Para os Iniciantes

Autor: Marco A. de C. Mathias

A Seleção de Espécies para Cultivo


Há alguns meses atrás, em visita à redação da Panorama da Aqüicultura surgiu, em meio a uma conversa, o convite para que eu escrevesse artigos para uma coluna recém criada na revista, voltada para os iniciantes da atividade, com o objetivo de passar à esses leitores, dicas, experiências e práticas básicas de manejo. Na edição passada, iniciei falando sobre a transparência da água e pretendia, à partir dali, dar uma seqüência às rotinas de produção, com esclarecimentos sobre o manejo da água, controle da qualidade, adubações e renovações, para depois passar ao controle do crescimento dos animais, alimentação, etc.

Entretanto, repensando o que seria básico de modo a trazer alguma luz aos iniciantes na aqüicultura, concluí que existem outros aspectos que são anteriores ao início da operação dos cultivos. Foi quando resolvi abordar nesta edição, a questão da seleção de espécies adequadas às condições do local onde o cultivo será instalado.

Em aqüicultura, o mais comum é encontrar pessoas que já tenham uma propriedade e que resolvem desenvolver nelas os seus cultivos. No Brasil, somente poucos e grandes grupos iniciaram seus projetos de aqüicultura partindo primeiramente da seleção de áreas adequadas para o cultivo das espécies que desejavam criar.

Quando se pensa em criar peixes ou camarões, é preciso, antes de qualquer coisa, determinar qual o objetivo desse cultivo. Se a finalidade é o cultivo comercial, seja produzindo peixes para o consumo direto, ou para a venda aos pesque-pagues, é importantíssimo antes de tudo, que as espécies a serem cultivadas sejam adequadas às condições climáticas da região onde o projeto será instalado e isso permitirá que os animais se desenvolvam plenamente.

Muitos erros, entretanto, podem ser vistos por todos o lados. Me lembro de um produtor que estava iniciando sua piscicultura no Paraná, e não abria mão de criar tambaquis e curimatãs em sua propriedade. Segundo ele, em viagem ao nordeste, conheceu uma fazenda onde esses peixes eram criados, havia degustado os dois, e simplesmente adorou. Da mesma forma, fui consultado por outro produtor que estava com seu cultivo de camarões de água doce quase pronto, também na região sul, que incluía até aquecimento da água através de caldeiras, etc., curiosamente financiado por um banco.

O mais interessante nos dois casos, foi a reação dos produtores quando lhes disse que os animais que queriam criar não eram apropriados para o lugar onde seus projetos estavam já instalados.

No primeiro caso, apesar do produtor se encontrar próximo à inúmeros cultivos de tilápias e carpas voltados para o abastecimento de dois frigoríficos instalados nas redondezas, somente depois de muita conversa, e para satisfazer seu desejo, consegui dar como alternativa, a opção de criar o tambacú, visto que este peixe poderia suportar melhor as baixas temperaturas de sua região. No segundo caso, bem…este realmente não teve conversa que o convencesse. O produtor queria de qualquer maneira o camarão da Malásia, e meses depois soube que havia arranjado um técnico recém formado que estava tocando seu projeto com os camarões, sabe Deus como.

FRUSTRAÇÃO

A questão não é conseguir criar ou não um organismo em determinada região, e sim, a sua viabilidade econômica. Nos dois casos a reação dos produtores foi de muita frustração quando lhes disse que os animais não eram apropriados para o lugar onde seus projetos estavam instalados. É possível criar tambaquis no sul do Brasil, mas certamente, o seu crescimento será lento e o cultivo prolongado. Peixes redondos criados inadequadamente são propícios a doenças que surgem com manejo nos períodos frios. Da mesma forma, o camarão da Malásia por ser um animal típico de águas quentes, terá nos estados do sul e sudeste o seu cultivo restrito aos meses quentes, o que permitirá uma engorda de apenas uma safra por ano. Já nos estados do nordeste este camarão pode ser engordado durante todo o ano, e em situações normais, consegue-se pelo menos duas safras por ano.

As condições climáticas de cada região são um aspecto básico e de grande importância, por ser um fator que além de restringir as espécies a serem cultivadas, pode limitar o período de engorda de algumas delas a poucos meses, e até mesmo prejudicar o pleno desenvolvimento dos animais.

Outro aspecto importante na seleção de espécies para o cultivo, está relacionado à disponibilidade de alimentos. Em determinadas regiões, nem sempre é fácil o acesso à rações adequadas ao cultivo. Assim como as condições climáticas e a disponibilidade de alimentos devem ser consideradas no momento da escolha das espécies, também é preciso levar em conta se o animal tem um bom crescimento, se é resistente aos manejos, se aceita bem a alimentação artificial e se o mercado é favorável ao seu consumo.

Em nosso País há uma grande variedade de espécies com potencial para o cultivo, além das espécies exóticas já introduzidas. Isso talvez suscite no produtor muitas dúvidas ao ter que determinar a qual delas vai se dedicar.

Para quem está pensando em iniciar um cultivo, aqui vão algumas dicas das espécies mais adaptadas às regiões do Brasil. Na região sul é mais indicado o cultivo da carpa comum, carpa capim, carpa prateada, carpa cabeça-grande, tilápia, pacú, tambacú, além do jundiá, piauçú, catfish e black bass e, para camarões o Penaeus paulensis. Nas demais regiões, a carpa comum, carpa capim, carpa prateada, carpa cabeça-grande, tilápia, tambaqui, pacú, tambacú, curimatã, pirapitinga, piraputanga, piracanjuba, matrinchã, surubim, bagre africano, piauçú, piau, dourado, entre outros. Neste caso, os camarões mais cultivados são o Macrobrachium rosenbergii (água doce), Penaeus vannamei e P. subitilis (água salgada). Já nas regiões serranas, principalmente nos estados do sudeste/sul, a truta arco-íris, pode ser uma boa opção por ser um peixe que necessita de água frias e com grandes concentrações de oxigênio dissolvido.

Pense que um cultivo deve sempre se aproximar da realidade do animal em seu habitat natural. Se o seu objetivo é ganhar dinheiro criando peixes ou camarões, não custa nada tentar o simples e o óbvio. Lembre-se também que um técnico não faz milagres, ele pode apenas tentar driblar adversidades.

Não adianta querer ganhar dinheiro plantando cana-de-açúcar nas serras gaúchas, não é mesmo ?


(*) o autor é biólogo e presta consultoria à produtores de peixes e camarões. Tel.: (021) 2538-1052; Fax: (021) 2537-2135