As vantagens de engordar somente fêmeas
Por:
Claudio Angelo Agostinho /e-mail: [email protected]
Samuel Lopes Lima / e-mail: [email protected]
Lucas Miyabara Agostinho / e-mail: [email protected]
Pesquisadores brasileiros estão desenvolvendo um valioso instrumento para otimizar a produtividade dos ranários brasileiros e amenizar os possíveis impactos ambientais provocados pela rã-touro, uma espécie exótica proveniente da América do Norte. As primeiras proles de rãs monossexo fêmeas já estão sendo avaliadas em laboratório com resultados animadores.
Pretende-se abordar aqui a síntese da técnica de obtenção de plantel monossexo fêmea que faz parte da linha de pesquisa: “Desenvolvimento de linhagens comerciais de rã-touro”, apoiada pela fapesp e CNPq e realizada no Laboratório de Aqüicultura da UNESP/Botucatu.
Os estudos vêm sendo realizados a partir de exemplares adquiridos em ranários comerciais, para a formação de um plantel de reprodutores representativo do universo da ranicultura brasileira. A equipe está estruturando a citada linha de pesquisa, com o intuito de fornecer aos ranicultores, linhagens comerciais dentre elas a linhagem monossexo. As linhagens em desenvolvimento visam principalmente a obtenção de uma maior taxa de crescimento, bem como a maturação sexual tardia. Entretanto, ainda serão necessárias várias gerações de seleção até que se tenha um ganho genético significativo para estas características de produção. Apesar disso, espera-se uma melhoria considerável na produção, pois, com o controle de “pedigree” a consangüinidade pode ser evitada. Vale lembrar que a taxa de consangüinidade pode ser a causa da redução na taxa de crescimento e baixa resistência a doenças nos ranários comerciais brasileiros.
O desenvolvimento do Plantel monossexo fêmea
Na rã-touro, Rana catesbeiana a expressão da sexualidade é controlada pelos cromossomos sexuais, XX para as fêmeas e XY para os machos, que determinam o sexo fisiológico. Entretanto, independentemente do sexo genético da rã, o sexo fisiológico pode ser manipulado pelo uso de esteróides sexuais, que são os indutores primários de vários fenômenos reprodutivos, que iniciam com a diferenciação das gônadas, e são responsáveis pela gametogênese seguidos pela ovulação ou espermiação.
Existem dois métodos hormonais para a formação de um plantel constituído somente por fêmeas:
Método direto: o plantel é formado administrando hormônio feminizante a um lote de girinos ou imagos. Estes animais serão criados até o abate e sua carne será comercializada.
Método indireto: envolve inicialmente a administração de andrógenos para promover a masculinização de fêmeas genéticas, ou seja os animais resultantes são fenotipicamente machos mas com cromossomos XX. Assim que esses animais atingem a maturação sexual, a espermiação é induzida por hormônio liberador de gonadotrofina. O sêmen é colhido e usado na fertilização de óvulos de fêmeas normais, resultando em uma progênie constituída somente por fêmeas (Figura 1).
A principal vantagem do método indireto, embora seja mais demorado, é que os animais cujas carnes serão comercializadas, não terão sido expostos a esteróides exógenos, respeitando as normas que restringem o uso de hormônios em animais destinados ao consumo humano. Para definir esta metodologia, alguns ensaios foram realizados durante os anos 1999 e 2000, para que pudesse ser estabelecida a quantidade do hormônio metiltestosterona a ser utilizada, bem como a fase da vida mais adequada para a masculinização da rã-touro.
Baseando-se na técnica de reversão sexual de tilápia nilótica, foi testada a hipótese de que a diferenciação sexual poderia estar ocorrendo após eclosão do embrião e, para isso, a metiltestosterona foi oferecida aos girinos como o primeiro alimento, em um tratamento que se prolongou por 40 dias. Ao contrário da tilápia, não ocorreu a reversão em nenhum dos três níveis de hormônio testados (30, 60 e 90 mg/kg de ração). Entretanto, quando o hormônio foi oferecido a partir do segundo mês de idade até o final da metamorfose, foi verificada a masculinização de todos os animais.
Teste de progênie
Não foi possível, porém, identificar visualmente as fêmeas que foram masculinizadas através da ingestão da ração contendo hormônio, já que todos os animais que receberam a metiltestosterona possuíam a aparência externa de macho, ou seja, diâmetro do tímpano duas vezes maior do que o diâmetro dos olhos, papo amarelo e calos nupciais (Foto 1). Foi necessário então realizar o teste de progênie para identificar as fêmeas masculinizadas. Esse teste consistiu no acasalamento de animais provenientes do lote que recebeu hormônio masculinizante, com fêmeas normais. Quando a progênie resultante era constituída somente por fêmeas o reprodutor foi considerado como fêmea masculinizada (Tabela 1).
Método indireto utilizando a Laparotomia de imagos:
O teste de progênie é eficiente na identificação das fêmeas masculinizadas, entretanto, o tempo despendido entre a reversão do girino e a identificação da fêmea masculinizada por meio de sua progênie é de 18 a 24 meses. Uma maneira de economizar parte deste tempo é identificar os imagos do sexo feminino através de laparatomia (incisão na cavidade abdominal) e masculinizá-los com ração contendo metiltestosterona. Nesta técnica, os imagos são anestesiados com benzocaina e colocados sobre uma placa de gelo. O sexo do animal é facilmente verificado através de uma incisão de 1,0 cm, no terço intermediário do ventre (Fotos 2, 3,4 e 5). Nos machos, as gônadas são pequenas com formato arredondado e coloração opaca, localizados na extremidade cranial do corpo gorduroso. Os ovários apresentam a mesma disposição dos testículos, mas possuem forma alongada, são lobulados e com coloração alaranjado-hialino. Após a identificação as fêmeas são suturadas e colocadas em baias de recria, recebendo por 40 dias, 60 mg de metiltestosterona por grama de ração comercial para rãs.
As fêmeas masculinizadas, ao atingirem a maturação sexual – aproximadamente 7 meses após a cirurgia, serão machos fisiológicos aptos a se reproduzirem. Portanto, poderão acasalar com fêmeas normais gerando prole 100% fêmea (Figura 2).
Impacto ambiental e zootécnico da linhagem monossexo
A rã-touro originária da América do Norte é criada no Brasil desde a década de 30, e sempre que um novo ranário é implantado ocorre sua disseminação na região, devido às fugas de girinos e rãs. Apesar de existirem medidas preventivas para se evitar fugas dos animais em cativeiro, tais como caixas telas, filtros, etc., a maioria dos ranicultores não as utilizam com eficiência.
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Existem poucos trabalhos sobre o impacto ambiental causado pela introdução desta espécie, entretanto, os distúrbios ecológicos podem ser previstos, pois, a rã-touro compete com as espécies nativas por alimento e “habitat”, predam a anuro-fauna nativa e podem provocar a extinção local de algumas espécies.
Em termos de produção animal a criação de plantéis monossexo fêmea é vantajosa, pois, apesar dos machos apresentarem taxa de crescimento ligeiramente superior a das fêmeas (Tabela 2), quando alcançam a maturação sexual, adquirem um comportamento agressivo. É comum a ocorrência de brigas entre machos e competição por território, estressando todos os animais da baia e muitas vezes causando lesões que podem levar à morte. A vantagem da criação de um lote monossexo fêmea é que não há disputa por território, e a harmonia entre os animais favorece um crescimento homogêneo do lote até o abate.
Portanto, a produção de um plantel de animais de um único sexo contribuirá para reduzir gradativamente os distúrbios ambientais, e consistirá em uma valiosa ferramenta para melhorar a produtividade dos ranários.
A próxima etapa das pesquisas será a avaliação do desempenho da linhagem monossexo nos ranários comerciais, em diferentes regiões do Brasil durante dois ou mais ciclos de produção, bem como a realização do levantamento da população de anuros em torno destes ranários, antes e depois da introdução da linhagem monossexo, verificando o seu impacto ambiental.