Os números da Piscicultura Paranaense

A seguir os números da aqüicultura paranaense são analisados por Antonio Ostrensky do Grupo Integrado de Aqüicultura e Estudos Ambientais da Universidade Federal do Paraná.


Antonio Ostrensky
Grupo Integrado de Aqüicultura
e Estudos Ambientais –Universidade Federal do Paraná
[email protected]


É provável que grande parte das pessoas que trabalham com piscicultura já tenha ouvido ou mesmo proferido a frase “a piscicultura é uma atividade complementadora de renda nas propriedades rurais”. Será que os dados coletados e tabulados pela EMATER-PR ratificam tal afirmação?

Para responder a essa pergunta, vamos analisar os números por outro ponto de vista. Os dados mostram que o estado do Paraná possui 22.416 piscicultores, que produziram 17.522 toneladas de peixes na safra 2000-2001. Vamos considerar um valor médio de venda de R$ 1,30/kg de peixe vivo. As indústrias processadoras nem chegam a pagar esse preço pela tilápia, enquanto na venda para os pesque-pague este valor até é atingido e, em alguns casos, suplantado. Assim sendo, o valor de R$ 1,30 exprime razoavelmente bem a realidade do mercado regional.

O segundo passo, seria então calcular os montantes envolvidos na comercialização de tilápias pelo setor produtivo. Em outras palavras, qual é a receita gerada aos produtores pela venda de seu produto? A receita bruta total nada mais é que o resultado da multiplicação da produção pelo valor hipotético de venda. Essa conta indica que a piscicultura paranaense gera uma receita anual de R$ 22.778.600,00 ou o equivalente a R$ 1.016,18/propriedade/ano (Tabela).

A etapa seguinte é a mais difícil: estimar, com base na margem de lucro dos produtores, qual seria a receita líquida por propriedade. Eu digo mais difícil porque a maioria absoluta dos produtores não sabe, não calcula ou, o que é pior, sequer tem condições técnicas para calcular o seu custo real de produção.

Vamos, por um mero artifício de cálculo, considerar uma margem de lucro de 40%. Neste caso, a receita bruta por propriedade seria de R$ 406,47/ano, ou R$ 33,87/mês, ou ainda R$ 1,13/dia.

Ainda que essa margem de 40% de lucro possa ser algo tangível para um número reduzido de produtores, a grande maioria dos piscicultores paranaenses vive uma realidade distinta. Vamos comprovar isso. Se a produtividade média por propriedade é de 2.085 kg/ha e a área média 0,37 ha, cada produtor produz, em média, 781,7 kg de peixe por propriedade. Estimando uma taxa de conversão alimentar média de 1,3:1 e densidade de povoamento de 2 peixes/m2, apenas com ração e alevinos, o custo de produção chegará a aproximadamente R$ 0,97. Se o piscicultor não tivesse mais nenhum gasto na produção de peixes, sua margem de lucro seria de 34%, inferior, portanto, aos 40% que estamos considerando na presente análise. Mas isso sem incluir nos cálculos os gastos com combustível, mão-de-obra, impostos, custos de capital, energia, depreciação da infra-estrutura, etc, etc e etc…

Alguns estudos mais aprofundados apontam que o custo real de produção de peixes em viveiros no estado do Paraná não fica abaixo de R$ 1,10-1,15/kg, o que derrubaria a receita líquida por propriedade para cerca R$185,00/ano ou meros R$ 15,50/mês.

Outro fator preocupante é que a piscicultura paranaense está sendo forçada a se adaptar a uma nova realidade de mercado. Desde 1998, os volumes produzidos estão estabilizados em um patamar entre 16.500 e 17.500 toneladas/ano.

A “febre” dos pesque-pague,por sua vez, da sinais de que está amainando. Entre 2000 e 2001 o número de pesqueiros no estado caiu de 685 para 667 (mesmo assim, um número bastante expressivo). Por sua vez, a percentagem de peixes comercializada nos pesqueiros caiu de 68 para 62% e os volumes comercializados nas indústrias processadoras subiram de 19 para 26% do total produzido no estado.

Mas a tendência é que essa “migração” dos peixes dos pesque-pague para as indústrias se dê de forma traumática. Como todos devem saber, a produção em nível industrial pressupõe o aumento da escala de produção, o aumento da produtividade e da competitividade e a redução das margens relativas de lucro (até por isso os valores pagos pelas indústrias são inferiores aos pagos pelos pesque-pague). Mas a questão é: reduzir margem de que? Que lucro?

Tabela I. Simulação de rentabilidade da piscicultura paranaense na safra 2000-2001, considerando uma margem hipotética de lucro de 40%.
Tabela I. Simulação de rentabilidade da piscicultura paranaense na safra 2000-2001, considerando uma margem hipotética de lucro de 40%.

Voltando à pergunta feita inicialmente, será que R$ 33,87/mês é um valor suficiente para complementar a renda nas propriedades rurais? Talvez não seja tão simples responder a essa pergunta, pois não existe uma escala ou um aparelho para medir o nível de “complementação de renda nas propriedades”. Mas, em termos absolutos, quaisquer que sejam os valores considerados, a receita média líquida por propriedade é simplesmente ridícula, pois tanto R$ 0,51/dia ou R$ 1,13/dia são valores mais apropriados para esmola do que para rendimento líquido de uma atividade produtiva como a piscicultura. E olha que o estado do Paraná é reconhecidamente um dos maiores produtores de peixes cultivados do país…

Está na hora de todos aqueles que se consideram “especialistas” em piscicultura repensarem o modelo produtivo empregado não só no estado do Paraná, como no Brasil, como um todo. A idéia de que a piscicultura está fadada a ser uma atividade “complementadora de renda” é um imenso desserviço que tais “especialistas” prestaram e prestam à atividade. Uma grande falácia, que precisa ser urgentemente revista e substituída por ações concretas e efetivas para reversão do quadro apresentado.

Se o modelo adotado não possibilita a obtenção de ganhos reais aos produtores, a piscicultura deixa de ser uma atividade produtiva e passa a ser um simples hobby e todos perdem com isso.

Mas, há como reverter a situação atual? Provavelmente, sim. Mas isso já é outra polêmica…