Locação, Projeto e Construção
Por: Alexandre Alter Wainberg – biólogo marinho, estudante de mestrado da UFRN, vice-presidente da COOPERCAM, e proprietário da PRIMAR com 42 Hectares.
Dando continuidade a série “Para Iniciantes”, a Panorama da AQUÜILTURA publica o terceiro artigo do biólogo marinho e carcinicultor Alexandre Wainberg, destinado especialmente aos que estão se iniciando na engorda de camarões marinhos.
Para Waingberg, “criar camarão é um pouco parecido com fazer um churrasco”, e ele explica: “junta-se os tijolos para fazer a churrasqueira (viveiros), coloca-se o carvão (água), depois vem a carne (camarões), quando então chegam os palpiteiros para dizer o que está certo ou errado. Todos sabem o gosto que tem um churrasco bem feito, mas como faze-lo é uma particularidade de cada churrasqueiro. O mesmo se dá com o cultivo de camarões, todos querem produzir bastante e ganhar muito dinheiro, mas a forma de alcançar este objetivo varia de acordo com o técnico responsável e a administração do negócio…”
Alexandre Waingberg ressalta ainda que as informações contidas em seus artigos refletem sua experiência individual como carcinicultor e recomenda a todos que desejem criar camarões comercialmente que não deixem de consultar um técnico experiente, por mais que a primeira vista isso possa parecer oneroso.
Locação
Não existe um local perfeito para se criar camarões. Todas as áreas tem seus prós e contras e algum julgamento de custo/benefício deve ser levado em consideração para cada área em particular. Algumas características que considero importantes para implantação de uma fazenda de engorda de camarões seguiram, em sua maioria, critérios citados na bibliografia especializada, portanto me contive em comentar os aspectos menos visíveis:
1 – Água: o primeiro fator a ser considerado é a água que abastecerá a fazenda, tanto em qualidade como em quantidade. O ideal é que a fonte seja de origem estuarina, com salinidade variando sazonalmente entre 10 e 30 ppt. Locais com produtividade natural alta e presença de manguezais em geral são adequados. O acesso a água é muito importante uma vez que a legislação não permite a construção de canais de acesso por dentro dos manguezais. Devem haver gamboas naturais e o ideal é que estejam dispostas de tal maneira que a água captada pelas bombas não se misture com a água drenada dos viveiros. Outro fator importante é o potencial de poluição. Não devem haver indústrias e cidades potencialmente poluidoras na área ou a montante. Áreas com atividade agrícola com uso intensivo de agrotóxicos também devem ser evitadas. Atualmente, com os problemas ocasionados por doenças, deve-se evitar os locais que já possuam outras fazendas, afim de se precaver contra contaminações via águas descarregadas pelo vizinho. Existe uma tendência natural das fazendas se acumularem em um estuário, porém a sensação de segurança de se ter numa área próxima uma fazenda bem sucedida, pode ser um tiro pela culatra.
2 – Solos: o solo ideal é aquele que possui boa consistência para construção dos diques, firmeza suficiente para permitir mecanização, pH acima de 6.0, e baixo teor de matéria orgânica (< 3%). Diversas fazendas brasileiras são construídas sobre terrenos arenosos mas, particularmente, eu não considero estes locais adequados. Minha experiência na Valença da Bahia Maricultura S/A, construída em solo arenoso, mostrou-me que as perdas por infiltração podem ser altíssimas. No entanto, em diversos estados não existem outras opções.
3 – Topografia: a topografia definirá todo o desenho da fazenda. O terreno deve ser plano ou com caimento muito pequeno. A diferença de nível entre o ponto mais baixo e o mais alto não deve ser muito maior que 1 metro, pois os custos com o canal de abastecimento serão elevados, ou os viveiros da parte mais alta ficarão muito rasos.
4 – Vegetação: o desmatamento e destocagem de áreas intensamente arborizadas podem ter um custo ambiental e financeiro proibitivos. Áreas com manguezais ou mata atlântica não podem ser usadas sob nenhum argumento. Antes da aquisição de qualquer área, faça uma consulta formal a todos os órgãos ambientais que possam ter alguma responsabilidade e exija respostas por escrito. Em todos os estados existem ONG’s ambientalistas e o melhor é contatá-los antes do que ter problemas depois. Prepare bem sua argumentação em termos dos benefícios sociais e impacto ambiental pois alguns empreendimentos já foram interditados por escolher áreas politicamente impróprias.
5 – Histórico: é sempre importante conhecer a história da área. O conhecimento do regime de chuvas e ocorrência de cheias pode ser vital. Eu mesmo já perdi toda minha produção em uma cheia recorde em 1994. Em diversos estados mais secos do Nordeste, o regime de chuvas alterna longos períodos de seca com pulsos de chuva muito forte. Também deve ser levada em consideração a história social das comunidades adjacentes. Se a área for historicamente usada com liberdade pela população local, seja para extrativismo (caranguejos, castanha de caju, etc.) ou agricultura, o conflito social pode causar a interdição do projeto.
6 – Infra-estrutura: todo biólogo tende a relegar a infra-estrutura local para um segundo plano. O pensamento de que a área é excelente e o resto se ajeita não é conveniente pois as dificuldades encontradas nas áreas sem infra-estrutura podem tornar o cultivo muito oneroso. É essencial ter acesso trafegável todo o ano, inclusive nos piores invernos. A disponibilidade de energia elétrica e a distância da sua captação devem ser levadas em consideração. Algumas regiões não tem capacidade energética para absorver uma grande fazenda com a demanda elevada da estação de bombeamento e aeração. A existência de comunidades próximas que possam fornecer a mão de obra é muito importante. Também é ideal que seja próxima de um centro urbano que possa fornecer o comércio e serviços para operação da fazenda, tais como gelo, oficinas mecânicas, transporte aéreo e rodoviário, serviços médicos, etc.
7 – Aquisição: este item talvez devesse ser o primeiro da lista. Com a febre de crescimento da carcinicultura em diversas regiões do Brasil, alguns preços simplesmente não compensam a compra da área. O item “terras” deve responder por no máximo cerca de 10% do valor dos investimentos. Outro fator que deve ser examinado é a situação fundiária da área. Diversos locais têm suas escrituras irregulares e/ou impostos atrasados. Convém fazer um levantamento criterioso. No meu caso, paguei em 1993 cerca de US$ 290/hectare e gastei quase o mesmo valor na regularização da propriedade.
Projeto
A carcinicultura é uma atividade em constante evolução e as tendências caminham na direção da intensificação dos métodos de cultivo que demandam viveiros de menor tamanho, alta capacidade de renovação de água e aeração. Na Ásia, onde o sistema intensivo foi desenvolvido, os problemas causados pela deterioração ambiental e doenças resultaram em uma tendência para redução das densidades de cultivo, trocando o sistema intensivo pelo semi-intensivo. Com isto, está havendo uma aproximação entre os sistemas mais recentes usados na América do Sul e da Ásia. No início da atividade no Brasil, a CIRNE no Rio Grande do Norte possuía viveiros de mais de 50 hectares e hoje, raramente são construídos viveiros com mais de 5 hectares. As densidades de cultivo eram de 1-2/m2 e atualmente caminha-se para 40/m2. É importante ter em mente, ao tecer comparações entre as densidades de cultivo da Ásia e América do Sul, que por lá se cultiva o P. monodon e aqui o P. vannamei. O tamanho comercial do primeiro é de 30-40 gramas e do segundo 10-20 gramas ou seja, 10/m2 de monodon correspondem a 20/m2 de vannamei. Hoje, ao projetar uma fazenda de camarões é necessário seguir as tendências da atividade, não adiantando em nada copiar a estrutura de uma fazenda já existente, por mais produtiva que ela seja. É necessário ir além. Os requisitos de projeto descritos abaixo são estabelecidos para as mais modernas práticas de cultivo:
1 – Lay-out: todas as fazendas de camarão são parecidas no lay-out. Sempre devem ser construídas com uma estação de bombas elevando água para um canal de abastecimento central, que distribui água por gravidade para dentro dos viveiros, que drenam por gravidade para dentro de um canal de descarga periférico. Teoricamente o ideal é que os viveiros tenham formato retangular porém, o melhor aproveitamento da área disponível é que determina o lay-out final, podendo alguns viveiros vir a ser meio irregulares.
2 – Viveiros: fazendas maiores terão viveiros maiores pois o controle do empreendimento é dificultado com o aumento das unidades de produção. O tamanho máximo ideal é de 3-5 hectares com profundidade mínima de 1 metro e máxima de 2 metros e construídos com o material local retirado do interior do viveiro, fazendo uma vala periférica com cerca de 0,5 metros de profundidade em relação ao piso do viveiro para gerar o material dos diques. Deve-se diminuir ao máximo o transporte de material externo.
3 – Bombeamento: capacidade de renovação de 10-15% do volume total da fazenda por dia em 12 horas de funcionamento/dia, divididos em duas marés cheias de 6 horas. Se possível usar bombas de fluxo axial pois apresentam a melhor relação potência/volume bombeado.
4 – Canal de distribuição de água: os do tipo reservatório com 10-20 metros de largura são adequados para as fazendas maiores. As menores podem optar por canais pequenos e impermeabilizados, pois o espaço tomado pela opção anterior pode ser significativo. A adução do canal para os viveiros pode ser com comportas ou através de tubos de PVC com sistema de abertura por cotovelo móvel (cachimbo). A altura da água no canal deve ser 0,5 metros acima da água do viveiro de cota mais alta, e borda livre de 0,5 metros.
5 – Canal de descarga: periférico, escavado na terra com cota de fundo no mínimo 0,3 metros abaixo da cota das estruturas de despesca. Largura da base de 4-6 metros. Deve ser projetado para a carga hidráulica máxima, que normalmente ocorre durante as despescas.
6 – Estruturas de drenagem/despesca dos viveiros: podem ser usados cotovelos móveis de tubos de 250 milímetros para os viveiros menores (até 2-3 hectares) e comportas para os maiores.
7 – Aeração: desde que a capacidade de renovação de água seja adequada (item 3), até 20 camarões por metro quadrado a fazenda pode ser projetada sem aeração suplementar. A partir daí aeradores na taxa de 4-6 c.v./hectare do tipo paddle-wheel possibilitam mais segurança e confiabilidade na produção.
8 – Berçários: não se usa mais os berçários de terra tradicionais. A tecnologia atual tende por manter as pós larvas em confinamento de alta densidade somente até estarem mais aptas ao ambiente da engorda. As opções são duas: raceways escavados na terra, impermeabilizados com geo-membrana, programados para trabalhar com biomassa final entre 300-500 gramas/m2 e peso final até 0,2-0,3 gramas; ou tanques redondos de alvenaria programados para trabalhar com 20 pós larvas por litro e peso final de 10-50 miligramas. Ambas opções requerem aeração por sopradores munidos de geradores de emergência para o caso de falta de energia, água filtrada através de malha 300 micra e capacidade de renovação de até 200%/dia.
9 – Outras estruturas: as fazendas devem contar com prédios para administração/pessoal, alojamento, depósito, garagem/oficina, caixa d’água e cisterna e, galpão para lavagem e embalagem do camarão proporcionais ao tamanho do empreendimento.
Construção
Um bom projeto cobre 80-90% das necessidades da obra e os aspectos restantes tem que ser adaptados de acordo com as circunstâncias ao longo da execução. Alguns aspectos da construção podem ser generalizados:
1- Durante esta etapa é comum aparecer conflitos entre engenheiros e técnicos, pois alguns aspectos que parecem irrelevantes para os engenheiros em relação aos custos da obra, são, no entanto, importantes para o técnico. Nesta hora deve prevalecer o bom senso, mas, como em geral o engenheiro tem maior capacidade de argumentação numérica, existe uma tendência de sua vontade prevalecer. Não se pode esquecer contudo, que quando a obra acaba é o técnico que irá segurar a barra durante todo o resto da vida da fazenda. Um exemplo deste conflito ocorre geralmente, na determinação da profundidade dos viveiros. Quanto mais fundo, maior o volume de terraplanagem, que é o item mais custoso da obra. Para economizar, os construtores sempre querem reduzir a altura dos diques e do canal de distribuição de água. E a pergunta que sempre surge é: se fizermos isso, em quanto exatamente a produção será prejudicada? Para tal pergunta não existe resposta, pois cada fazenda é uma (viveiros também) e se comporta diferente das outras.
2- O ritmo da obra (cronograma de execução) é determinado pelo fluxo de recursos. Todas as previsões orçamentárias e de tempo são sempre estouradas. Deste modo, toda obra deve ser efetuada de modo a operacionalizar parte da fazenda o mais rápido possível para gerar receita. O ideal é começar com a estação de bombas (mesmo que não sejam instaladas todas), um pedaço do canal de abastecimento e de drenagem, e alguns viveiros. Depois, é só ir alongando os canais e construindo mais viveiros.
3- A terraplanagem mecanizada é mais barata que a manual em termos de valor do metro cúbico movido, no entanto, dada a maior velocidade da construção, a velocidade do gasto também será maior, o que pode ser difícil para o pequeno produtor. A construção manual é mais lenta e pode caber dentro de um orçamento de prazo mais dilatado, mas não se pode esquecer dos encargos sociais.
4- As bombas de fluxo axial possuem relação de custo operacional por volume bombeado muito menor que as bombas centrífugas porém, o investimento inicial é muito maior.
5- A eletrificação da fazenda é caríssima e bombas movidas a diesel produzem a mesma quantidade de camarão que bombas elétricas. No entanto o custo do diesel é maior, além da manutenção. Deve ser efetuado um cálculo para determinar em quanto tempo esta diferença de custo paga a instalação da rede elétrica. No meu caso, o custo de eletrificação é de R$ 25.000,00. Quantos anos de economia em relação ao diesel serão necessários para pagar este valor? Com esta resposta decidi adiar a eletrificação em detrimento de outros investimentos que trazem aumento de produção mais imediata.
6- Comportas de abastecimento e drenagem são muito melhores que tubos, mas também são muito mais caras. A filosofia é a mesma da eletrificação.
Os aspectos levantados acima não cobrem todas eventualidades do assunto. Minha intenção foi somente iluminar alguns pontos que geralmente não são encontrados na bibliografia.
Próximos temas a serem abordados: (4) melhores métodos de manejo (3M’s); (5) fazendo contas; e (6) enfrentando os problemas.