Uma Radiografia da Ranicultura Brasileira
O Projeto PLATARAN – Plataforma da Ranicultura Brasileira, financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia tendo como interveniente o CNPq, promoveu em abril passado no campus da UFV – Universidade Federal de Viçosa – MG um Workshop que reuniu, por 3 dias consecutivos, consultores do projeto e agentes que atuam na cadeia produtiva como produtores, extensionistas, cooperativas, universidades, empresários e representantes da indústria de ração, para que fossem analisados os pontos críticos da atividade e pudessem ser definidas algumas estratégias de ação para alavancar o cultivo de rãs no Brasil. Os temas giraram em torno dos resultados de uma pesquisa feita junto a 71 ranários localizados em oito estados, além de indústrias de abate e processamento, distribuidores e empresas de comercialização, com o objetivo de fazer uma radiografia da atividade, capaz de identificar os entraves ao seu desenvolvimento.
Na pesquisa realizada pelo Projeto Plataran estimou-se que atualmente estejam em operação no país cerca de 600 ranários espalhados por diversos estados. Desses, foram visitados 71, localizados em Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Pernambuco e Rio Grande do Norte, visando obter informações sobre o perfil do ranicultor, as características físicas dos ranários e os principais problemas encontrados pelo produtor. Os resultados da pesquisa, compilados pelos professores Samuel Lopes Lima, Onofre Maurício de Souza e Tancredo Almada Cruz, encontram-se publicados no “Relatório do Levantamento de Campo” aqui resumido.
O relatório aponta os ranicultores como pessoas, em geral, de bom nível social e altamente motivados com atividade. Quase a metade (45%) possui curso superior e encaram a ranicultura como uma oportunidade interessante de investimento e, 62% dos ranicultores têm na ranicultura a principal atividade de suas propriedades. Mais de 50% dos ranários foram construídos após 1995, sendo que em 21% deles a criação ainda se encontra em processo de estabilização. Parte dos entrevistados (38%) tem planos para ampliar seu ranário e estão satisfeitos com o empreendimento, ao contrário de outros localizados em regiões bem definidas onde o desânimo é geral devido a sérias dificuldades na comercialização.
A pesquisa revelou ainda que, talvez levados pelo entusiasmo, os ranicultores iniciam o empreendimento com excessiva esperança de breve retorno financeiro e deixam de lado a necessidade de se aprofundar nos conhecimentos básicos que qualquer investidor deve ter sobre o novo negócio, tais como onde colocar o produto, qual a capacidade do mercado, qual a tecnologia para a produção ou quais os recursos necessários. Ficou demonstrado que o comportamento da maioria dos ranicultores brasileiros ao implantar seus ranários está cercado de equívocos: não realizam levantamentos de viabilidade de seus terrenos (51%); elaboram eles próprios os projetos físicos das instalações (44%); não tem noção da importância do projeto zootécnico (35%); raramente (28%) ou nunca (51%) consultam um técnico e fazem análises econômicas dos seus empreendimentos apenas quando são exigidos por algum agente financeiro.
O acesso a tecnologia recorrendo a um produtor vizinho é prática comum no meio rural. Tal procedimento é cercado de riscos e traz conseqüências maléficas à própria atividade e, conforme foi facilmente constatado nas visitas, várias informações técnicas já divulgadas pelas universidades e demais centros de pesquisas foram mal interpretadas ou não chegaram ao produtor de maneira adequada. Ficou claro a regionalização de problemas, ou seja, ranários com sistemas de criação semelhantes, apresentavam os mesmos tipos de dificuldades que afetavam a produtividade e reduziam a capacidade de produção. Desta forma, a estratégia de buscar informações e orientações técnicas com algum ranicultor das proximidades para implantar seu ranário, tem trazido sérios problemas que merecem reflexões.
Comercialização
Existem basicamente duas fontes de rendas entre ranicultores: animais vivos para atender a demanda de outros ranicultores (reprodutores, desovas, girinos e imagos) e rãs para abate. Ao comercializarem suas rãs vivas os ranicultores contribuem para a difusão da ranicultura, porém, a venda da carne de rã lhes proporciona uma fonte de renda mais estável.
Visando um lucro maior, muitos ranicultores abatem seus animais de forma improvisada, trazendo riscos para a atividade e concorrendo de maneira desleal com as indústrias de abate, que operam legalizadas e pagam impostos. Com o intuito de regularizar o abate clandestino se faz necessária a atuação da vigilância sanitária nesses estabelecimentos.
A deslealdade na ranicultura atinge também as cooperativas, que encontram entre seus cooperados aqueles que vendem particularmente sua carne. Como pode ser observado no quadro abaixo, a carne de rã congelada é comercializada por 64,8% dos ranários integrantes da amostra. Os clientes são bastante diversificados (restaurantes, bar, peixaria, açougue, supermercados, abatedouros e outros), destacando-se a venda direta ao consumidor final, que é efetuada por 32 dos 71 entrevistados (45,1%).
Indagados sobre os problemas que consideram estar vivenciando, o mais freqüentemente citado pelos ranicultores foi a comercialização, seguido da falta de assistência técnica, falta de integração comercial entre os produtores, inexistência de abatedouro na região, falta de financiamento para investimentos e custeio, o alto custo da ração e sanidade.
Como possíveis soluções para esses problemas, os ranicultores sugeriram, em primeiro lugar, a formação de associações, seguido de uma maior divulgação das qualidades da carne da rã. Sugeriram também que fossem desenvolvidas novas rações, melhores e com menores custos e a formação de cooperativas, desenvolvimento de estudos sobre sanidade, construção de abatedouros regionais, apoio governamental com a criação linhas de crédito para a ranicultura e isenção de impostos (ICM) e, o desenvolvimento de estudos sobre novos produtos e também sobre reprodução e genética.
Indústrias de Abate e Processamento
Todas as indústrias de abate e processamento de rãs em funcionamento no país, das quais se tinham conhecimento na época do levantamento, e que possuem registro Serviço de Inspeção Federal (SIF) e Serviço de Inspeção Estadual (SIE) foram visitadas. Esse universo de sete estabelecimentos, onde quatro possuem SIF e três possuem SIE, estão distribuídos pelas regiões Sudeste, Centro Oeste e Nordeste, mais precisamente nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Distrito Federal e Rio Grande do Norte. Cem por cento dos projetos dessas empresas contemplam a construção em linha, com área suja e limpa, setor de embalagem e câmara de estocagem e, seis deles previram baias de recuperação e dieta hídrica destinadas ao recebimento e acomodação dos animais após o transporte. A insensibilidade térmica é geralmente efetuada em tinas plásticas ou de inox, com água e gelo e, em alguns casos, sistemas de gancharia improvisados substituiram as nórias automáticas.
Com relação a área construída, cinco das unidades de abate têm menos de 200 m2 e duas delas possuem de 200 a 300 m2. Quatro unidades processam até 200 animais por hora e apenas um estabelecimento processa acima de 500 animais por hora, entendido aqui como capacidade nominal de abate, prevalecendo em cinco dos abatedouros uma jornada de oito horas diárias de trabalho e, nos restantes, seis a sete horas. A faixa de peso dos animais de abate em cinco das unidades vai de 150 gramas a 200 gramas, com médias aproximadas de 180, 190 e 200 gramas. Três abatedouros operam com animais de 201gramas a 250 gramas e médias aproximadas de 220 a 240 gramas, entretanto, dois deles operam também com faixas acima de 250 gramas e médias variando de 280 a 300 gramas.
A produção efetiva em carcaças limpas por turnos de trabalho varia de 25 a 29 kg em um dos abatedouros; de 50 a 59 kg em dois abatedouros e acima de 70 kg em quatro abatedouros. Esta variação está relacionada com o número de funcionários e o peso médio dos animais para abate.
Os animais vivos para abate são obtidos de produção própria e de terceiros ou pagos pelo seu peso em carcaça limpa. Alguns ranicultores independentes fazem uso dos abatedouros sem que o arrendamento das instalações de abate traga prejuízos da marca do arrendatário. O aproveitamento de subprodutos ainda é inexpressivo, representado fracamente pelo aproveitamento da pele e do corpo gorduroso. A pele é utilizada, depois de curtida, em apliques de bijuterias e vestuários e, também, após tratamento adequado, como curativo biológico em queimados. O corpo gorduroso está sendo usado em forma de óleo para produção de cosméticos e como medicamento natural (ainda em estudos) para o tratamento de diversas sintomatologias. O aproveitamento de rejeitos, cerca de 125 kg por jornada de trabalho, é destinado para ração animal e processada por terceiros fora da unidade de abate.
Foi constatado porém, que a indústria de abate e processamento de rãs trabalha com uma capacidade ociosa de 70 a 75% e ainda precisa definir claramente os seus objetivos de produção. A pesquisa mostrou também que os empresários, em sua maioria, operam por impulso e não consideram as suas reais necessidades e potencialidades, dando um caráter de status para o conjunto de seus empreendimentos, sem considerarem contudo, soluções alternativas. São aplicados grandes recursos nas instalações sem que, previamente, seja estabelecido o volume do fornecimento de matéria prima, padronização dos lotes, qualidade final do produto ou o público alvo que irá consumir o seu produto final.
Em cinco estabelecimentos os equipamentos são inspecionados para manutenção periódica e em um deles não existe manutenção preventiva. A ocorrência de equipamentos fora de uso se dá em três abatedouros, especialmente câmaras frigoríficas, provavelmente em decorrência dos seus custos de manutenção em contraposição ao pequeno volume de produto.
Um abatedouro com SIF e dois outros com SIE dispõem de programas para estoque de segurança e mantêm o armazenamento dentro da faixa desejada. Dos restantes, nenhum faz controle do estoque acima do desejado, um na faixa ideal e outro abaixo. Produto Final É bastante restrita a participação da carne de rã no mercado de alimentos e por ser um produto novo para a maioria dos consumidores, não se inclui ainda na rotina de compras de uma dona de casa. São poucos os seus pontos de venda. Muitas vezes associado a idéia de produto indicado para convalescentes, sua colocação nos supermercados não é definida por nenhum estudo, se dando de maneira aleatória em balcões frigoríficos junto com peixe, lula, e outros frutos do mar.
Na maioria dos casos, as rãs são vendidas em bandejas de isopor envoltas em sacos com impressos. São ensacadas individualmente em pacotes de 500g com cerca de 4 a 5 rãs ou de um quilo com 8 a 10 unidades. Apesar dos produtos, de modo geral, possuírem selo de inspeção e boa aparência, algumas vezes podem ser encontrados em condições inadequadas de armazenagem. Nesses casos, ficam com uma aparência ruim pois perdem a sua cor natural.
A venda das coxas aos pares, gerando consequentemente igual quantidade de dorsos é uma alternativa de mercado adotada por quatro dos abatedouros visitados. Em um deles, esses dorsos ainda em quantidade reduzida são desossados após cocção e aproveitados na forma de croquete e, em três dos estabelecimentos, o dorso não tem destino certo e seu custo é embutido no preço das coxas. As carcaças são acondicionadas em peças unitárias, ou em embalagens de 250g, 500g, 1 kg e 5 kg. Existem ainda embalagens que fogem totalmente ao padrão geral, como pacotes com 3 peças de coxas; de 5kg somente refrigeradas; com 330g; com 10 rãs, etc…
No varejo os preços praticados em dezembro de 1998 variavam substancialmente de R$ 9,00 o quilo até R$ 25,00. Em Vitória-ES verificou-se o menor preço médio do quilo da carne de rã. No Rio de Janeiro, observou-se a maior variação de preços (de R$ 14,80 a R$ 25,00). Apesar de ser julgada saborosa, nutritiva e de baixo teor de colesterol, os motivos mais citados para a não aquisição do produto foram o alto preço do produto e dificuldade de preparo.
Não há, no Brasil o hábito de se comercializar rã viva no varejo, com exceção de São Paulo, provavelmente pela influência dos imigrantes orientais, cuja cultura leva a preferência pela aquisição de animais vivos. A rã viva era vendida ao consumidor final, na ocasião, por R$ 10,00 o quilo.
O consumo da carne de rã fora de casa não é muito freqüente e se faz em jantares ou reuniões comemorativas. Apenas 21% dos consumidores entrevistados o fazem com periodicidade de pelo menos uma vez por mês e 67% não têm esse hábito. Os restaurantes finos são os que geralmente oferecem pratos elaborados com rãs em seu menu e seus preços se equiparam aos de camarão. Podem ser oferecidas também fritas ou a milanesa como aperitivo em bares e neste caso, custavam em dezembro, de R$ 4,50 a R$ 16,00.
Perspectivas
O ranicultor brasileiro tem grande interesse de exportar o seu produto, porém o mercado nacional se bem trabalhado poderá consumir toda a sua produção.
Da forma como hoje está estruturada a ranicultura brasileira as chances de conquista do mercado externo se tornam ilusórias, haja visto que este já possui produtos de tradição e o mercado interno, onde a concorrência não é ameaçadora, ainda precisa ser organizado.
A expansão da produção nacional de rãs através de integrações entre os produtores e indústria é viável desde que encarada com visão empresarial, o que implica em planejamento, investimento, produção regular com qualidade, preços competitivos e administração profissional.
Apesar da quantidade de matéria prima de aproximadamente 300 toneladas por ano ainda ser insuficiente para despertar o interesse das indústrias de processamento pescado em instalar uma linha de produção, uma alternativa para o aproveitamento da carne de rãs é o enlatamento. Em termos comparativos, as indústrias de processamento de pescado necessitam produzir diariamente em torno de 12.000 a 15.000 latas de atuns, de 170 gramas de peso líquido de carne, para atenderem a demanda. A necessidade diária de coxa de rã pré-cozida sem osso para uma produção em torno de 12.000 latas seriam de de 2.300 quilos.
O Brasil, devido ao seu nível de pesquisa elevado e o avanço da produção, poderá solidificar seu mercado através de uma economia de escala. É preciso, no entanto, que haja um envolvimento das instituições responsáveis, onde cartilhas, livros e vídeos catalogados sejam difundidos aos interessados através dessas instituições em diferentes regiões do país. É preciso também que haja um programa de associativismo dirigido a todos os agentes da cadeia produtiva, visando buscar a organização do produto, o fortalecimento da atividade e a sua negociação, uma vez que é muito difícil para o produtor ser também o agente comercializador devido às peculiaridades da atividade, seu exotismo ou o preconceito relativo à sua carne.
Um trabalho de marketing deve ser objeto de estudo, enfatizando a qualidade do produto através de um selo que comprove essa qualidade e a sua origem. Além disso, é preciso ocupar um espaço na mídia escrita e televisiva de forma a procurar desvincular o produto da imagem do animal, a exemplo do frango, já que a imagem da rã freqüentemente causa repulsa ao consumidor. Esse estudo deverá ser elaborado por pessoas experientes já que falhas de comunicação e mensagens mal formuladas podem vir a prejudicar a imagem do produto. As embalagens, de acordo com os entrevistados, devem ser bem cuidadas e ter disponíveis no rótulo informações sobre o produto, como procedência, etc.