Por: André Brügger
A piscicultura marinha é o ramo da aqüicultura que trata do cultivo de peixes exclusivamente marinhos, ou que habitam ambientes marinhos em alguma fase de suas vidas. É uma atividade que vêm crescendo bastante em todo o mundo nos últimos anos, estimulada pelos altos preços que seus produtos atingem no mercado. Algumas espécies de atuns e linguados chegam a ser comercializadas no Japão por US$ 60,00 e US$ 40,00 o quilograma, respectivamente.
De acordo com estatísticas realizadas pela FAO, em 1991, a produção mundial da piscicultura marinha foi de 340.910 t e correspondeu a 3,9 % do total de peixes produzidos em cativeiro. Entretanto, a atividade foi responsável por gerar 2,3 bilhões de dólares ou 14,5 % de todo volume de dinheiro gerado pela piscicultura. Vale ressaltar que nestes números não foram incluídos os referentes ao cultivo de salmonídeos, que só no Chile chegou a 65.000 t no ano de 1994.
A criação de peixes marinho-estuarinos se concretizou graças à recentes avanços tecnológicos. Várias espécies já maturam em cativeiro e desovam espontaneamente através do manejo de fatores abióticos, principalmente temperatura e fotoperíodo, garantindo a produção de larvas de melhor qualidade e ao longo do ano. Nas espécies onde isto ainda não é possível, o uso de hormônios como o (LH-RH) e inibidores da dopamina, tem mostrado resultados bastante animadores. No entanto, os maiores avanços foram sem dúvida os conseguidos na larvicultura, considerada até bem pouco tempo atrás, o ponto de estrangulamento para o desenvolvimento da atividade. Na Europa, as taxas médias de sobrevivência da dourada Sparus aurata saltaram de 3% em 1987, para 20% em 1992. No caso do robalo europeu Dicentrarchus labrax já se consegue 50% de sobrevivência da larva recém eclodida até alevino de 60 dias.
Quase 150 milhões de alevinos destas espécies são produzidos anualmente no Mediterrâneo e vendidos a até US$ 0,70 a unidade. O crescimento desta atividade se deu de uma tal forma, neste continente, que a oferta de peixes marinhos cultivados aumentou, forçando os preços para baixo. Nestes últimos 6 anos já houve uma desvalorização de 50 % no preço do robalo europeu e da dourada, hoje comercializados por US$ 10,00/kg.
O Japão ainda lidera a produção mundial de alevinos de peixes marinho-estuarinos com 200 milhões anuais, em sua maioria linguados e pargos. Métodos de cultivo semi-intensivo de larvas (tabela 1) desenvolvidos neste país têm atingido sobrevivência de até 70%, e vêm sendo gradualmente empregados em outras partes do mundo.
Atualmente, a maior preocupação da indústria do cultivo de peixes marinho-estuarinos está no combate à doenças causadas principalmente por parasitas (dinoflagelados e ciliados), bactérias (Vibrios e Aeromonas ) e vírus. Em muitos casos só se tem conseguido eliminá-los usando doses de produtos químicos e fármacos até 5 vezes maior do que as recomendadas usualmente, tamanha a resistência que estes organismos vêm desenvolvendo devido ao uso, muitas vezes indiscriminado, destes produtos ao longo dos anos. A utilização do alimento vivo (rotíferos e artemia) como veículo de antibióticos terapêuticos e a produção de probióticos, que uma vez nos tanques não permitem o desenvolvimento dos organismos patogênicos, parecem uma solução possível a médio prazo.
Um breve histórico e situação atual da atividade no Brasil
Ainda não existem cultivos comerciais de peixes marinho-estuarinos no Brasil. A introdução de espécies exóticas, com técnicas de cultivo conhecidas, apressaria este processo, porém, há de se ter em conta os perigos que estas poderiam vir a causar ao meio ambiente, se cultivadas sem os devidos controles ou no caso de acidentes. Por este motivo, pesquisadores brasileiros vêm buscando o desenvolvimento de tecnologia para o cultivo de nossas espécies.
Aquelas que vêm merecendo maior atenção são: tainha – Mugil platanus, robalos – Centropomus parallelus e C. undecimalis, linguado – Paralichthys orbignyanus e peixe-rei – Odontesthes argentinensis.
A Tainha – Mugil sp.
As pesquisas com tainhas iniciaram-se em meados da década de 70 quando pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco avaliaram seu crescimento em viveiros estuarinos na Ilha de Itamaracá, em sistema de policultivo com robalo Centropomus undecimalis. Já no fim desta década e início dos anos 80, pesquisadores do então Instituto de Pesquisa da Marinha (IPqM-RJ) e a Universidade Federal de Santa Catarina realizaram, quase ao mesmo tempo, as primeiras reproduções induzi das e cultivos de larvas de peixes marinho-estuarinos no Brasil, com a espécie Mllgilliza. No entanto, a mortalidade de quase 100% das larvas impediu a produção de alevinos para iniciar programas de engorda. Alguns anos mais tarde, o IPqM teve suas atividades suspensas e a maioria dos pesquisadores da UFPE e da UFSC passaram a se dedicar a carcinicultura marinha.
Em meados dos anos 80, um grupo de pesquisadores do Instituto de Pesca do Estado de São Paulo, passou a pesquisar as tainhas. O Instituto é hoje o órgão que mais desenvolve tecnologia para o cultivo da mesma. Ao longo do “projeto tainha”, o IPESCA produziu aproximadamente 10.000 alevinos de Mugil platanus, que foram enviados ao Centro de Pesquisas em Aqüicu]tura do Vale do Ribeira, em Pariquera-Açu, para testes de engorda em água doce.
Segundo a Dra. Naoyo Yamanaka, coordenadora deste projeto, o cultivo comercial deste peixe esbarrou por muitos anos nas baixas taxas de sobrevivência larval, que só recentemente atingiram níveis de 26%, podendo finalmente viabilizar programas de engorda em maiores escalas.
Na tabela 2 está um resumo das características da reprodução e da larvicultura da tainha comparada à outras espécies.
O Robalo Centropomus sp.
No Laboratório de Piscicultura da Marinha (LAPMAR) da Universidade Federa] de Santa Catarina, há quase cinco anos vêm sendo realizadas pesquisas com os robalos Centropomus parallelus e C. undecimalis. A desova induzida, larvicultura e alevinagem de C. paralIeIus já foi conseguida várias vezes, porém, a sobrevivência das larvas raramente chegou a 10% após 15 dias de cultivo. Em dezembro de 1994, utilizando como primeiro alimento uma linhagem de rotífero super pequeno proveniente do Japão, foi conseguida uma sobrevivência de 28 % para larvas de duas semanas (tabela 2).
Ao longo de seu funcionamento o LAPMAR já produziu e comercializou aproximadamente 20.000 alevinos de 5 em já adaptados a ração peletizada, a um preço médio de US$ 0,20 a unidade. Além daqueles que se destinaram a cultivos em água doce e salobra em propriedades locais, cinco mil foram soltos pela empresa Mustad no rio Mampituba-RS com fins de repovoamento e dois mil remetidos à região de Angra dos Reis-RJ para serem criados em sistema de tanque-rede no mar.
A espécie Centropomus undecimalis, que apresenta melhor crescimento do que C. parallellus, ainda não foi desovada no LAPMAR devido a falta de reprodutores maduros no litoral sul de Santa Catarina. No entanto, acredita-se que a tecnologia de produção de alevinos desenvolvida para uma, possa ser empregada à outra, sem maiores adaptações.
Os pesquisadores do Instituto de Pesca-SP pretendem, ainda este ano, também iniciar atividades com o cultivo de robalo.
O linguado Paralichthys orbignyanlts
A desova induzida e a incubação dos ovos com boas taxas de eclosão já foram conseguidas algumas vezes no LAPMAR, porém somente poucos alevinos sobreviveram. Acredita-se que a mortalidade em massa das larvas tenha sido causada pela inadequação do primeiro alimento oferecido. Na Fundação Universidade do Rio Grande (FURG-RS), trabalhos com alevinos capturados na natureza já foram conduzidos e sua desova em cativeiro, larvicultura e alevinagem devem ser tentadas ainda este ano.
O peixe-rei Otlontesthes argentinensis
Na Fundação Universidade do Rio Grande, desde 1989, tem sido desenvolvidos trabalhos com esta espécie. Suas larvas apresentam qualidades interessantes para aquicuItura dentre elas o grande tamanho no momento da eclosão, boa aceitação de ração, resistência a compostos nitrogenados tóxicos e excelente tolerância a altas densidades de estocagem.
Segundo Luís André N. Sampaio, pesquisador desta Instituição, até hoje não foram realizados experimentos de engorda dada a inexistência de viveiros de água salobra na região. Desta forma, os pesquisadores da FURG pretendem desenvolver seu cultivo em cercados e tanques-rede, visando também, seu possível aproveitamento como isca viva para a pesca de atuns.
Dentre as espécies nativas que vêm sendo trabalhadas, o peixe-rei é a única na qual a obtenção de ovos é feita sem necessidade de indução hormonal a desova. As fêmeas maduras, coletadas na natureza, são comprimidas nos flancos e seus ovos saem facilmente. Além disso, muitos ovos fertilizados vêm dar na areia da praia, aderidos a substratos diversos e, se incubados em condições adequadas, eclodem facilmente (tabela 2).
Considerações finais
A. despeito das excelentes condições naturais de que dispomos e dos recentes avanços tecnológicos conseguidos, a piscicultura marinha brasileira ainda não se consolidou. Falta uma política para o setor que impeça a descontinuidade e a duplicidade das pesquisas e que otimize a produção dos pesquisadores.Há necessidade dese desenvolver um pacote tecnológico, a curto prazo, que atraia mais investimentos privados para a atividade.
Do ponto de vista técnico, métodos de maturação em cativeiro e obtenção de desovas naturais devem ser estimulados, para garantir melhor qualidade e regularidade na produção de alevinos. As larvas criadas em sistema intensivo têm mostrado sobrevivência cada vez melhor, porém, técnicas semi-intensivas podem ser uma boa opção.
Até o momento não se registrou problemas com organismos patogênicos no cultivo de peixes marinhos no Brasil, porém, estes poderão surgir a partir do momento em que esta atividade atinja proporções comerciais. Deste modo, devemos ter cuidado na utilização de antibióticos e produtos químicos em geral, para evitar o desenvolvimento de linhagens resistentes.
Outros peixes encontrados em nossas águas que podem ser futuramente aproveitados na piscicultura marinha comercial são: garoupas, caranhas, pampos, corvinas e o dourado.
O brasileiro está habituado a consumir peixes de médio a grande porte, muitas vezes acima de um quilo. O produto da piscicultura marinha possivelmente estará numa faixa de peso entre 0,5 a 1,00 kg. Estratégias de marketing e processamento devem ser empregadas para atrair consumidores para estes “novos produtos”.