Por Mauro Schettino de Souza
Prof. Depto. Ciências Biológicas da
Universidade Federal de Ouro Preto –
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O homem moderno com sua vida agitada nos grandes centros urbanos, longe da convivência com a natureza, sentindo cada vez mais a necessidade do retorno às suas origens, parece ter encontrado como opção, trazer fragmentos da natureza para seu convívio doméstico. A escolha por aquários e a prática da aquariofilia, tem sido uma opção crescente, visto que não interfere no cotidiano doméstico e permite a convivência com um mini ecossistema, de onde pode-se adquirir inúmeros aprendizados.
A piscicultura ornamental, que dá suporte a aquariofilia, é um ramo da aqüicultura voltado para a criação de peixes destinados ao povoamento de lagos, tanto de recintos fechados como de ambientes externos, à céu aberto, bem como aquários de residenciais, escritórios e parques, sempre com a finalidade de decorar e embelezar o ambiente onde se encontram.
No Brasil, principalmente nos maiores centros urbanos, podemos encontrar centenas de lojas especializadas na comercialização dos peixes ornamentais, juntamente com uma grande variedade de acessórios que acompanham essa atividade. São diversas marcas de rações, aeradores, filtros, aquecedores e medicamentos que facilitam a manutenção desses animais em cativeiro.
O abastecimento de peixes dessas lojas, geralmente é feito por atacadistas que compram a produção do criador e posteriormente fazem a distribuição do produto. Aliados aos atacadistas, existem as empresas de exportação e importação, que movimentam anualmente centenas de milhares de exemplares de peixes ornamentais, para as diferentes regiões do planeta.
São três as possíveis fontes dos peixes ornamentais comercializados nas lojas de aquarismo: importação, coleta direta na natureza e cultivo.
Importação
Dentre as espécies importadas, podemos relacionar peixes como Acanthophtalmus sp., ciclídeos africanos de descobertas mais recentes; peixes dos gêneros Botia, Melanotonia e Synodontis, além de variedades oriundas de ciclídeos brasileiros que, no exterior, surgiram de mutações espontâneas ou induzidas e, posteriormente, por cruzamentos seletivos visando a intensificação da sua coloração. Como exemplo, temos os acarás disco, peixes do gênero Symphysodon, atualmente um dos mais badalados da aquariofilia nacional, com linhagens desenvolvidas na Alemanha, EUA e Japão. Outro exemplo é o nosso apaiari, um ciclídeo cujo nome científico é Astronotus ocellatus (desenho ao lado), conhecido no exterior como Oscar. Essa espécie foi levada para Singapura, que hoje já exporta uma variedade albina.
Coleta
O Brasil é considerado o maior celeiro de peixes ornamentais do planeta, onde constantemente nos deparamos com a descoberta de novas espécies, que a cada dia amplia a lista de peixes utilizados para a ornamentação. Aqui, nossos peixes, que são coletados por pescadores ribeirinhos, quase sempre sem noção do mercado, e são vendidos por irrisórios centavos aos distribuidores que por sua vez, os exportam a preços muito valorizados fora de nosso país. Apesar das inúmeras denúncias, nada efetivamente está sendo feito para controlar esse comércio extrativista.
No entanto, estudiosos no exterior que já prevêem medidas ambientais para este controle, já pesquisam a biologia de muitas espécies brasileiras e investem na sua produção. Eles selecionam os melhores exemplares, criam ambientes propícios para a sua reprodução, desenvolvem técnicas de produção, selecionam variedades mais atraentes passando a ser nossos concorrentes no mercado internacional e até mesmo exportando para o Brasil o nosso produto, agora melhorado.
Das espécies coletadas podemos citar um dos peixinhos mais atrativos no mercado europeu, os nossos pequenos neons – Paracheirodon innesi que, juntamente com o tetra cardinal – Paracheirodon axelrodi, são exportados aos centos. Além desses, tem sido levados para o exterior espécies de ciclídeos recém descobertas e ainda não identificadas, diversas espécies de cascudos, sem nos esquecermos dos peixes anuais do grupo killifishes, entre outros. A maior parte dos nossos peixes coletados é proveniente dos rios da Bacia Amazônica e, mais recentemente, também da região do Pantanal.
Cultivo
Geralmente as espécies mais cultivadas, são aquelas de maior facilidade de manutenção, onde os peixes pouco exigentes quanto ao manejo se reproduzem espontaneamente sem exigir a intervenção do criador. Em sua maioria, são de origem estrangeira como o “goldfish” Carassius auratus, conhecido popularmente como peixe japonês que, na verdade, tem sua origem na China tendo sido posteriormente levado ao Japão onde foram selecionadas diversas variedades. O japonês é com certeza o peixe mais comercializado em nosso país.
Além desse, temos também os anabantídeos dos gêneros Colisa, Trichogaster e Helostoma (peixe beijador), sem deixar de mencionar o peixe de briga Beta splendens, que na atualidade, após seleção rigorosa, apresenta nadadeiras mais desenvolvidas, como também colorido muito mais intenso que o original.
Acompanha esta lista diversos peixes de fecundação interna, que após o acasalamento a fêmea tem uma verdadeira gestação seguida de parição como os platis, espadas, molinésias e, principalmente, os guppies, que é um dos peixes ornamentais mais estudados geneticamente. A especialização na seleção de exemplares de colorido mais exuberante, de tipos de nadadeiras diferentes e variadas conformações corporais torna-se uma necessidade para acompanhar a evolução que se processa neste campo.
Nos últimos anos tem surgido criadores que se dedicam a peixes mais exigentes de manejo, entre eles variedades importadas de japonês (“goldfish”) como a cabeça de leão, oranda, olho de bolha, mira céu, chocolate, entre outros e, com o conhecimento de sua biologia tem se conseguido avanços na criação, visto que esses peixes alcançam melhor valor de comercialização, estimulando os criadores a investirem inclusive em experimentos visando maior produtividade.
Pequenos produtores
O mercado consumidor cresce tanto no exterior como no Brasil e a piscicultura ornamental é uma boa opção, principalmente para os pequenos proprietários, visto que pequenas áreas alagadas, técnicas apropriadas e acompanhamento diário, são suficientes para torná-la economicamente viável.
Para se ter uma idéia comparativa, tomamos por base a piscicultura de abate, que requer a inundação de vários hectares para que se transforme em uma atividade rentável. Exemplificando melhor, em criação extensiva, uma carpa – Cyprinus carpio necessita de 2 m2 de área de superfície e o prazo de um ano aproximadamente para a despesca, alcançando um preço que pode variar de R$ 5,00 a R$ 10,00, levando-se em conta os melhores resultados. Já um peixe ornamental como o peixe japonês, que é considerado um “primo” da carpa, cuja biologia muito se assemelha à dela, exige muito menos. A mesma área de dois metros quadrados seria suficiente para comportar cerca de 100 exemplares, que após o mesmo tempo de cultivo, poderiam ser comercializados na faixa de R$ 0,50 cada, totalizando R$ 50,00, o que equivale de 5 a 10 vezes o valor obtido com a carpa.
Para finalizar, ao se implantar uma piscicultura ornamental, assim como outros tipos de cultivos aquáticos, além do bom senso e da seriedade, é imprescindível observar alguns fatores como a escolha de espécies com valor comercial, conhecimento da biologia da espécie escolhida para otimizar a produção, água apropriada para essa atividade, proximidade do mercado consumidor, acompanhamento diário da criação e seleção criteriosa de reprodutores, pois não é fácil a sua aquisição e, na maioria das vezes, cabe ao próprio criador produzir suas matrizes.