protected]) apresentaram ensaios de laboratório utilizando ostras Crassostrea rhizophorae e a macroalga Gracilaria. Os resultados mostraram reduções significativas em vários parâmetros, ente eles a clorofila a , o oxigênio e o pH.
Um importante levantamento dos efluentes em 12 fazendas em seis estados brasileiros, foi apresentado durante o WAS’03. O estudo realizado por pesquisadores de diversas universidades brasileiras, foi patrocinado pela ABCC – Associação Brasileira de Criadores de Camarão e contou com o apoio do Instituto Francês de Pesquisas para o Desenvolvimento (IRD na sigla em francês) e do Laboratório de Energia Nuclear da UFPE. Os resultados obtidos foram comparados com os valores de efluentes recomendados pela Aliança Global para a Aqüicultura (GAA na sigla em inglês), com os valores médios de esgoto doméstico (com e sem tratamento), e ainda, com o esgoto de uma processadora de pescados.
A tabela permite uma avaliação de como andam os efluentes das fazendas de camarão no Brasil.
Muitos trabalhos ligados à genética dos camarões vannamei foram apresentados no evento de Salvador. Henry Clifford da Shrimp Improvment Systems ([email protected]) ressaltou que a seleção genética com o objetivo de melhorar a resistência a doenças é sempre a principal meta dos programas de cruzamento e se baseiam em estudos, muitas vezes feitos em laboratórios. Entretanto, alerta Clifford, esses resultados não se mostram tão eficazes no mundo real da produção onde existem os desafios de uma multiplicidade de patógenos. Além disso, vírus como o da Síndrome de Taura pode sofrer mutações muito rapidamente, dando origem a diferentes linhagens, o que dificulta a criação de um animal resistente a um patógeno específico.
Pesquisadores do Departamento de Genética e Evolução da Universidade de São Carlos, entre eles Pedro Manoel Galleti Jr. ([email protected]) apresentaram diversos trabalhos relacionados com a genética do camarão e as populações ora sendo cultivadas no Brasil. No início dos anos 90 muitos reprodutores entraram no Brasil diretamente, vindos de diferentes países da América Latina. Desde 1999, entretanto, as introduções cessaram para que se pudesse prevenir a entrada de patógenos. Desde então, um programa extensivo de domesticação tem sido efetivamente realizado nos laboratórios brasileiros produtores de PLs, daí a importância de existir um estudo da estrutura genética das linhagens de reprodutores, como um importante suporte para que a atividade continue a ser mais previsível e sustentável. Assim, foi apresentado um estudo que estabeleceu a distância genética de quatro diferentes estoques mantidos atualmente no laboratório da Aquatec Ind. Pec. Ltda, no Rio Grande do Norte.
Por falar em Aquatec, Ana Carolina de Barros Guerrelhas, apresentou um painel com a evolução dos laboratórios de larvicultura no País. Desde 1992, quando existiam apenas oito laboratórios em funcionamento, este setor da carcinicultura marinha não parou de crescer e, em 2002, os 28 laboratórios existentes produziram 11 bilhões de pós-larvas pra atender a demanda nacional. A preocupação atual de Ana Carolina é manter os estoques bem distantes do vírus da mancha branca e ao mesmo tempo desenvolver um bom programa de genética para que a produção seja incrementada ainda mais, baseada em melhores taxas de crescimento e resistência a doenças.
Lorenzo Juarez da GMSB Shrimp Hatchery ([email protected]) apresentou um estudo onde analisou os custos operacionais de produção de pós-larvas de camarão marinho em laboratórios instalados em países industrializados e em países em desenvolvimento. As estruturas de custos se apresentaram muito parecidas, exceto pelos altos salários pagos nos países industrializados e pelos altos custos de suprimentos e equipamentos pagos nos países em desenvolvimento.
A alimentação durante a fase de larvicultura foi tema de muitos trabalhos. Pesquisadores do LCM – Laboratório de Camarões Marinhos da UFSC, entre eles Marlene Alano Coelho Aguilar ([email protected]) apresentaram um estudo preliminar sobre o uso de alguns alimentos comerciais presentes no mercado. Estudaram também diferentes alimentos para as pós-larvas no sentido de assegurar uma boa sobrevivência no transporte e nos tanques de recepção das fazendas. Vários alimentos foram testados, entre eles a lula, biomassa de artêmia e gema de ovo, tendo os melhores resultados sido encontrados quando as pós-larvas, antes do transporte, foram alimentadas com biomassa de artêmia e gema de ovos.
Pesquisadores do Laboratório de Produção de Alimento Vivo do Departamento de Pesca da UFRPR, ente eles Berwiek Z. Yflaar ([email protected]) também se dedicaram à nutrição de larvas do camarão vannamei, dessa vez utilizando náuplios de Branchoneta Dendrocephalus brasiliensis. Os experimentos foram realizados nas instalações do IPA em Porto de Galinhas, PE e, segundo os pesquisadores, os náuplios de Branchoneta, congelados ou frescos, podem ser muito úteis na larvicultura do vannamei se associados aos náuplios de artêmia, já que os testes encontraram sobrevivências de até 79% quando a combinação desses dois organismos foi ofertada às larvas.
O cultivo de poliquetas Nereis virens foi tema do trabalho realizado por Eric Pinon ([email protected]) da Service Aqua LLC. Os poliquetas importados sempre desempenharam um papel importante na maturação dos camarões nos laboratórios brasileiros de produção de pós-larvas e chegaram a ser até considerados indispensáveis nesse processo. A proibição das importações por parte do Brasil de animais vivos relacionados ao cultivo de camarões no final dos anos 90, levou os produtores brasileiros de PLs a descobrirem que, apesar de serem ótimos no processo de maturação, os poliquetas não eram indispensáveis e seu uso foi deixado de lado. Atualmente, se quiserem novamente utilizar poliquetas, a sua tecnologia de cultivo já foi desenvolvida pela empresa inglesa Seabait Ltd.
Os chineses já estão compartilhando no meio acadêmico os resultados das pesquisas que realizam com o vannamei. Veio da China um trabalho de Shengli Cai ([email protected]), que desenvolveu um sistema de maturação indoor com recirculação, instalado num estuário do rio Jinshan em Shanghai. As águas de baixa salinidade do estuário foram misturadas com água hiper-salina para ajuste até que ficassem com 28-30‰. A aplicação da ablação unilateral e os manejos adequados permitiram ao pesquisador concluir que seu método funciona para reforçar ainda mais a determinação dos chineses de também participarem do mercado mundial como produtor desta espécie.
O cultivo com troca zero de água em sistema completamente fechado foi o tema apresentado por Enox de Paiva Maia ([email protected]), que durante oito meses conduziu seus experimentos numa fazenda de 62 hectares, produzindo continuamente em escala industrial e utilizando apenas água para repor perdas por evaporação e infiltração. Os resultados obtidos – ganho de peso de 0,62 gramas/semana, sobrevivência de 70% e produtividade de 6.360 kg/ha/ciclo com taxa de converção de 1.81:1 – comprovaram a viabilidade técnica, econômica e ambiental desta modalidade de cultivo. Na busca pelo aperfeiçoamento da tecnologia o pesquisador focou os mecanismos para a sedimentação de resíduos e a utilização de moluscos e plantas aquáticas. Da mesma forma, mereceram destaque o manejo das populações microbiológicas e o uso adequado da aeração artificial.
Ronaldo Cavalli ([email protected]) e outros pesquisadores do Laboratório de Maricultura da Fundação Universidade Federal do Rio Grande, apresentaram uma proposta de criação de padrões para a produção de camarão orgânico já que, segundo os pesquisadores, até o momento nenhum padrão foi sugerido no Brasil. Dentre as propostas estão os aspectos da seleção de locais para construção ou expansão de carciniculturas, obviamente fora de manguezais, sítios arqueológicos e culturais. Os camarões deverão alimentar-se de alimentos naturais, o que exclui o uso de gaiolas ou tanques cobertos com mantas. A preferência pelo uso das espécies nativas foi sugerida, com os reprodutores não podendo ser obtidos no ambiente natural. Propuseram uma estocagem inicial não superior a 25 camarões por m2 e estimulam o cultivo combinado com peixes, moluscos e macroalgas. Regras para descarga de efluentes também foram sugeridas, bem como para a fabricação de rações orgânicas com ingredientes provenientes de culturas orgânicas e farinha de pescados produzida localmente. Apresentaram também medidas para o controle de doenças através de métodos naturais ou homeopáticos, proibindo o uso de quimioterapêuticos, hormônios ou pesticidas. Os pesquisadores gaúchos afirmaram, no entanto, que muito trabalho ainda precisa ser realizado para que se tenha uma proposta viável.