Com algum tempo de atraso, finalmente o Pará ganhou uma legislação capaz de pacificar o diálogo entre o setor produtivo e as instituições envolvidas com a regularização e o fomento da aquicultura no estado. Trata-se do Decreto 3.385, assinado no dia 5 de outubro de 2023 pelo governador Helder Barbalho, regulamentando a Lei Estadual 9.665, de 19 de julho de 2022, que dispõe sobre a Política de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura no estado do Pará.
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Assim que as novas diretrizes estabelecidas estiverem em pleno funcionamento nos sistemas on-line de licenciamento ambiental e de concessão da outorga de direitos de uso dos recursos hídricos – sob responsabilidade da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) – espera-se que alguns dos mais graves problemas enfrentados pelo setor aquícola no estado comecem a ser sanados, como a baixa regularização dos empreendimentos e a consequente dificuldade de acesso dos produtores a políticas públicas, em especial para financiamento de seus negócios.
“Essa operacionalização deve ocorrer em um curto prazo, a partir de discussões entre os técnicos que foram responsáveis pela edição desse novo marco regulatório – a Lei 9.665, de 2022, e o Decreto 3.385, de 2023 – e aqueles que vão pôr em prática sua aplicação, principalmente no âmbito da Semas, pra não haver possíveis compreensões equivocadas do que está previsto na legislação”, explica o professor Marcos Ferreira Brabo, do Instituto de Estudos Costeiros da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Decreto traz perspectiva de redução da informalidade no setor aquícola
A redução da informalidade no setor, com a regularização ambiental dos empreendimentos aquícolas, em especial no tocante à obtenção da outorga de direito de uso dos recursos hídricos, é o ganho principal que se espera com esse marco regulatório. Isso porque o processo se tornará mais simples e acessível ao produtor, que antes era vencido pela complexidade das exigências, seus custos e barreiras burocráticas.
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“Os critérios foram alterados, estão muito claros e trazem à tona uma perspectiva de regularização a um baixo custo e sob exigências mais justas, principalmente para os pequenos produtores, já que os processos ocorrerão de forma on-line – ou seja: sem processo físico – sob baixo custo, por vezes até de modo gratuito, e de forma autodeclaratória”, explica Brabo, que recentemente foi eleito presidente da Federação Nacional dos Engenheiros de Pesca do Brasil (Faep-BR), durante o 22º Congresso Brasileiro de Engenharia de Pesca (Conbep).
O pesquisador chama a atenção para o fato de que a autodeclaração dos piscicultores sobre o que produzem, como e onde produzem, em nenhum momento enfraquecerá a gestão ambiental sobre esse segmento, pois tais iniciativas ainda estarão passíveis de sofrer ações de fiscalização ambiental por parte dos órgãos estaduais, municipais e federais para verificar se aquilo que foi declarado pelo produtor está sendo de fato cumprido, seja em termos do empreendimento em si ou de áreas de preservação permanente, dos cuidados com os efluentes ou com a contenção dos espécimes criados no âmbito do cativeiro, por exemplo.
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“O que o novo marco regulatório faz é tirar uma responsabilidade que era exacerbada em relação ao processo de licenciamento ambiental, mas a fiscalização vai continuar a acontecer e, sem dúvida nenhuma, será um aspecto muito importante na gestão ambiental dessa atividade, já que a gente vai saber onde realmente esses empreendimentos estão, com todo mundo identificado e devidamente georreferenciado. Então, a partir daí, as ações de fiscalização serão mais frequentes e mais efetivas”, completa Brabo.
Tilápia e outros peixes exóticos
Um dos esclarecimentos importantes da nova legislação é com relação à criação de peixes exóticos – como a tilápia – que se atualiza em relação às diretrizes federais e exige que haja algum ato normativo federal específico autorizando sua utilização. Conforme o decreto, a utilização de híbridos, espécies alóctones ou exóticas somente será autorizada em bases terrestres e fora de áreas de preservação permanente, devendo os aquicultores adotar medidas para prevenção e controle de fuga dessas espécies do âmbito do cativeiro, por meio de barreiras físicas ou de técnicas e tecnologias existentes para esse fim.
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Marcos Brabo defende que o tema das espécies exóticas na aquicultura não deve ser legislado no âmbito dos estados, mas sim por região hidrográfica, já que diversos estados compartilham a mesma região e seria impossível impor barreiras físicas que impedissem a dispersão de uma espécie de um estado para o outro. Seria o caso então de estados que compartilham uma mesma região hidrográfica trabalharem juntos numa legislação regional, e seguindo a legislação federal que impõe ao aquicultor a responsabilidade de conter as espécies no âmbito do cativeiro: “Então, a partir dessa responsabilização e de uma gestão pensada por região hidrográfica, o estado do Pará, com esse novo marco regulatório, está na vanguarda em termos de gestão ambiental da aquicultura, em especial pensando em empreendimentos de pequeno porte, que são a grande maioria não só na Amazônia, mas no Brasil”, finaliza Brabo.
O Decreto – que pode ser consultado na íntegra em https://shorturl.at/ewOT8 – concede aos empreendimentos aquícolas em operação, que ainda não tenham licença ambiental, prazo máximo de um ano (a partir da data de publicação) para que regularizem sua situação. Esse prazo pode ser prorrogável por mais um ano a critério do órgão ambiental licenciador.
Encontra-se também disponível no endereço https://shorturl.at/GOTV4 um artigo de opinião preparado pelo professor Marcos Ferreira Brabo, no qual outros aspectos do Decreto 3.385 são também abordados.
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