Retrocruzamento viabiliza o cultivo comercial de tilápias em tanques-rede sem a necessidade da reversão sexual
A busca pelo aumento da produtividade nos cultivos de tilápia tem, invarialvelmente, passado pelo cultivo monosexo, apesar de Athiê Jorge Guerra Santos (UFRPE) e colaboradores já terem questionado a necessidade de reversão sexual das tilápias Chitraladas para o cultivo em tanques-rede, após terem verificado que tanto os machos como as fêmeas apresentaram um crescimento acelerado e uniforme quando criados juntos nesse sistema.
Por: Miguel Arcanjo dos Santos Neto – CHESF – [email protected]
José Patrocínio Lopes – CHESF – [email protected]
Osler Maia de Oliveira – Bahia Pesca S/A – [email protected]
Atualmente a forma mais comum para a obtenção de populações de tilápia 100% macho tem sido por meio da utilização do hormônio sintético masculinizante, 17- metiltestosterona, adicionado à ração por um período de 30 dias após a abertura da boca das larvas. A utilização desse hormônio, no entanto, tem sido cada vez mais criticada e questionada.
Uma outra forma de obter alevinos onde 100% são machos é por meio do cruzamento de duas espécies de tilápias, num processo chamado de hibridização, que possibilita ainda ao pesquisador/produtor obter características desejáveis das duas espécies que se mostraram compatíveis ao cruzamento. Um exemplo clássico é o cruzamento do macho da tilápia de Zanzibar (Oreochromis hornorum) geneticamente pura, com a fêmea da tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus), também geneticamente pura. Os híbridos obtidos desse cruzamento (F1) apresentam maior crescimento e ganho de peso, aumento da resistência às enfermidades, além do fato de que toda a prole é 100% composta de machos (Figura 1).
Os benefícios econômicos e ambientais resultantes da não utilização de hormônios no processo de reversão sexual, realçam a importância deste método para a produção dos híbridos (F1) 100% machos. Entretanto, entre as desvantagens desse cruzamento destacam-se a baixa produção de alevinos (baixa prolificidade), e a falta de afinidade entre os adultos das duas espécies escolhidas (ver artigo “O vigor do híbrido” publicado na edição 52 – março/abril/99, da Panorama da AQÜICULTURA).
O presente artigo, além de discutir as práticas possíveis para obtenção de populações monosexo masculinas, também avalia o desempenho da engorda intensiva realizada com os alevinos resultantes do “retrocruzamento” entre os machos híbridos (F1), com fêmeas da linhagem Chitralada (Oreochromis niloticus). Deste retrocruzamento resultaram alevinos chamados de geração RC (Figura 2), que mostraram ser uma boa alternativa para a produção comercial de tilápias no sistema intensivo.
Por que o retrocruzamento?
O retrocruzamento visa recuperar a prolificidade das tilápias, sem que o vigor do híbrido seja perdido. Além disso, com o retrocruzamento também é recuperada a vantagem que representa a afinidade natural entre os reprodutores.
O cruzamento de espécies diferentes para a obtenção do híbrido, é um recurso da zootecnia quando se deseja que certas características presentes distintamente em cada uma das espécies, sejam repassadas à sua prole. Neste sentido, a tilápia de Zanzibar, Oreochromis hornorum apresenta como característica marcante, a tolerância à alta salinidade. Em contrapartida, a tilápia do Nilo, Oreochromis niloticus possui uma taxa de crescimento e prolificidade maior, além de atingir a idade de maturação sexual mais tardiamente, entre os cinco a seis meses. A produção do RC, portanto, abre grandes perspectivas na tilapicultura, ao possibilitar a recuperação das características desejáveis destas duas espécies de tilápia.
Formação do plantel de reprodutores
Para a realização do experimento foi necessária a formação do plantel de reprodutores. Para a formação dos machos, foram estocados em um tanque de alvenaria os alevinos híbridos (F1) resultantes do cruzamento entre a fêmea da tilápia do Nilo, da variedade Chitralada, com o macho da tilápia de Zanzibar, geneticamente puros conforme descrito anteriormente. Para a formação do plantel de fêmeas, foram realizadas sexagens de um lote de tilápias Chitraladas com idade e tamanho semelhantes a dos machos, até a obtenção dos exemplares seguramente fêmeas.
Quando os peixes atingiram entre cinco e seis meses de idade, foi realizado o acasalamento. Optou-se pela formação de casais, ou seja, a relação de 1:1entre machos e fêmeas. O período para o acasalamento durou cerca 75 dias, e os alevinos resultantes deste acasalamento (RCs) foram utilizados para cultivo em tanques-rede (Figura 3).
Cultivo dos RCs
Os RCs obtidos foram divididos em dois lotes. O primeiro formado por alevinos que não foram revertidos sexualmente para machos, e outro lote com alevinos que foram revertidos sexualmente com o uso do hormônio masculinizante 17- metiltestosterona adicionado à ração, por um período de 30 dias (60 g por quilo de ração com 55% de PB).
Realizou-se o cultivo dos RCs por 120 dias, contados da saída dos bolsões (tanques-rede com malha fina), para tanques-rede de 4 m3, no reservatório de Xingó-BA. Todos os alevinos foram produzidos e doados pela Estação de Piscicultura de Paulo Afonso – EPPA, pertencente à Companhia Hidroelétrica do São Francisco – CHESF.
Foram realizados dois tratamentos com duas repetições. No primeiro tratamento foram estocados dois tanques-rede de 4m3 com 650 alevinos não-revertidos, perfazendo um total de 1.300 alevinos. No segundo tratamento foram mantidas todas as condições do tratamento anterior, a exceção dos alevinos terem passado pelo processo de reversão sexual com o uso do hormônio masculinizante.
Após 120 dias de cultivo, o peso médio dos peixes não revertidos foi de 661,5g com produtividade de 108,9 Kg/m3. O peso médio dos peixes revertidos foi de 615,4g, com uma produtividade de 96,77 Kg/m3 (Tabelas 1 e 2).
O Híbrido (F1) do macho da tilápia de Zanzibar, O. hornorum com a fêmea da tilápia do Nilo, O. niloticus, variedade Chitralada, apresentou uma população com 100% de machos, com ganho de peso e crescimento compatível com os híbridos de nilótica, conforme os trabalhos de Lopes et al. (1999). Nesta produção de híbridos (trabalho de 1999) Lopes relata ter conseguido produzir 240 alevinos/fêmea/mês, sendo os alevinos colhidos após 75 dias da estocagem dos reprodutores. Em igual período, ou seja, após 75 dias de acasalamento, foi feita a coleta de alevinos RCs e a média de desova foi 57,44 alevinos/fêmea/período, para um plantel de 27 fêmeas e 27 machos. Esta média baixa, quando comparada a obtida por Lopes et al. (1999), pode ser explicada por se tratar da primeira desova destas fêmeas.
Permitido um descanso de 12 dias para os reprodutores, eles foram novamente acasalados por um período de 30 dias. Findo este período, foram colhidos 9.500 alevinos, para 24 fêmeas e 27 machos, com média de 395,83 alevinos/fêmea/período. Proença e Bittencourt (1994) relatam que a fêmea de tilápia pode produzir, a cada desova, de 100 a 500 alevinos, dependendo do tamanho da fêmea. Portanto, pode-se supor que não houve falta de afinidade entre o híbrido F1 e a tilápia Chitralada, formando casais com boa prolificidade.
Reversão Sexual: necessária ou não para os RCs?
Os híbridos RCs não revertidos apresentaram um percentual de 73,3%, de machos de um total de 648 peixes amostrados, correspondendo aproximadamente à metade do tratamento. Os híbridos RCs revertidos apresentaram um percentual de 94,4% de machos de um total de 623 amostrados, correspondendo aproximadamente, à metade do tratamento.
Um trabalho realizado por Ana Célia de Araújo Barbosa (Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte – EMPARN) e colaboradores, (2004), avaliaram diferentes sequências de arraçoamento no desenvolvimento de tilápias Chitraladas em gaiolas de pequeno volume em barragem no Município de São Rafael-RN. Barbosa estocou alevinos com peso inicial de 50g na densidade de 235 peixes/m3 por um período de cultivo de 126 dias, e obteve, para o tratamento que apresentou o melhor resultado, uma produtividade de 111,38 kg/m3.
A produtividade média para os dois tratamentos, ou seja, revertidos e não revertidos, encontrados no presente trabalho foi de 108,9 kg/m3 para o peso inicial médio de 36g. Se considerarmos apenas a média do tratamento dos peixes não revertidos, a média sobe para 116,2 kg/m3. Com a densidade de estocagem de 235 peixes/m3, Barbosa et al obtiveram ganho de peso médio diário de 3,83g, peso médio final de 536,5g e produção de 445,55 kg/gaiola para o tratamento que apresentou o melhor desempenho. Considerando os mesmos indicadores para o presente trabalho, tem-se 163 peixes/m3 de densidade de estocagem; 5,4g para o ganho de peso médio diário, peso médio final de 684,2g e produção de 435,4 kg/gaiola, quando considerada a média dos dois tratamentos, convém ressaltar. Isoladamente, os indicadores do tratamento dos híbridos RCs não revertidos são mais expressivos (tabela 01). Em ambos os casos, a biomassa ao final do cultivo estava abaixo da biomassa econômica apresentada por Kubitza (2000), que se situa entre 200 a 300 kg/m3, para tanques-rede de pequeno volume (até 6m3), sugerindo que um incremento na densidade de estocagem não traria perda no desempenho zootécnico do cultivo.
A média de cada tratamento foi submetida ao teste de significância da diferença entre duas médias – Teste “t” ou de Student – ao nível de significância = 5%, não havendo diferença significativa entre a média dos tratamentos, o que leva a sugerir que o cultivo de tilápias híbridas RCs em tanques-rede, dispensa a reversão sexual para macho. Corrobora com esta tese o fato dos exemplares fêmeas do lote não revertido terem apresentado um desenvolvimento comparável ao dos machos, uma vez que, aparentemente não desovaram e, portanto, não incubaram os ovos, o que causa o retardo no seu crescimento. Além disto, algumas fêmeas não revertidas foram sacrificadas e suas gônadas analisadas (Figura 4). Estas se apresentavam atrofiadas e imaturas, sugerindo que o animal canalizou as energias para o seu crescimento e não para o desenvolvimento gonadal, apesar de ter idade superior a seis meses, considerando os períodos de alevinagem, bolsão e engorda. Confirmada esta hipótese, mesmo o cultivo de tilápias RCs em viveiros escavados poderia ser feito sem a necessidade da reversão sexual, possibilitando um ganho econômico e ambiental. As principais conclusões do trabalho podem ser vistas no Quadro 1.
Quadro 1 – Principais Conclusões acerca do Retrocruzamento
O Híbrido F1 do macho da tilápia Oreochromis hornorum com a fêmea da tilápia Oreochromis niloticus variedade Chitralada originou uma população com 100% de machos, levando a crer que esta variedade de Oreochromis niloticus é pura. No entanto, devido ao pequeno número de exemplares neste experimento, há necessidade de repeti-lo nesta e em outras estações de piscicultura, com animais de outros plantéis |
Com a produção de 395,83 alevinos/fêmea/período, pode-se concluir que não houve falta de afinidade no retrocruzamento entre o hídrido F1 e a tilápia Chitralada, formando casais com boa prolificidade; |
O híbrido RC não revertido apresentou um percentual de 73,3% de machos; |
Não houve diferença significativa entre a média dos dois tratamentos, o que leva a sugerir que o cultivo de tilápias híbridas RCs em tanques-rede dispensa a reversão sexual para macho; |
Os ovários das fêmeas RCs mesmo com idade de seis meses, apresentaram-se atrofiados e imaturos, sugerindo que o animal canalizou as energias para o seu crescimento, e não para o desenvolvimento gonadal. |