Por: Sergio Zimerman
A origem do policultivo está ligada aos princípios da aqüicultura. Policultivo é o ato de criar organismos aquáticos em conjunto, num mesmo viveiro. Diferencia-se do consórcio, que é realizado com animais terrestres. É a base da aqüicultura, uma vez que, à exceção dos cultivos super-intensivos, praticamente todo o cultivo de organismos aquáticos é um policultivo. Mesmo quando se estoca camarões em monocultivo, ao se promover a produção primária através das adubações, está se policultivando fito e zooplâncton com camarão.
Os pesquisadores são unânimes em afirmar que o policultivo de camarões independente do sexo, nas piscigranjas é vantajoso, bem como a introdução dos peixes denominados “sanitários” (carpas e tilápias) nos cultivos de camarões.
Foram detectadas enormes diferenças nas técnicas utilizadas nos estudos. O país que publicou mais trabalhos a este respeito foi Israel, onde a metodologia do policultivo parece estar mais desenvolvida e, portanto, as variações entre os relatos são menores. O policultivo do camarão naquele país é realizado com qualquer espécie de peixe, inclusive carnívoros, respeitando-se o tamanho de estocagem de ambas as espécies. Em muitos casos, dependendo do tamanho da espécie companheira, o camarão é que poderá ser a espécie predadora. Recomenda-se introduzir, em viveiros de carpas e tilápias, juvenis de camarão pesando de 0,25 a 0,5 gramas a uma taxa de 2/m2.
Em Israel, se obteve sucesso com juvenis de M. rosenbergii estocados a uma densidade de 5-7,5/m2 em policultivo com alevinos a 0,6-0,7/m2 de tilápia do Nilo (O. niloticus). Foram produzidos 1.045 kg/ha de camarões e 2.700 kg/ha de tilápias em 180 dias, com um retorno de US$ 5.309 e US$ 4.095/ha respectivamente, valores muito semelhantes aos obtidos no Brasil. A maior densidade de estocagem dos camarões fez que fossem necessárias despescas seletivas periódicas à partir dos 120 dias.
Várias experiências de policultivo de camarões com carpas e tilápias foram realizadas na Índia e na Tailândia, porém, os autores não parecem seguir diretrizes tão fixas quanto aquelas encontradas nos trabalhos israelenses. Na Tailândia, o M. rosenbergii foi estocado com carpas chinesas, carpa-capim (Ctenopharyngodon idella), carpa prateada (Hypophthalmichthys molitrix), e cabeça-grande (Aristichthys nobilis) – e mosquito fish (Gambusia sp.) a uma taxa de 50.000, 30-125 e 6.000-12.000/ha para o Macrobrachium, carpas chinesas e mosquito fish, respectivamente, e obteve após 7 1/2 meses de cultivo, a produção de 1.340 kg/ha de camarão pesando em média 40 g, e 625 kg/ha de carpas de 2 a 3,5 kg. Concluiu-se que a produção de camarões não foi diferente daquela obtida em monocultivo, sendo que o policultivo resultou numa qualidade de água satisfatória nos viveiros, menores problemas de infestação de algas e maior decomposição da matéria orgânica da superfície do sedimento do fundo dos viveiros, produzindo mais peixes-iscas mosquito fish. Por este motivo, o policultivo diminui a necessidade de trocas de água nos viveiros.
Na China, as práticas de estocagem dizem respeito às proporções dos peixes – e não a quantidade de alevinos por área alagada. Quando a carpa-capim é a principal espécie: carpa-capim – 55% do total, carpa prateada – 16% do total, carpa da cabeça grande – 10% do total.
Quando a carpa negra é a principal espécie: carpa negra – 42% do total, carpa-capim – 24,2% do total, carpa prateada – 12,4% do total, carpa da cabeça grande – 7,4% do total, carpa comum – 3,4% do total, carpa-dourada – 3,2% do total, outros – 10,6% do total.
Quando a carpa prateada é a principal espécie: carpa prateada – 65% do total, carpa-capim -12% do total, carpa da cabeça grande – 10% do total, carpa-comum – 5,2% do total, outros – 7,8% do total.
Quando se prioriza a carpa cabeça-grande, deve-se eliminar as espécies filtradoras já que as algas alimentam o zooplâncton que são o alimento favorito da cabeça grande. O mesmo era de se esperar para os camarões de água doce que possuem o mesmo hábito da cabeça-grande. Porém, devido ao fato dos camarões alimentarem-se também de esterco das carpas prateadas e das tilápias, a presença dessas filtradoras são muito positivas.
No Havaí, procurou-se demonstrar porque certos peixes são mais adequados ao policultivo com o camarão de água doce. Em experimentos conduzidos com alevinos de carpas prateadas introduzidas em viveiros com M. rosenbergii, foi possível provar que os efeitos positivos obtidos com a introdução dos peixes eram devidos a uma melhora na qualidade da água de cultivo, notadamente nos teores de oxigênio dissolvido (O.D.) ao amanhecer, devido a movimentação do peixe na coluna d’água e conseqüente desestratificação do O.D.. Foi observada uma correlação significativa entre a produção de camarões e as taxas de estocagem dos peixes. Os viveiros com carpas prateadas nas maiores densidades apresentaram níveis de clorofila-a, carbono e nitrogênio significativamente maiores que o controle (sem peixes), o que pode ser explicado pelo consumo de pequenos seres herbívoros do zooplâncton e de fitoplânctons maiores, reduzindo a competição e a pressão de pastejo sobre o fitoplâncton menor. Também a movimentação dos peixes pode ter contribuído com a suspensão dos sedimentos e haver incrementado a taxa de remineralização dos nutrientes, o que é muito interessante para os camarões.
As carpas prateadas – através dos rastros branquiais alimentam-se de fitoplâncton microscópicos com até 30 40 µm e são próprias para o policultivo com outras carpas e camarões de água doce. Um peixe com 250 gramas filtra até 32 litros de água/dia. É comum quando pesam 500-600 gramas crescerem, em policultivo, cerca de 10 g/dia ou até mais. A carpa prateada evita os florescimentos repentinos de algas.
Os efeitos sinérgicos do policultivo podem ser explicados:
– pelo melhoramento no regime de oxigênio dissolvido – as carpas prateadas e tilápias consomem o excesso de algas, não reduzindo a produção de oxigênio, mas diminuindo a respiração noturna das algas; a tilápia e os camarões alimentam-se de detritos do fundo
– o que diminui a quantidade de material a ser decomposto pelas bactérias, diminuindo a demanda por oxigênio;
– alguns peixes e o camarão são coprófagos – alimentam-se de esterco de outros peixes ou outras espécies de peixe; a tilápia e o camarão de água doce alimentam-se do esterco da carpa-comum e da carpa-capim. A carpa comum alimenta-se de detritos produzidos pela carpa prateada, que não digere todas as algas que consome e, junto com a carpa-capim, produz pellets a partir das algas e dos capins, que serão utilizados pela carpa comum e pelos camarões, que não conseguem filtrar algas livres na água.
– diminuição do poder de competição dos predadores – devido a um aumento na população do viveiro, deprimindo as populações das espécies indesejáveis e menos rústicas.
Por outro lado, existem os efeitos negativos, mais evidentes quando ocorre um desequilíbrio no ambiente que acaba ocasionando competição entre as espécies. Além disso, as despescas são dificultadas quando se deseja retirar somente determinada(s) espécie(s) dos viveiros.
O conhecimento do hábito alimentar, do nicho trófico e da velocidade de crescimento das espécies a serem utilizadas com o camarão de água doce é muito importante. As carpas chinesas, comuns, tilápias e tainhas são excelentes candidatas ao cultivo em conjunto com os camarões. Deve-se tomar muito cuidado com a densidade de estocagem de cada espécie, em especial com a carpa cabeça grande que deverá ser sempre inferior a 1.000/ha pois, apesar de ser filtradora de algas maiores (colônias de Aphanizomenon ou Microcystis), prefere o zooplâncton (rotíferos, copépodos e cladóceros), competindo, portanto, com os camarões quanto à alimentação preferencial (é predominantemente zooplantófaga), ocasionando despesca de camarões de tamanho menor, apesar de não afetar sua sobrevivência. Os peixes devem ser estocados de forma a atingirem o tamanho comercial ao mesmo tempo, pois, as despescas seletivas de determinadas espécies ocasionarão perdas muito grandes dos animais remanescentes. Ao contrário do que se presume, a estocagem de espécies carnívoras pode ser até recomendável quando se trabalha em locais com desovas indesejáveis. Recomenda-se a estocagem de alevinos carnívoros pequenos (menores que peixes e camarões não carnívoros) para que a sobrevivência das várias espécies não seja afetada. Um produtor gaúcho de Palmares do Sul, aumentou seu lucro líquido em cerca de 30% com a introdução de carpas-capim em tanques com o M. rosenbergii, uma vez que os camarões apresentaram menores variações de tamanho quando os peixes estavam presentes. Dentre as vantagens de se policultivar a carpa-capim, está a sua rápida velocidade de crescimento, a economia de ração, pois alimentamos com gramíneas de qualidade na proporção de até 50% do peso corporal do peixe por dia. Com 400g, chega a crescer 4,3 g/dia alimentada somente com forrageiras. Além disso, o pellet do esterco rico em forrageiras é muito apreciado pelos camarões, vindo parcialmente digerido.
No Brasil, para se cultivar o camarão nas piscigranjas em baixas densidades (20-30.000/ha), dispende-se cerca de R$ 200-300,00/ha (o custo por milheiro de pós larvas do camarão é de R$ 10,00), e, sem outros custos operacionais, obtém-se uma receita adicional de R$ 1.750-3.000,00/ha (preço ao produtor de R$ 7,00/kg).
No Rio Grande do Sul, apesar da maioria dos produtores ainda ter o camarão em monocultivo, todos os criadores de camarão de água doce que adotaram o policultivo com peixes obtiveram melhores resultados. É recomendado, nos policultivos com carpas chinesas e/ou tilápias nilóticas revertidas, a proporção de 100.000 PL’s ou 60.000 juvenis de camarão (1,2 g) e até 20.000 alevinos (10-20 g) do total dos diversos peixes por hectare, colocados junto com os juvenis ou 30 dias após a estocagem das PL’s. Despesca-se cerca de 1.000 kg de camarão e até cerca de 5.000 kg de peixes por ha/6 meses. Neste caso, a prioridade é o camarão. Outras propriedades, que tradicionalmente cultivam carpas, estão considerando a possibilidade de estocar camarões em baixas densidades (5.000-10.000/ha), obtendo animais maiores e de alto valor no mercado, como uma receita adicional (350-600 kg/ha).
Os resultados médios obtidos na presente revisão foram sumarizados na Tabela 1 (acima). Os ciclos de cultivo que variavam de 3 a 6 meses a uma temperatura de 26 ± 4º C, em sistemas próximos ao que se denomina semi-intensivo (sem aeração artificial com cerca de 5-10% de renovação d’água/dia).
CONCLUSÕES
À partir da pesquisa bibliográfica sobre o policultivo de camarões de água doce, pode-se concluir que o cultivo de camarões deve ser necessariamente acompanhado de peixes e vice-versa. Apesar de ser uma excelente alternativa, o policultivo de camarões com diferentes espécies de peixes ainda não é muito práticado a nível comercial no Brasil, mesmo havendo várias pesquisas disponíveis a esse respeito.
O policultivo além de produzir ganhos adicionais ao aqüicultor sem praticamente aumentar os custos operacionais, melhora aspectos da ecologia dos viveiros, principalmente no que diz respeito à qualidade da água de cultivo. Por esse motivo, o policultivo acaba diminuindo a necessidade de trocas de água nos viveiros. Aos produtores de camarões, a colocação dos peixes faz com que haja um uso mais racional do viveiro, aumentando, em algumas situações, a produção do próprio camarão. Para os produtores de peixes, a colocação de camarões em baixas densidades produz uma considerável receita adicional, devido ao alto valor de mercado dos crustáceos, tudo isso sem prejudicar o desempenho dos peixes.