Para os iniciantes

Autor: Marco A. de C. Mathias*


Assim como na agricultura a preparação do solo para o plantio é rotina básica e importantíssima, o mesmo acontece na aqüicultura.

Para iniciarmos um cultivo, seja de peixes ou camarões, é preciso antes, que os viveiros sejam preparados de forma a proporcionar condições adequadas ao desenvolvimento dos organismos que serão cultivados. Essa preparação consiste basicamente da exposição do fundo do viveiro ao sol, da calagem (quando necessária) e da adubação da água dos viveiros, e esses procedimentos devem ser também adotados como rotinas.

Em todo intervalo de cultivo, os viveiros devem ser totalmente esvaziados para que o fundo seja exposto ao sol até que se rache completamente. Este procedimento permitirá que camadas mais profundas do solo sejam oxigenadas através da penetração do ar atmosférico. Nem sempre isso é possível, seja pela má construção dos viveiros, seja pela localização muito superficial do lençol freático, ou mesmo pelo regime de chuvas de cada região. Nestes casos, as poças remanescentes deves ser eliminadas ao máximo, ou através da escavação de pequenas valetas direcionadas para a drenagem do viveiro, ou mesmo através da utilização de bombas, para permitir que o fundo fique o mais seco possível.

CALAGEM

Após esse período, o viveiro deve ser calcareado com a finalidade de melhorar a qualidade da água dos viveiros escavados em solos ácidos. O pH ideal da água de cultivo é entre 7,0 e 8,5 e a calagem além de corrigir o pH do solo e da água para valores acima de 6,0 serve também para aumentar a alcalinidade e/ou dureza da água para valores acima de 20 mg/l de CaCO3, permitindo o aumento da produtividade do fitoplancton, que conduz ao aumento da produção de peixes. Para isso é importante que sejam conhecidos os valores do pH (da água e do solo) assim como a dureza e a alcalinidade da água, para que se possa determinar a necessidade real da calagem, bem como para a determinação das quantidades de corretivo que devem ser aplicadas.

A calagem em solos ácidos é importante pois permite que os fertilizantes a base de fósforo atuem promovendo o desenvolvimento do plancton.

Normalmente é utilizado o calcáreo agrícola (calcítico ou dolomitico) para a correção do pH, que além de ser mais fácil de ser encontrado no mercado, tem ação mais lenta no sentido de elevar o pH da água, além de ter uma ação mais prolongada. Aproveitando o sentido do vento, o calcáreo é espalhado a lanço no fundo vazio do viveiro. O ideal é fazer essa calagem na parte da manhã, e se possível, tentar incorporar o calcáreo nos 15cm superficiais do solo. O enchimento do viveiro pode ser iniciado no dia seguinte. A quantidade a ser aplicada vai depender do pH do solo e da água, da sua pureza bem como do tamanho das partículas. Quando não é possível essa determinação, usualmente é aplicado na dose inicial, de 100 a 300 g/m2 para solos com pH entre 6,0 a 4,5.

Nos viveiros com problemas de predadores, ou que não esvaziam completamente, utiliza-se a cal virgem com a finalidade de eliminar os organismos indesejáveis e desinfetar o fundo. Pode ser aplicada somente nas poças remanescentes ou então cobre-se apenas o fundo do viveiro com água e aplica-se a cal virgem homogeneamente em toda a lâmina d’água, permanecendo assim por pelo menos dois dias antes do enchimento.

A cal virgem, ao contrário do calcáreo agrícola, possui uma ação rápida na elevação do pH da água, devendo-se ter o cuidado para não povoar o viveiro logo após a sua aplicação. Quando se trabalha com a cal virgem, por ser um produto altamente cáustico, é preciso também que o operador tenha o maior cuidado com a aplicação, sendo necessário o uso de máscara, óculos, luvas, botas e roupa apropriada. A quantidade de cal virgem que deve ser aplicada é de 100 a 200 g/m2, dependendo da necessidade de expurgo.

Na página 38 do Vol. 8 No 46 da Panorama da Aqüicultura, pode-se encontrar as quantidades de cada um dos produtos usados como corretivos, em função dos valores de pH de uma mistura de solo e água destilada na proporção de 1:1.

Em viveiros com baixas taxas de renovação da água e com programas apropriados de calagem, os efeitos não são desperdiçados com as renovações e drenagens dos mesmos, apresentando níveis de dureza e alcalinidade adequados por cerca de 3 a 4 anos. No entanto, é recomendável que nos intervalos de cultivo, sejam feitas calagens de manutenção, utilizando em torno de ¼ das doses usadas na aplicação inicial, visando manter os valores de dureza e alcalinidade da água, bem como do pH da lama do fundo, em níveis adequados ao cultivo.

ADUBAÇÃO

Nos cultivos extensivos e semi-intensivos de peixes ou camarões, a adubação dos viveiros também tem papel de grande importância. Em primeiro lugar, por promover o desenvolvimento dos organismos do plancton, que além de ajudarem na produção de oxigênio na água, servem de alimento para a maioria dos peixes cultivados no Brasil. Além disso, a adubação promove a turbidez da água, impedindo a penetração dos raios solares em toda a coluna d’água e consequentemente evitando a proliferação de plantas aquáticas bem como dificultando a predação por aves. A adubação da água dos viveiros deve ser feita após a calagem, e os adubos utilizados podem ser orgânicos ou químicos.

Os adubos orgânicos mais comumente utilizados são os estercos de boi, de suínos ou de aves, enquanto que os adubos químicos mais empregados são o superfosfato triplo, superfosfato simples, monoamoniofosfato (ou fosfato monoamonio), sulfato de amônia, uréia e nitrato de amônia.

Normalmente é feita uma adubação inicial, quando da preparação dos viveiros antes do povoamento. Durante os cultivos, dependendo do monitoramento da transparência da água, são feitas readubações onde são aplicadas cerca de metade das quantidades iniciais. Estas readubações podem ser semanais ou quinzenais, porém quanto menor o intervalo, maior a eficiência da adubação.

Para a adubação inicial, eleva-se o volume do viveiro até a metade do nível de trabalho e aplica-se o adubo (orgânico ou químico). Espera-se cerca de 4 a 5 dias, e em seguida completa-se lentamente o volume total do viveiro. O tempo total desde a aplicação do fertilizante até o completo enchimento do viveiro deve ser de no máximo oito dias. A adubação deve ser feita sempre em dias ensolarados e na parte da manhã, e sempre com a temperatura da água acima de 20 oC.

A utilização do esterco de aves na piscicultura é bastante recomendada devido aos elevados teores de nitrogênio, fósforo, cálcio e potássio, sendo usado cerca de 250 g/m² na adubação inicial, e 150 g/m² nas readubações quinzenais.

O esterco de suínos normalmente é utilizado quando do consórcio com peixes, onde o esterco é aproveitado diretamente através da lavagem das pocilgas para os viveiros de peixes. Quando este não for o caso, pode-se aplicar 400g/m2 na adubação inicial e cerca de 200g/m2 nas readubações quinzenais.

O esterco de boi, é o adubo orgânico mais frequentemente utilizado, porém, deve-se preferencialmente aplicá-lo fresco, ou seja, um dia antes da sua aplicação, deve-se prender o gado para que fique fácil a coleta do esterco fresco. Deve ser espalhado a lanço em todo o viveiro, mesmo nas readubações. São utilizadas de 500 a 1000g/m2na adubação inicial e cerca de 250g a 500g/m2 nas readubações quinzenais.

No caso dos adubos químicos, estes são mais fáceis de serem aplicados, por precisar de pequenas quantidades. Deve-se dar preferência aos fertilizantes que se apresentam em forma de pó, pois os fertilizantes granulados são mais difíceis de diluir em água, apesar de serem os mais encontrados no mercado. Normalmente em viveiros com profundidade média de 1,0m utiliza-se cerca de 1,5g a 3,0g/m² de superfosfato triplo e de 3,0g a 6,0g/m2 de nitrato de amônia ou de superfosfato simples. Para viveiros grandes, a quantidade de fertilizante químico deve ser calculada para a área do viveiro a ser adubado, e dividida em quantidades menores, colocadas em sacos de ráfia e presos em varas espalhadas pelo viveiro. As varas com os sacos de fertilizantes devem ser posicionadas aproveitando a ação do vento para melhor distribuição do adubo, e os sacos devem estar submersos na água sem que encostem no fundo do viveiro. Outra prática é a construção de pequenas plataformas, que no caso de viveiros com no máximo 5.000m2, podem ter cerca de 1,0m2 e situadas a cerca de 30 a 40cm abaixo do nível da água, onde os fertilizantes químicos são colocados diretamente sobre estas plataformas. A circulação da água irá diluir e espalhar o fertilizante. No caso de viveiros menores, o fertilizante pode ser diluído em água e espalhado sobre a superfície da água do viveiro.

A adubação promoverá um padrão de cor na água dos viveiros. O esterco de gado e os adubos químicos favorecem a proliferação primeiramente do fitoplâncton, enquanto que os estercos de suínos e de aves, favorecem um maior desenvolvimento inicial do zooplancton. A cor da água então, pode indicar o tipo de plancton (Criação de Peixes, IBAMA, 1989):verde-pardacenta, muito fito e zooplancton; verde-clara – muito fito e pouco zooplancton; e pardacenta, muito zoo e pouco fitoplancton.

Desta forma, além de facilitar o controle do plancton, podemos utilizar os fertilizantes, dependendo da finalidade de cada cultivo. Por exemplo, no caso de viveiros de 1aalevinagem, onde a presença do zooplancton é fundamental por ser a primeira alimentação das larvas de peixes, ou quando se trabalha com a carpa cabeça-grande que se alimenta basicamente do zooplancton, é interessante (quando disponível) que se use os estercos de aves ou de suínos. Por outro lado, quando se trabalha com viveiros de engorda de carpa prateada, cuja alimentação básica é o fitoplancton, o ideal é a utilização do esterco bovino ou dos fertilizantes químicos.

A necessidade de novas adubações ao longo dos cultivos será determinada através do monitoramento da transparência da água com a utilização do disco de Sechi, ou seja, sempre que a transparência da água for maior que 40cm, o viveiro deve ser readubado. Ao contrário, sempre que a transparência for menor que 30cm, a adubação deve ser interrompida.

Não se esqueça que, sempre que a temperatura da água dos viveiros for menor que 20 oC, não se deve adubar.


(*) Autor: Marco A. de C. Mathias é biólogo e presta consultoria à produtores de peixes e camarões. e-mail: [email protected]