Prevenção: O Melhor Remédio

Autores: Gilberto Cezar Pavanelli e Jorge Eiras


Medidas preventivas são as mais indicadas para evitar as doenças causadas pelas mudanças bruscas nas condições ambientais, típicas do inverno.

A crescente procura de proteínas de origem animal para o consumo humano tem aumentado significativamente nos últimos anos. A necessidade que o ser humano possui em relação à alimentos protéicos não está sendo satisfeita integralmente com uma atividade meramente extrativista, especialmente no que se refere aos peixes. Isso pode ser explicado pelo fato de os recursos naturais não comportarem um nível de exploração que permita a obtenção da quantidade total de proteínas necessária para os processos metabólicos do homem.

Para fazer frente à essa demanda de material protéico, teve início há algumas décadas as explorações de cultivos de animais, ou seja, as criações em cativeiro. Esse fenômeno tem aumentado e diversificado enormemente nos últimos anos, por vezes com tentativas de cultivar espécies que tradicionalmente não eram utilizadas com essa finalidade.

Conforme a espécie utilizada, existem problemas particulares que se colocam aos criadores. No entanto, algumas dificuldades são comuns à todo o tipo de criação, especialmente os relacionados com os aspectos patogênicos que, nas populações cultivadas, apresentam características bastante diferentes das populações naturais. Essas diferenças resultam principalmente do confinamento dos exemplares, do manejo a que devem ser submetidos, da alteração do meio ambiente etc. Enfim, é necessário considerar todo um conjunto de processos que contribuem para desencadear mecanismos capazes de originar debilidades nos organismos afetados. Essa debilidade pode se manifestar na forma de doenças provocadas por agentes etiológicos que nas populações naturais não teriam importância ou teriam uma importância muito reduzida. Estes organismos, chamados organismos patogênicos facultativos ou secundários, podem pertencer a grupos heterogêneos, como as bactérias, parasitas ou fungos.

Naturalmente que os peixes não são exceção a estes processos, principalmente quando se encontram em cultivos intensivos que podem atingir, muitas vezes, volumes de várias dezenas de quilogramas por metro cúbico de água.

Na piscicultura são muitos os fatores capazes de provocar estresse nos peixes, sendo uns mais facilmente evitáveis que outros. As variações bruscas da temperatura da água, por exemplo, são obviamente impossíveis de se controlar, e serão tanto mais importantes quanto mais rápidas e intensas forem. Este fator não atinge igualmente todas as espécies de peixes, uma vez que algumas têm uma capacidade mais acentuada de tolerância à variação térmica. Por outro lado, este problema será mais importante em certas regiões do que outras, como por exemplo a região sul-sudeste do Brasil, onde, no inverno, pode ocorrer uma variação de mais de dez graus na temperatura da água num período relativamente curto. Esta repentina modificação das condições ambientais tem reflexos no sistema imunitário dos peixes, que deixa de responder tão eficientemente como em condições normais. Por outro lado, originam-se também condições propícias ao rápido desenvolvimento dos organismos patogênicos, em especial dos secundários ou facultativos. Desta maneira, estão portanto criadas as condições particulares que permitem o aparecimento de doenças, que podem desenvolver-se rapidamente e causar grandes mortalidades nos peixes. Os exemplos de organismos com estas caraterísticas são muitos, bastando citar, entre os mais freqüentes, os protozoários como Ichthyophthirius mutifiliis, que provoca a doença dos pontos brancos e Ichthyobodo necator, agente etiológico da ictiobosoe, também chamada costiose. Entre os vermes, pode-se destacar os parasitas de brânquias e superfícies do corpo, conhecidos por monegenéticos e responsáveis por grandes mortalidades em seus hospedeiros. No grupo das bactérias deve-se ressaltar Flexibacter collumnaris que provoca uma patologia chamada vulgarmente de colunariose ou doença da coluna. Pode-se ainda mencionar, como exemplo típico de organismo patogênico secundário, o fungo Saprolegnia, que se desenvolve com extrema facilidade em qualquer lesão na superfície dos peixes, e que é responsável pela doença conhecida por saprolegniose.

É importante destacar que a mortalidade pode ser, da mesma forma que a ocorrência da doença, se não evitada, pelo menos diminuída pelo piscicultor. Em primeiro lugar será necessário que o criador tenha plena consciência de que os organismos patogênicos que originam essas doenças estão normalmente presentes na água das pisciculturas e, muitas vezes, nos próprios peixes, e que apenas em condições de estresse podem provocar as doenças. Apesar de não haver muitos estudos sobre este assunto no Brasil, os que foram efetuados até ao momento mostraram que foi possível estabelecer alguma relação entre modificações ambientais e taxas de mortalidade de maior ou menor gravidade.

Assim, o grande problema que se coloca ao piscicultor é o de procurar manter condições ambientais favoráveis à espécie que está sendo cultivada, e ao mesmo tempo alcançar as cargas máximas possíveis, e portanto mais rentáveis, sem que isso comprometa a sanidade das populações de peixes.

O equilíbrio entre estas duas variáveis não é fácil de ser conseguido, e aí reside precisamente a maior dificuldade das explorações piscícolas. O primeiro fator a ser levado em conta é que é preferível realizar ações preventivas, impedindo a manifestação de doenças, do que ser forçado a medidas terapêuticas, nem sempre eficientes e normalmente muito onerosas e com reflexos muitas vezes indesejáveis ao ambiente. Essa prática parece ser a mais correta, mesmo que isso implique aparentemente em um menor rendimento das pisciculturas. A experiência tem mostrado que muitas vezes é economicamente mais vantajoso trabalhar com cargas médias de peixes, que garantem uma rentabilidade final razoável, do que investir em cargas próximas do limite de tolerância da espécie que está sendo cultivada. Ë necessário considerar ainda que os procedimentos a serem adotados não se aplicam indiscriminadamente a todas as espécies cultivadas, já que deve-se levar em conta as condições particulares de cada espécie.

Pode acontecer, o que não será raro, que mesmo observando-se todos os procedimentos profiláticos adequados, existam situações de mortalidade que justifiquem o tratamento apropriado. Isso ocorre principalmente quando da manifestação de agentes patogênicos chamados de primários, e que têm capacidade, de por si só, desencadearem a doença, independentemente das alterações das condições ambientais. Nesse caso é absolutamente necessário que o piscicultor se informe sobre o tipo de tratamento que deve efetuar. Por outro lado, tem-se verificado (e são inúmeros os exemplos que podem ser citados) que estes organismos patogênicos são introduzidos nas pisciculturas juntamente com o peixe adquirido de outros empreendimentos comerciais. Este fato pode ter graves conseqüências para o futuro do cultivo: alguns dos organismos patogênicos são extremamente difíceis de se erradicar; outros podem mesmo determinar a necessidade de se sacrificar todos os exemplares e desinfetar as instalações antes do recomeço da exploração.

Recomenda-se, por isso, a maior prudência com a introdução de novos peixes nas pisciculturas. O ideal é que toda e qualquer transferência deverá ser feita necessariamente sob rigoroso controle sanitário (quarentena e banhos profiláticos) e acompanhada de um certificado ictiosanitário emitido por uma autoridade competente, atestando a sanidade dos exemplares a serem introduzidos. Agindo assim estaremos evitando que se introduza nas pisciculturas, por exemplo, a Lernaea cyprinacea, que é, sem dúvida, o mais perigoso ectoparasita da fauna brasileira. As lesões provocadas por esse parasita, quando muito numerosas (o que é freqüente já que no mesmo hospedeiro podem ser encontrados centenas de parasitas) podem provocar hemorragias significativas que constituem locais apropriados para infecções secundárias por agentes patogênicos oportunistas. Este crustáceo não possui especificidade parasitária e tem sido responsável por vários casos de mortalidade em variadíssimas espécies de peixes cultivados no Brasil.

Para concluir, pode-se afirmar-se que o estado sanitário das pisciculturas será o resultado da interação entre os peixes, os organismos patogênicos e o meio ambiente. Um bom manejo das explorações será aquele que, favorecendo o adequado e rentável desenvolvimento dos peixes, não permita, ou pelo menos minimize, a proliferação dos organismos patogênicos, já que não existe dúvida a respeito da forte correlação existente entre as técnicas de manejo e o aparecimento de enfermidades.

Autores: Gilberto Cezar Pavanelli – Pesquisador do Nupelia e Presidente da ABRAPOA e, Jorge Eiras – Professor Catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Portugal. Ambos autores do livro “Doenças de Peixes: Profilaxia, Diagnostico e Tratamento”, lançado recentemente pela ABRAPOA.