Pacu:

O representante pantaneiro da piscicultura genuinamente brasileira

Por: Jomar Carvalho Filho


Dos peixes nativos brasileiros o pacu-guaçu ou pacu-caranha ou simplesmente pacu, é certamente o que reúne o maior número de publicações técnicas e científicas. Nesse acervo devemos destacar os trabalhos gerados pelos pesquisadores do CEPTA, o maior e mais bem equipado centro para a pesquisa em piscicultura do país e que vem se dedicando quase que exclusivamente ao estudo desse peixe, além dos trabalhos gerados na CESP e no Centro da Aqüicultura da UNESP, instituições paulistas que muito contribuiram para o acervo científico até então produzido a respeito do Piaractus mesopotamicus.

Aliás, é justamente em torno deste nome científico – Piaractus mesopotamicus classificado por Holmberg em 1887 que se instalou a primeira, e talvez única, polêmica envolvendo este peixe, habitante ameaçado dos rios que compõem a Bacia do Prata, na Região Centro-Sul brasileira. A extrema semelhança do pacu com o tambaqui – Colossoma macropomum, manteve-o até recentemente classificado como Colossoma mitrei (Berg, 1895). Algo como considerá-lo como um primo-irmão do tambaqui. Mas uma recente revisão, sugere mesmo a nomenclatura Piaractus mesopotamicus e é assim que a ele se refere a maioria dos trabalhos publicados à partir de 1986.

O pacu é originário da Bacia dos rios Paraná, Paraguai e Uruguai. É um peixe onívoro, com dentes truncados e corpo comprimido no abdome. Sua coloração dorsal é cinza escuro e as partes ventral e latero-ventral são de uma belíssima cor amarela-dourada como acentua Manuel Pereira de Godoy. A nadadeira caudal possui lobo inferior mais desenvolvido que o superior e o dimorfismo sexual (distinção entre sexos) pode ser verificado observando-se a nadadeira anal que nas fêmeas é emarginada e no macho é bilobada.

AMBIENTE NATURAL

O atual diretor do CEPTA, José Augusto Ferraz de Lima, estudou entre 1981 a 1987, o pacu no Pantanal de Mato Grosso, seu habitat natural. Segundo o pesquisador, este ambiente já se encontra muito ameaçado, sujeito a processos graves de degradação ambiental por poluição, pesca predatória, desmatamentos, aterramentos, barramentos, esgoto doméstico e industrial e garimpos. Ferraz destaca entretanto a Bacia do Alto Paraguai, que em sua opinião deve ser considerada como uma reserva biológica do pacu por ser a região da Bacia do Prata que melhor congrega as características hídricas fundamentais para o desenvolvimento do seu ciclo de vida.

No ambiente natural o ciclo de vida da espécie apresenta estreita relação com as flutuações sazonais do nível dos rios. Ferraz e colaboradores em 1984 concluiram que o comprimento total médio em que todos os indivíduos estão aptos a participar do processo reprodutivo nestes ambientes é por volta de 42 cm, correspondente ao quinto ano de vida, entretanto foram observados animais de 34 cm (supostamente com 3 anos de vida) na primeira maturação.

Nos rios, os animais empreendem longas migrações rio-acima durante o período seco (junho-outubro). Após a desova, já na estação chuvosa (outubro-abril), os adultos penetram nas zonas de inundações onde permanecem em regime de alimentação intensiva, favorecidos pela grande variedade e quantidade de frutos silvestres que amadurecem nesta época do ano e aí permanecem até a vazante, quando voltam ao leito do rio e reiniciam o ciclo (abril-junho). Ferraz observou ainda que no rio Cuiabá a partir de setembro, com a temperatura média elevando-se acima dos 26 graus houve um grande incremento na maturação gonadal mantendo-se assim até o mês de março, com pico de desova em meados de novembro confirmando a estreita correlação com a subida constante do nível do rio.

CULTIVO

REPRODUTORES

Um levantamento da criação de pacu e tambaqui na Região Sudeste foi feito por Geraldo Bernardino, pesquisador do CEPTA e atual presidente da ABRAQ e Rossana Lima da USP. Segundo esse levantamento, todos os reprodutores dessa região são originários da Bacia do Alto Paraguai (Rio Coxim, Taquarí, Cuiabá, Miranda e Aquidauana) e Rio Paraná existindo cruzamento entre os diferentes lotes não se conseguindo identificar a origem exata dos reprodutores. De uma maneira geral os reprodutores são estocados em viveiros sem separação de sexo onde em monocultivo utilizam-se de 50 a 700 g de peixe por m2. Segundo Bernardino e Ceccarelli, a renovação de água dos reprodutores nos meses de fevereiro a abril deve ser apenas a necessária para compensar as perdas por evaporação ou infiltração, baixando uma vez por mês 40 cm e completando em seguida. De maio a setembro o fluxo deve ser deixado constante, equivalente a uma renovação por mês e de outubro a janeiro o equivalente a 1 ou 2 renovações por mês.

Benardino constatou que apesar dos trabalhos feitos sobre a nutrição do pacu, ainda não existe um programa de alimentação que atenda às diferentes fases de criação (reprodutores, larvicultura, alevinagem e engorda).Foi constatado que o produtor brasileiro da região Sudeste alimenta sem nenhum critério existindo muitos criadores alimentando com milho + concentrado (de suino ou ave) ou com misturas de diversos ingredientes como mandioca, abóbora, milho, frango triturado, etc formando um ‘bolo’ que em muitas ocasiões servem mais para o empobrecimento da qualidade do meio em que o peixe vive do que concorre com algum efeito nutritivo para o animal.

O planejamento alimentar dos reprodutores deve ser definido com base na biomassa, condições ambientais e estado de maturação gonadal. A taxa de alimentação é de 1 a 1,5 % da biomassa do peixe, no período de temperaturas baixas e 2 a 3 % no período de outubro a dezembro com a maturação avançada.

A seleção dos reprodutores de pacu devem seguir os procedimentos costumeiros para a maioria dos peixes, isto é, fluidez do sêmen (machos) e dilatação e maciez do abdome (fêmeas). Ainda segundo Bernardino existem diversos tratamentos hormonais para maturação final, ovulação e espermiação, do pacu, sendo que a mais usada é a hipofisação – aplicação do extrato bruto de hipófise, que esbarra em vários incovenientes como a dificuldade de obtenção de hipófises, avaliação do potencial gonadotrópico do extrato hipofisário e a impossibilidade de uma padronização segura da metodologia. Recentemente tem sido testados o hormônio liberador da gonadotropina (GnRH ou LHRH) e seus análogos, associados ou não a antagonistas de dopamina (domperidona, pimozida, etc). No mercado nacional podem ser encontrados algumas apresentações de GnRH como o HRF-Gonadorrelina (Lab. Ayerst), Relisorm (Lab. Organon), Profertil (Lab. Tortuga) e GnRHa-Conceptal (Lab. Químio).

INCUBAÇÃO E ALEVINAGEM

Castagnolli afirma que, após a indução, o principal problema da larvicultura do pacu é a prolificidade – uma única fêmea com 5 a 8 kg produz de 500.000 a 1.000.000 de larvas e a dificuldade é a produção de alimentos vivos em quantidade e qualidade adequada nos primeiros dias de vida. Os ovos são incubados na densidade de 1.000 a 2.000 unidades por litro em incubadoras de 60 e 200 litros. Após a eclosão, as larvas são removidas para incubadoras de 200 litros (100.000 a 300.000 larvas) por cerca de 110 horas até atingirem o estágio de pós-larvas onde muitas vezes recebem como alimentação ovo microencapsulado na proporção de um ovo para 100.000 larvas.

Os viveiros de alevinagem para o pacu, assim com o de outros peixes, devem ser preparados visando a melhor qualidade possível de água combinado com a maior disponibilidade possível de alimento e proteção contra predadores.

O ciclo de alevinagem, em viveiros de 200 a 2.000 m2, geralmente é de 35 a 40 dias após a estocagem de pós-larvas com 4-5 dias de idade, quando apresentam abertura bucal e quase completa absorção do saco vitelino. Fontes e Senhorini verificaram que a sobrevivência, comprimento e peso do pacu tendem a diminuir com o aumento da densidade de estocagem (40,80 e 160 larvas/m2).

Muitos são os sistemas de alimentação utilizados para os alevinos do pacu. Normalmente estimula-se uma produção adequada de alimentos naturais no viveiro através de uma boa preparação e adubação. No que se refere a alimento natural há, segundo Fregadolli uma preferência por cladóceros e rotíferos nos primeiros dias de alimetação. Dietas artificiais são utilizadas e Brener, estudando pacus com peso de 23 a 43g estimou para esses animais uma exigência média de 37,3% de proteína bruta. Estudo semelhante foi realizado por Carneiro em 1990 e sugere para alevinos teores de 30 % de protéina bruta e 3.600 kcal/kg em temperaturas de 28 a 32 º C. Alguns produtores da região Sudeste alimentam duas vezes ao dia seus alevinos na proporção de 500, 750, 1.000, 1.500 e 2.000 g de alimento por 100.000 animais, respectivamente da 1º a 5º semana (adaptado de Woynarovich 1988).

ENGORDA

Segundo Newton Castagnolli, diretor do Centro de Aqüicultura da UNESP, o pacu é um peixe que pode ser criado em todo o território brasileiro, obviamente com algumas restrições em latitudes superiores a 21.5 (LS) e regiões mais altas (acima de 700 m) em que o inverno é mais rigoroso. Nesses locais onde o índice de crescimento se reduz no inverno, Castagnolli recomenda a utilização de alevinos procedentes da região do rio Paraná, a jusante da represa de Itaipú.

A maioria dos pesquisadores e produtores consultados sobre o melhor sistema de engorda, manifestaram-se a favor do monocultivo, pelo fato do pacu atacar as nadadeiras dos outros peixes. O policultivo no entanto é praticado e segundo o veterinário João Borges do IBAMA – GO, em seu estado se pratica a seguinte proporção: Pacu – 50%, Prateada – 15%, Capim – 5%, Comum – 20% e Curimbatá – 10%.

Normalmente os viveiros são estocados com animais de 1,5 a 10 cm e o objetivo é engordá-los até um peso mínimo de 1 kg, pois os pacus, quando abaixo desse peso, apresentam grande quantidade de espinhos pequenos.

Apesar de se alimentarem bem com alimentos naturais, o criador para obter um bom ganho de peso no menor espaço de tempo, deve alimentar com rações balanceadas. Segundo o diretor da CAUNESP, o pacu por ser onívoro se adapta tanto a alimentação natural (frutas e legumes diversos) como ao arraçoamento que deve iniciar-se logo após a segunda semana de vida larval com rações finamente pulverizadas e altos teores de proteína bruta (PB). A partir de dois meses de vida os alevinos devem receber ração granulada triturada e após o quarto mês, quando o peso médio é superior a 100 g, a ração que proporciona a melhor conversão alimentar é a extrusada. Castagnolli afirma que na região de Ribeirão Preto foram observados ganhos de 1,2 a 1,5 Kg durante um ano de recria de pacu em viveiros com um peixe por m2 e, em experimento na CAUNESP em Jaboticabal, foram obtidos animais de 1 Kg de peso médio em um ano utilizando ração com conversão de 2:1. Para Castagnolli o desempenho do pacu em viveiros dependerá, principalmente, da densidade de estocagem (disponibilidade de oxigênio) e manejo alimentar, acrescentando ainda que os resultados de cultivos realizados em tanques-redes também tem sido muito bons com produção de 30 kg/m3 na represa de Itaipú. Outras pesquisas estão sendo realizadas desde março na represa de Volta Grande em conjunto com o IBAMA e CEMIG e nesses experimentos estão sendo testadas densidades de 10 a 50 pacus por m3.

Max A. R. Lucas e Flávio Lindenberg, da Moana Aquacultura de Pariquera-Açú – SP, engordam a cerca de 5 anos o pacu em sistemas de policultivo com resultados positivos. Ao longo destes anos foram testados diversos tipos de alimentos como ração farelada, mandioca e banana, de forma in natura ou processada, mas os resultados encontrados com essa alimentação não foram compensatórios para o que chamam de “uma aqüicultura profissional” pois, a exemplos de outros criadores, obtiveram peixes de um kg somente após dois anos de cultivo. Atualmente utilizam rações comerciais obtendo pacus de um kg após um ano de cultivo. “Embora estas rações comerciais aumentem o custo final do produto em mais de 50%, estes gastos são compensados pelo aumento da produtividade e pela enorme penetração do pacu no mercado paulista de pescado, influenciado pela pesca no Pantanal.” afirma Max Lucas. Por outro lado, o veterinário goiâno João Borges acredita que, apesar dos resultados positivos no que se refere a ganho de peso utilizando ração extrusada, com produtividades que vão de 4 a 8 toneladas/ha/ano, os cultivos de pacu no estado de Goiás quase que se inviabilizam devido ao alto preço da ração. Apesar da enorme quantidade de títulos publicados sobre o pacu, a grande maioria deles se dedica a reprodução e alevinagem. Houve um consenso entre os vários pesquisadores e criadores consultados sobre os rumos que a pesquisa do pacu deve tomar. Todos apontaram para engorda com experimentos visando estabelecer sistemas de produção mais adequados, rações específicas para melhorar a conversão alimentar com maior velocidade de crescimento e produtividade.

DOENÇAS

Geraldo Bernardino e Rossana Lima constataram qua a maioria dos piscicultores de pacus e tambaquis do Sudeste do Brasil não utilizam tratamentos profiláticos em seus animais, nas instalações e nos apetrechos de pesca e que dificilmente conseguem identificar os agentes patológicos quando ocorre mortalidade.

O pacu e o tambaqui foram as espécies mais suscetíveis a doenças entre todas estudadas no CEPTA. Ceccarelli e colaboradores descreveram oito protozoários (Cryptobia, Glossatella, Henneguya, I. multifilis, Trichodina, Scyphidia e Octonita), três trematodas (Dactylogyrus, L. brinkmanni, B. oxycephala), dois nematodas (S. rondoni e S, spectatus), dois artrópodes (Argulus e Lernaea), um acanthocephalo (M. jucundus) e um fungo (Saprolegnia).

Gosuke Sato Chefe do Centro Experimental de Piscicultura de Camboriú – CEPC, relata problemas nos pacus com Dactylogyrus, um trematoda da Ordem Monogenea que parasita as brânquias. João Borges, do IBAMA de Goiás, relata a presença de Costia necatrix, Oodinium pillularis, Ichthyophthirus multifilis e Henneguya. Fungos também foram problemas para Pedro Custódio, da FUNPIVI em Timbó, SC. O bom manejo e a profilaxia dos equipamentos são as melhores armas para se evitar doenças nos pacus. Os tratamentos existentes são fáceis de serem aplicados em alevinos, que podem ser recolhidos e submetidos às várias soluções medicamentosas. Para adultos, a situação sempre fica mais complicada, ficando a critério de cada criador o manejo mais adequado para salvar seus peixes quando doentes, havendo muitas casos em que o extermínio total dos peixes pode ser a melhor solução, evitando a dispersão do agente patogênico.

MERCADO

O mercado do pacu cultivado foi estudado pela pesquisadora Eva Chabalin e colaboradores do CEPTA. Este estudo foi realizado em 1987 no Mercado de Peixes de Cuiabá, que de acordo com os pesquisadores, é o maior do mundo para esta espécie. Na ocasião, o preço do quilo de pacus pesando de 450 a 900 g provenientes de uma piscicultura em Itiquira – MT, foi equivalente ou superior ao preço de pacus provenientes da pesca da região, que pesavam acima de 2 kg. Nas entrevistas feitas com os consunidores locais, habituados ao consumo do pacu, os pesquisadores do CEPTA observaram que 81% dos entrevistados acharam o pacu cultivado melhor que o pescado e 19% o consideraram igual e, 85% deles mostraram que comprariam o peixe pelo menos uma vez por semana e 15% uma vez ao mês.

Mas a preferência pelo pacu não é restrita somente a sua região de origem. Os mercados de São Paulo e Rio de Janeiro já demandam uma quantidade desta espécie muito maior que a oferta. Grandes redes de supermercados muitas vezes ficam sem o produto por não ter onde comprá-los. O preço, a nível de produtor varia de US$ 1.50 a 2.00 e, a nível de consumidor final o pacu é adquirido em média a US$ 2.60. Muitos produtores de pacu se dedicam entretanto à venda para pesque-pague. Este peixe parece ser a vedete destes estabelecimentos pela característica de “briga”, valiosa para a pesca desportiva. Os pesque-pague adquirem peixes acima de 800 g.