Penaeus subtilis Dieta e Manejo Alimentar em Viveiros de Cultivo Semi-Intensivo no Nordeste

Estudos sobre o comportamento alimentar do camarão marinho P. subtilis sob condições semi-intensivas de cultivo, foram conduzidos a fim de obter um melhor conhecimento sobre os hábitos e a dieta desta espécie em viveiros e para avaliar sua perfomance neste sistema de cultivo. Alguns resultados deste estudo são aqui discutidos pelo Engenheiro de Pesca Alberto Jorge P. Nunes.


O camarão rosa Penaeus subtilis é um dos peneídeos mais cultivados no Nordeste brasileiro. O cultivo comercial desta espécie nativa, foi iniciado em meados da década de 80. Nesta época, cultivadores enfrentavam baixos índices de produtividade e ciclos irregulares de produção, decorrentes da carência de pós-larvas de P. japonicus e da inadaptabilidade desta espécie às condições ambientais do NE. Em face destes problemas, o cultivo semi-extensivo das espécies nativas P. subtilis e P. schmitti foi propagado e ainda é amplamente utilizado por fazendas da região.

Nos últimos anos, a atividade de cultivo de camarão marinho no Nordeste tem se reafirmado. Isto deveu-se principalmente a introdução da espécie exótica P. vannamei e a implantação de indústrias de insumos básicos, como a de pós-larvas e rações. Com o reaquecimento da atividade, novos empreendimentos de cultivo têm surgido e aqueles já estabelecidos, têm ampliado e modernizado suas infra-estruturas, passando a operar sob condições semi-intensivas. Neste sistema de cultivo utiliza-se rações peletizadas para possibilitar maiores densidades de estocagem (3 a 15 camarões/m2) e obtém-se produtividades contínuas ente 0,5 e 2,5 ton./ha/ano.

Apesar do bom desempenho do P. vannamei, atualmente muitos produtores vêm sofrendo com as conseqüências de sua introdução desordenada. As enfermidades trazidas por esta espécie têm causado, em algumas fazendas, altos índices de mortalidade, comprometendo a produção e a rentabilidade destes empreendimentos, além de por em risco a saúde das espécies nativas. Em decorrência desses fatores e dos benefícios relacionados ao cultivo de espécies nativas, muitos produtores têm questionado a possibilidade da utilização do sistema semi-intensivo de cultivo com o P. subtilis.

Entre algumas vantagens desta espécie está a sua fácil reprodução em cativeiro, propiciando sua produção em larviculturas, a disponibilidade de fêmeas maduras e pós-larvas em ambiente natural, sua resitência a enfermidades e a tolerância às condições hipersalinas, características das águas dos estuários da região Nordeste em épocas de seca.

P. vannamei x P. subtilis

Enfermidades

A Síndrome de Taura (ST) é hoje uma das enfermidades de maior significância econômica encontradas no P. vannamei, tornando-se também um dos principais obstáculos para uma maior disseminação do cultivo desta espécie nas Américas. Estima-se que somente no Equador, a ST é responsável por perdas anuais de 100 milhões de dólares. Esta doença foi inicialmente detectada em 1992 em fazendas no Equador localizadas próximas ao rio Taura, já tendo sido detectada na Colômbia, Peru, EUA, Honduras, havendo também indícios de sua ocorrência no Brasil. Até hoje, ainda se desconhece a causa desta enfermidade.

As primeiras hipóteses indicavam que fungicidas utilizados em plantações de bananeiras eram os agentes causadores da ST. Atualmente especula-se que um agente infeccioso, ou mais precisamente um vírus denominado de TSV (Taura Syndrome Virus), é o responsável pela enfermidade. A ST geralmente se manifesta após a estocagem de juvenis (0,1 a 5 gr) em viveiros, podendo dizimar toda população estocada em apenas 10-15 dias. Em regiões altamente afetadas por esta enfermidade, já se considera o cultivo de espécies alternativas mais resistentes, como o P. stylirostris.

Até hoje ainda não foi documentado a ocorrência da ST no P. subtilis. No entanto, a sua transmissão não pode ser descartada. No Brasil, a introdução do P. penicillatus importado de Taiwan, foi responsável pela transmissão do HPV (Hepatoppancreatic parvo-like virus) em fazendas de cultivo do P. vannamei.

Reprodução

Ao contrário do P. vannamei, o P. subtilis é uma espécie que possui télico fechado, característica que facilita sua reprodução em larviculturas e reduz os custos de produção de pós-larvas. Nas espécies de télico fechado, os machos transferem o espermatóforo logo após a muda, não sendo necessário que a fêmea esteja com suas gônadas maduras. As fêmeas carregam o espermatóforo até o desenvolvimento do ovário e ocorrência da desova. Neste caso, um espermatóforo pode ser utilizado para várias desovas.

Nas espécies de télico aberto como o P. vannamei e o P. schmitti, a transferência do espermatóforo só ocorre quando as fêmeas estão com suas gônadas já maduras, pois não dispõem de estruturas para apreensão dos sacos espermáticos. Neste caso, é necessário que a cópula ocorra antes de cada desova. Em muitas larviculturas, os resultados obtidos com estas espécies são ainda imprevisíveis e inconsistentes.

A disponibilidade de fêmeas maduras e pós-larvas (PL) do P. subtilis em ambiente natural, também propicia menores custos e a garantia de uma produção contínua na falta de PL’s de laboratório. Dependendo da região, o P. subtilis pode representar até 90% de todas as PL’s capturadas em ambiente natural.

Tolerância as Condições Ambientais

O P. vannamei é comprovadamente uma espécie que apresenta uma excelente performance sob condições semi-intensivas de cultivo, em regiões com baixos níveis de salinidade. No Equador, com PL’s selvagens, baixas salinidades e utilizando-se rações peletizadas de alta qualidade, a espécie pode atingir entre 18 e 22g.. Em Honduras, estudos indicam que durante a estação seca (salinidade entre 30-40 ppm), as taxas de crescimento decrescem rapidamente após os 7g. de peso, parando por volta dos 13g. (período de cultivo entre 12 e 16 semanas).

Na região NE do Brasil, os níveis de salinidade em certas épocas do ano podem ultrapassar os 40 ppm. As espécies nativas, como o P. schmitti e P. subtilis podem tolerar melhor as características hipersalinas desta região, podendo manter um bom nível de crescimento mesmo sob tais condições.

Alimentação Artificial

Em sistemas semi-intensivos de cultivo de camarão, o grande problema envolvendo o uso de rações peletizadas é determinar quanto, quando e onde alimentar. O arraçoamento a níveis desejáveis é um dos aspectos mais importantes e complexos do manejo de viveiros de camarão.

Ao contrário do cultivo de outros organismos aquáticos, como o de peixes, na carcinicultura marinha, a observação do consumo de ração pelos camarões é dificultado devido ao hábito bentônico destes animais durante sua fase juvenil e adulta, a pouca visibilidade da água e as grandes dimensões dos viveiros de cultivo.

O alto custo das rações peletizadas e a sua distribuição nos viveiros, sugerem o desenvolvimento de técnicas de arraçoamento específicas, que devem levar em consideração, a idade, a espécie de camarão cultivado e o sistema de cultivo empregado.

Inúmeras tabelas de alimentaão têm sido propostas baseadas no crescimento e sobrevivência da população cultivada, em taxas de conversão alimentar, em taxas utilizadas para outras espécies e idades, e em estimativas de consumo de ração em bandejas de alimentação. Apesar de tais métodos serem altamente empíricos e muitas vezes não proverem resultados efetivos, são os únicos disponíveis na atualidade.

Uma das alternativas para a obtenção de melhores taxas de conversão alimentar é a adoção de práticas de alimentação que considerem o comportamento da espécie de camarão cultivado e a variabilidade dos fatores ambientais nos viveiros de cultivo.

Dieta e Hábito Alimentar em Viveiros

O camarão P. subtilis é essencialmente carnívoro durante seu ciclo de vida, sendo entretanto classificado como onívoro oportunista, por consumir uma variedade de alimentos, dentre os quais destacam-se: as microalgas, detrito, poliquetas, anfípodos, foraminíferos, copépodos e outros microcrustáceos. Em viveiros de cultivo, as poliquetas são o alimento mais consumido no decorrer do ciclo de produção, podendo representar 33% ou mais, da dieta total da espécie.

Durante a fase de engorda, nos seus estágios iniciais de crescimento (camarões de 1,5 até 6,3 g de peso médio), a espécie ingere uma grande quantidade de detrito (material biogênico em vários estágios de decomposição microbiótica). Com o aumento do seu peso corporal e conseqüentemente de suas quelas (pinças), a espécie passa a assumir um comportamento mais predador, alimentando-se principalmente de poliquetas e copépodos calanoides.

Mesmo sob condições semi-intensivas, com a distribuição diária de ração peletizada (taxas de arraçoamento entre 15-5% da biomassa de camarão), o P. subtilis deriva a maior parte de seu crescimento de organismos que ocorrem naturalmente no viveiro.

Na verdade, apenas 25% do crescimento desta espécie em sistemas semi-intensivos, deve-se ao consumo de rações. Outras investigações conduzidas sob as mesmas condições com o P. janponicus na França, P. monodon na Austrália e P. vannamei no Texas indicaram resultados semelhantes.

É portanto essencial, que tratamentos de fertilização inorgânica (uréia, superfosfato triplo) sejam aplicados entre ciclos de produção, a fim de promover o crescimento de fitoplâncton, aumentando conseqüentemente a abundância de organismos que servem de alimento para os camarões no viveiro.

Manejo Alimentar

Quando Alimentar

Acredita-se que a periodicidade alimentar dos camarões peneídeos é controlada por bio-ritmos que por sua vez está associado às condições ambientais, como a irradiação solar, a temperatura da água, o oxigênio dissolvido, a disponibilidade de alimento, dentre outros parâmetros.

O conhecimento do ritmo alimentar de uma determinada espécie de camarão, possibilita um melhor aproveitamento de rações peletizadas, já que o cultivador saberá quando a espécie está mais ativa e predisposta ao consumo.

O P. subtilis possui um ritmo alimentar bastante irregular, alimentando-se tanto durante o dia como durante a noite. Entretanto, o consumo de alimentos é mais acentuado no início da noite, entre 17:30 e 19:00 horas. Este comportamento está associado às melhores condições físico-químicas da água, tais como, a de oxigênio dissolvido que ocorrem no entardecer. É provável também que isto ocorra em face da maior atividade locomotora dos organismos consumidos pelos camarões durante o período noturno. O arraçoamento também provoca um efeito estimulador na atividade alimentar do P. subtilis, em função da atratividade de alguns ingredientes presentes em rações peletizadas. Foi detectado que 30 minutos após a distribuição de alimento artificial no viveiro, ocorreu um maior consumo de alimento natural pelo P. subtilis, como poliquetas.

Em fazendas de cultivo de camarão marinho na Ásia, é comum alimentar várias vezes por dia, chegando até 6-7 vezes. Estudos sobre a freqüência e horário de arraçoamento em cultivos do P. vannamei indicaram que esta espécie cresce melhor quando alimentada a mesma quantidade de ração em quatro, ao invés de duas vezes/dia.

Visto os baixos níveis de oxigênio dissolvido encontrados no início da manhã, o arraçoamento diurno deve ser conduzido com cautela. Muitas fazendas distribuem ração por volta das 07:00 e 08:00 hrs. Na verdade, a prática de alimentação neste horário está mais associada com os turnos de trabalho dos funcionários e da maior facilidade de fiscalização das atividades, do que propriamente com o comportamento alimentar dos camarões peneídeos.

Recomenda-se utilizar menores quantidades de ração peletizada durante a manhã (20-30% do total), sendo o restante distribuído em 2 ou mais refeições ao longo do dia. A tabela a seguir exemplifica os horários de distribuição de ração em fazendas de camarão marinho na Ásia.

Onde Alimentar

Durante o período diurno, os camarões peneídeos tem o hábito de enterramento, agregando-se nas áreas mais profundas do viveiro. Posteriormente durante a noite, uma maior atividade locomotora dos camarões ocasiona uma dispersão da população à procura de alimento.

Os padrões de distribuição, no entanto, variam conforme a idade do camarão e as condições de cultivo. Os indivíduos mais jovens procuram as áreas mais rasas do viveiro, próximo aos taludes, enquanto os adultos preferem as mais profundas.

Estratificações térmicas e químicas em viveiros também regulam esta dispersão. Os camarões procuram evitar áreas no viveiro com baixos níveis de oxigênio dissolvido e/ou com altas concentrações de amônia, agregando-se próximo as áreas com boa circulação de água. O emprego de aeradores de pás, diminuem significativamente as estratificações físico-químicas da água, obtendo-se uma distribuição mais uniforme de camarões.

Tais observações relativas aos padrões de distribuição dos camarões peneídeos, devem ser considerados quando for feita a oferta de ração através de lance ou de bandejas de alimentação.

Quanto Alimentar

Para definir a quantidade de ração a ser ofertada, estimativas freqüentes e precisas do crescimento e da população de camarões cultivada devem ser conduzidas. Estas variáveis devem ser determinadas pelo menos uma vez por semana durante o decorrer do cultivo, através de lances com redes de tarrafa em áreas do viveiro escolhidas aleatoriamente. Estimativas de sobrevivência de outros cultivos são também utilizadas. Geralmente considera-se uma mortalidade total de aproximadamente 20-40% da população inicialmente estocada, distribuídos uniformemente pela duração do período de cultivo.

Visto que a biota natural representa uma grande percentagem da dieta do P. subtilis cultivado em sistemas semi-intensivos, torna-se fundamental o monitoramento de algum parâmetro que reflita as variações da produtividade natural do viveiro ao longo do ciclo de produção. Isto permite melhor estimar as quantidades de ração que devem ser ofertadas em função da disponibilidade de alimento natural no viveiro. A biomassa de poliquetas já é comumente monitorada em fazendas de camarão marinho no NE. Esta prática tem por finalidade otimizar a produção e as densidades de estocagem de camarão.

Geralmente com o transcorrer do ciclo de engorda, a densidade da população de poliquetas diminui, em decorrência da atividade predatória exercida pelos camarões sobre estes organismos. Portanto, as taxas de alimentação, que decrescem com o aumento do peso corporal da população de camarões cultivada, devem ser balanceadas em relação as variações quantitativas de poliquetas no substrato e da população de camarões sobreviventes.

Considerações finais

Um dos maiores entraves para uma maior utilização de rações peletizadas em cultivos de camarão marinho no Brasil, é o alto custo deste insumo e a inexistência e/ou desconhecimento de técnicas de arraçoamento.

Para a viabilidade técnica-econômica do cultivo semi-intensivo do P. subtilis, os aspectos aqui levantados aqui levantados devem ser considerados com rigor. O desenvolvimento de novas técnicas de arraçoamento, como o uso de bandejas, e de estratégias de alimentação específicas para essa espécie, poderá consolidar o sistema de cultivo semi-intensivo com o P. subtilis no NE do Brasil.

Sob condições favoráveis de cultivo, essa espécie pode alcançar até 14g ao final de 60 dias de engorda, atingindo produtividades de 850 kg/ha/ciclo ou mais.