A maior feira indoor da agropecuária nordestina, o Pecnordeste 2024 bateu todos os recordes de público, de expositores e de atividades técnico-científicas. Aconteceu de 6 a 8 de junho no Centro de Eventos do Ceará, que destinou todos os seus pavilhões a um único evento pela primeira vez. Segundo os organizadores, durante os três dias, o Pecnordeste recebeu um público superior a 60 mil pessoas.
Leia também: Presença de Salmonella spp. em pisciculturas de peixes redondos: oportunidades e desafios
Ao todo, mais de 500 empresas, instituições e produtores rurais de 15 segmentos do agronegócio ocuparam os mais de mil estandes localizados na área destinada aos expositores. Além da feira, uma extensa programação ofereceu oficinas, palestras, mesas-redondas, minicursos e painéis técnicos e científicos, com a participação de mais de 300 palestrantes e mediadores dos segmentos da agroindústria, apicultura, aquicultura, bovinocultura, avicultura, fruticultura, entre outros.
Expocamarão
Os destaques do Pecnordeste 2024 foram a aquicultura e a presença maciça de aquicultores, principalmente os carcinicultores. Neste ano, o setor aquícola ganhou um espaço especial de exposição batizado de Expocamarão, que já nasceu ocupando inteiramente um dos quatro pavilhões do Centro de Eventos. A feira contou com a presença de aproximadamente 100 empresas, entre fabricantes, distribuidoras de insumos e prestadoras de serviços Aqua. Foram expostos alimentos e alimentadores, pós-larvas de camarão e alevinos de peixes, aeradores, filtragem mecânica, probióticos e biorremediadores, entre os muitos produtos. Apesar do nome, a Expocamarão mostrou na prática que atende também a todas as expectativas dos produtores de peixes.
Seminários
Ao longo dos três dias aconteceram dois seminários com mesas-redondas voltados a aquicultores. Um deles, coordenado por Antônio (Toni) da Costa Albuquerque, da Secretaria de Pesca e Aquicultura do Ceará, focou a aquicultura e a pesca. O segundo seminário, bastante concorrido e coordenado pelo vice-presidente da Associação de Produtores de Camarão do Ceará (APCC), Hiran Costa, foi dedicado exclusivamente à carcinicultura.
Leia também: Tem gato na tuba – Editorial #197
O Seminário de Aquicultura e Pesca reuniu autoridades e especialistas. Na abertura, a secretária nacional de Aquicultura do MPA, Tereza Nelma Soares, apresentou as ações do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) em prol do setor. Por sua vez, o secretário estadual de Aquicultura e Pesca, Oriel Filho, abordou as ações de fomento ao setor no Ceará, seguido do diretor-presidente da Peixe BR, Francisco Medeiros, que apresentou os caminhos para o crescimento sustentável da piscicultura. Muitos outros temas foram abordados, entre eles o reordenamento da piscicultura no Castanhão, o maior açude do estado, a aquaponia como alternativa para a agricultura familiar, estratégias de utilização de biotecnologias na piscicultura, entre outros.
Carcinicultura
O seminário de carcinicultura do Pecnordeste 2024 foi muito concorrido. Os temas abordados despertaram grande interesse e se mantiveram em sintonia com o momento atual do setor, respondendo questões e apresentando novos insumos de interesse. Sem dúvida, um mérito dos organizadores, que se mostraram sensíveis às demandas setoriais. A escolha dos palestrantes foi muito feliz, e o que se viu foi uma troca de informações de qualidade. Quem foi não se arrependeu. E, para os que não foram, seguem umas pitadas de informações, pinçadas do extenso conteúdo apresentado.
Criar camarão em águas oligohalinas – aquelas com salinidade baixíssima, que se confundem muitas vezes com a água doce – sempre será desafiador. Isso porque são águas com características de salinidades muito diferentes daquelas em que o vannamei naturalmente é encontrado na natureza. Na maioria das vezes (lembrando que suas características químicas mudam de um local para outro, às vezes muito próximos) são águas pobres em sais importantes, entre eles os de magnésio e potássio. O tema foi muito bem abordado pelo coordenador técnico de nutrição em aquicultura da Polinutri, Pedro Castro, que detalhou a importância da osmorregulação para os camarões, um processo fisiológico natural que auxilia os animais a manter de forma ativa o equilíbrio da quantidade de água e sais minerais no organismo. Pedro explicou que esses sais devem estar em equilíbrio, evitando que os camarões sofram com um estresse osmótico, na tentativa de se manterem equilibrados. Entre os muitos efeitos nocivos do estresse osmótico, estão o surgimento de processos inflamatórios de órgãos e lesões nas brânquias e no intestino, que afetam seriamente a saúde dos animais e, consequentemente, a eficiência da engorda. Como se não bastasse, na ausência de determinados sais, o gasto energético na osmorregulação consome uma boa parte da energia que deveria ser gasta no crescimento dos animais. Em outras palavras, o camarão vai brigar para se manter vivo, abrindo mão de crescer, como era de se esperar. Pedro ainda falou da importância de se ter estratégias nutricionais e de manejo para contornar essas situações.
Leia também: Manejos biológicos para controlar víbrios em sistemas de cultivo
“Não adianta ter uma ração perfeita e não usar de forma adequada”, foram as primeiras palavras da apresentação do consultor técnico da Aquavita, Renato Gouveia, ao falar do manejo das rações, mecanização e outros desafios da carcinicultura moderna. Iniciou falando dos erros frequentemente cometidos na alimentação das fases iniciais dos camarões em berçários, a começar pela escolha de uma ração que não foi elaborada para ser usada nessa fase da vida. A compatibilidade do tamanho dos péletes com os diferentes tamanhos dos animais ao longo do seu desenvolvimento é outro ponto onde o produtor pode facilmente se enganar. De forma prática, sugeriu o uso inicial do pélete de 0,3 mm para animais (Pls) de 4 a 5 mg; seguido de pélete de 0,5 mm para a fase de 5 a 45 mg e de 0,8 mm para animais de 45 mg a 1 g. Já os animais até 3 g devem consumir péletes de 1,2 mm; acima de 3 até 6 g, péletes de 2 mm; e de 6 g até a despesca, péletes de 2,5 mm. Renato lembrou ainda que a frequência alimentar é outro fator muito importante e muito negligenciado pelos produtores, já que é sabido que quanto mais vezes o alimento for oferecido, melhor. Outro ponto abordado foi a escolha inadequada do alimento, lembrando que é comum ver produtor que cria em água oligohalina utilizar uma ração elaborada para uso em cultivos que usam água do mar. Renato alertou também sobre a importância de se observar as temperaturas na hora de alimentar. Nas temperaturas abaixo de 24 ºC e acima de 32 ºC, recomendou que seja interrompida a alimentação. Já na faixa de 24 a 27 ºC, segundo ele, os camarões se alimentam, mas não digerem tão bem como nas temperaturas da faixa de 29 a 31 ºC, que é quando o vannamei digere melhor o alimento. Recomendou também que, nos momentos em que o oxigênio está abaixo de 2 mg/L, não se deve alimentar; e se estiver entre 2 e 3 mg/L, deve-se fracionar a alimentação. Lembrou que a concentração ótima de oxigênio dissolvido situa-se na faixa entre 4,4 e 8,6 mg/L, ideal para o fornecimento de alimento. A frequência alimentar e o uso de alimentadores automáticos ligados a hidrofones também foram abordados por Renato Gouveia, que apresentou dados muito interessantes de uma fazenda em Aracati, onde o sistema já está instalado.
Leia também: Aspectos fisiológicos e metabólicos de importância para a produção e o uso da água nos diferentes sistemas de cultivo
Ricardo Garcia, gerente de produtos para aquicultura da ADM, falou sobre as novas tecnologias nutricionais para o cultivo de camarão. Iniciou apresentando o portfólio de produtos para camarão das duas linhas da ADM – a Density e a Camanutri. A seguir apresentou o Aquatrax, a mais nova tecnologia da ADM para melhorar o sistema imune dos camarões. O produto atua na modulação da microbiota intestinal, fazendo com que haja uma redução significativa das mortalidades.
O Aquatrax nada mais é do que uma levedura – Pichia guilliermondii – desenvolvida exclusivamente pela ADM para ser utilizada na nutrição de organismos aquáticos. Por possuir um tamanho menor que as leveduras mais utilizadas no mercado, a Pichia guilliermondii consegue penetrar nos espaços das vilosidades do trato gastrointestinal, ocupando as superfícies e impedindo o alojamento dos patógenos. Ao mesmo tempo, sua presença estimula a produção dos hematócitos, que são as células de defesa do camarão.
Leia também: Trevisan cria sistema de sondas que otimiza processo de produção de peixes
Ricardo apresentou resultados de um experimento que comparou o número dos hemócitos totais e hematócitos granulares presentes na hemolinfa de camarões alimentados com e sem a suplementação de Aquatrax. Após 28 dias, quando em contato com víbrio, os números de hemócitos totais dos dois tratamentos foram semelhantes, enquanto o número de hemócitos granulares (as primeiras células de defesa a entrar em contato direto com os patógenos) foi 60% superior, proporcionando um ataque rápido que protege contra a depressão do sistema imunológico. Ricardo mostrou também resultados de estudos que comprovaram que o uso de dietas suplementadas com Aquatrax, além de estimular as defesas imunológicas, também permitiu ganhos de até 9,6% de peso ao longo de 48 dias de avaliação.
As novas fronteiras na alimentação e nutrição do vannamei foi o tema abordado pelo professor Alberto Nunes, do Labomar da Universidade Federal do Ceará. Alberto iniciou mostrando dados atualizados da carcinicultura equatoriana, que produziu no ano passado nada menos que 1,4 milhão de toneladas. O país, que aprendeu a conviver com inúmeros patógenos, conseguiu manter, a partir de 2020, um crescimento anual constante ao redor de 18%. Para 2024, a expectativa é que esse crescimento se retraia, não por conta de problemas de produção, e sim por conta da queda no valor das exportações, e deverá se manter entre 4 e 6%. Alberto quis chamar a atenção para as lições deixadas pelo Equador, resumidas a seguir: 1 – Passou da alimentação manual duas vezes ao dia para alimentação mecânica 24 horas/dia; 2 – Alimentadores mecânicos já se tornaram ferramenta comum nas operações de médio e grande porte; 3 – Do total de 220 mil hectares, estima-se que 25 a 30% (66 mil hectares) utilize alimentação mecânica do tipo “acústica”, aquela que incorpora hidrofones para detectar a mastigação dos camarões; 4 – (Há quem afirme que) 45% de todas as exportações do Equador dependem do uso de alimentadores mecânicos; 5 – O produtor está se beneficiando das vantagens da redução da lixiviação das rações, já que, ao serem lançadas por alimentadores, são consumidas mais rapidamente e não perdem nutrientes para o meio; 6 – Custos trabalhistas reduzidos; 7 – Melhoria drástica nas taxas de crescimento, produtividade e fator de conversão alimentar; 8 – Despescas de 1,3 a 4,5 toneladas/hectare/ciclo, com 3-4 ciclos por ano.
Em geral os alimentadores mecânicos são equipamentos simples, que podem ser controlados por sonda acústica, temporizador ou curvas de alimentação. Alberto resumiu os indicadores de performance de um alimentador automático: 1 – Um alimentador atende de 100 a 250 mil camarões; 2 – Um alimentador atende 1,5 hectares; 3 – É capaz de lançar a uma distância de 8,5 a 18 metros; 4 – Cobre uma área de 225 a 615 m2 (praça de alimentação); 5 – É capaz de proporcionar até 360 alimentações por dia; 6 – Distribui até 25 kg de ração por hora; 7 – Uma alimentação a cada 5-6 minutos; 8 – Tem um custo ao redor de 1.000 US$ por unidade (apenas o alimentador).
Alberto Nunes detalhou o funcionamento de um alimentador hidroacústico, falou sobre os tipos de lançadores e forneceu detalhes sobre o conceito de praça de alimentação. Comentou também sobre os fabricantes desses equipamentos e explicou as diferenças de uma ração especialmente feita para ser utilizada com alimentadores automáticos. Antes de terminar, lembrou da importância de incorporar aditivos funcionais na ração, tanto para melhoria da digestibilidade como para aumentar a resistência dos camarões frente aos desafios sanitários.
Leia também: Rações peletizadas e extrusadas para organismos aquáticos
Enfim, como já foi dito, quem foi ao Pecnordeste 2024 não se arrependeu. E certamente saiu de lá encantado – como demonstramos um pouco aqui – com tanta novidade e conteúdos extremamente úteis para o dia a dia do produtor e demais interessados no tema. Então já fica a expectativa para o Pecnordeste 2025! Marque aí na agenda: de 5 a 7 de junho no mesmo Centro de Eventos do Ceará.