Produção de Penaeus Vannamei e Tilápia híbrida

100% macho em sistema de policultivo para exportação:
Uma estratégia para a América do Sul

Por: Dan Cohen


O sistema de cultivo de camarões Penaeus estabelecido na América do Sul é baseado no sistema desenvolvido pelo Equador.

O sistema era econômico e obteve sucesso pois o investimento na construção de viveiros e sistemas de canais era relativamente baixo e os sistemas de produção dependiam da alimentação natural disponível, sem aeração, pouco equipamento e confiança na disponibilidade natural de pós-larvas, evitando assim o investimento em laboratórios. No entanto, as produtividades obtidas neste sistema foram correspondentemente baixas.

Nos últimos anos este sistema de produção encontrou dificuldades aparentemente não apenas no Equador, como no resto da América do Sul. Em primeiro lugar, houve um aumento nos custos de produção (como resultado das falhas no fornecimento de pós-larvas, aumento nos custos de terra, transporte e processamento etc.). Em segundo lugar o sistema de produção não é confiável e sujeito a deterioração da qualidade de água, mudanças na salinidade e temperatura havendo poucos recursos para controlar estas mudanças. Em terceiro lugar, o preço de venda do produto não está aumentando em compasso com os efeitos negativos acima mencionados.

Sob estas condições, foi essencial que os produtores aumentassem sua produção por hectare por ano. Estas tentativas realizadas durante a década de 1980 obtiveram poucos resultados, e a produção permaneceu baixa. Aiken(1990) relata que em 1989 os 60 mil hectares de viveiros de camarão no Equador produziram apenas 261 kg/ha/ano e outros 25 mil ha produziram 544 kg/ha/ano, representando no total 85% de todos os viveiros do Equador. Rosenberry(1991) estima que a produtividade média para a América do Sul foi de 909 kg/ha/ano. Esta produção limitada resulta do fato de que a intensificação não pode ser realizada nos sistemas extensivos tradicionais ou semi-intensivos equatorianos com seus grandes viveiros, sistema tão avidamente copiado por produtores sul-americanos.

A intensificação requer viveiros menores, sistemas de água modificados, introdução de aeração e procedimentos sofisticados quanto à alimentação. Percebeu-se que a única maneira de intensificar e aumentar a produção é de se construir novos sistemas de viveiros com um custo de investimento considerável.

No entanto, nem sempre a intensificação traz consigo uma indústria estável e lucrativa. Novos problemas surgem.

A elevação da taxa de estocagem resulta numa maior biomassa que, consequentemente, acarreta um menor peso médio. Existe um relação inversa entre taxa de estocagem e peso médio para muitos crustáceos. Isto pode ser atribuído a uma interação social e portanto não pode ser superado por aumento no arraçoamento. Já que o preço pelo camarão é dependente do tamanho, a receita diminui.

Além disto, o aumento na alimentação e fertilização causa um aumento no sedimento orgânico no fundo do viveiro. A decomposição do sedimento orgânico produz a amônia tóxica, o nitrito e frequentemente a diminuição do oxigênio dissolvido. Aeradores parcialmente aliviam este problema, mas requerem maior capital de investimento, que por sua vez exige uma produção ainda maior a fim de justificar o investimento.

Enquanto que algumas novas fazendas intensivas estão sendo construídas na América do Sul, a questão que permanece é como melhorar a performance econômica dos viveiros de P.vannamei já implantados, já que representam praticamente 99% dos aproximadamente 5.000 ha da América do Sul?

Neste trabalho, apresentamos uma maneira de melhorar a performance da indústria camaroneira qual seja, o policultivo.

POLICULTIVO

Sistemas de policultivo são a estratégia mais antiga e provavelmente de maior sucesso na aqüicultura. Até hoje, a maioria dos produtos vindos da aqüicultura vem de sistemas de policultivo. O sistema foi desenvolvido na China especialmente para as carpas chinesas como Cyprinus carpio, Hypothalmicthys molitrix e Ctenopharyngodon idella. O sucesso do método está na correta estocagem das diferentes espécies, cada qual ocupando seu nicho no viveiro (Tang, 1970).

Os sistemas de policultivo em Israel produzem anualmente 2.700 a 4.500 kg/ha necessitando apenas a adubação orgânica para a nutrição, dependendo da produtividade natural, e dispensando a aeração mecânica (Moav et al., 1977). Espécies de valor como a tainha (Mugil), tilápia (linhagens 100% macho, geneticamente melhoradas de Oreochromis niloticus e O. aureus) e camarão da Malásia (Macrobrachium rosenbergii) são cultivadas com diversas espécies de carpas.

Apesar dos benefícios econômicos e do ambiente ‘amigável’ característico do policultivo, o sistema ainda não foi amplamente adotado no Ocidente, talvez porque seja percebido pelos aqüicultores que os peixes predariam os camarões, competindo pela ração limitada e perturbando o crescimento dos camarões. No entanto, este não é o nosso caso.

Os camarões ocupam um nicho único no viveiro, qual seja, o fundo. Toda a biomassa de camarões se encontra no fundo do viveiro enquanto que a coluna d’água permanece inexplorada. Portanto, o policultivo com peixes, que ocupam a coluna d’água, é uma combinação perfeita. No início dos anos 1980, examinamos a produção de diversos tipos de peixes com o camarão da Malásia, como uma maneira de incrementar lucros sem aumentar os custos.

Conduzimos um experimento (Cohen e Ra’anan,1983) para verificar o efeito do aumento da densidade de tilápia em várias densidades de camarões em termos de sobrevivência de camarões, peso médio, e produção. Verificamos que a sobrevivência não foi afetada pelo incremento na densidade de peixes que foi inicialmente de 3.000 tilápias + 3.000 carpas por hectare e posteriormente aumentado para 7.500 tilápias + 3.000 carpas. Em ambos casos a sobrevivência dos camarões foi de 70 a 90%. O peso médio dos camarões não foi afetado pela densidade dos peixes, mas apenas pela densidade dos próprios camarões. Ficou claro que os camarões no fundo do viveiro crescem a uma taxa constante não importando qual a densidade dos peixes na coluna d’água acima.

A produção total obtida estocando 5, 10 e 15 mil pós-larvas de camarão da Malásia por hectare foi de 600, 1.065 e 1.500 kg/ha/ano além dos 10.000 kg/ha/ano de peixes obtidos em cada caso respectivamente.

Quando a densidade de peixes foi reduzida, a produção de camarão permaneceu inalterada.

Resultados semelhantes foram obtidos no cultivo de catfish Ictalurus punctatus e M. rosenbergii (D’Abramo et al.,1986). A sobrevivência dos camarões foi de 87 a 97% com produção de 154 a 200 kg/ha/ano além dos 5.000 a 8.000 kg/ano de catfish.

Os resultados de viveiros comerciais em Israel (4.2 a 8.0 ha) nos quais M. rosenbergii foi estocado numa baixa densidade para auferir uma colheita marginal no policultivo resultaram num alto peso médio dos camarões (32 a 70 g) e uma sobrevivência (43 a 96%) que não foi significativamente diferente daquela obtida com monocultivo de P. vannamei na América do Sul. A baixa taxa de conversão é característica dos viveiros de policultivo onde a situação ecológica é equilibrada pela produtividade natural e um fluxo de nutrientes que assegura alimentos naturais para todos os componentes do sistema de policultivo, com benefício econômico acentuado.

Baseado nestas descobertas, nós cultivamos as linhas híbridas de tilápias (O.niloticus x O. aureus) com P. vannamei em viveiros semi-intensivos pertencendo a Cia. Maragricola S.A. em Tumaco na Colômbia. A tilápia foi escolhida devido ao aumento na demanda por filés desta espécie no mercado dos EUA e seu potencial como produto de exportação. Pretendíamos então produzir uma colheita de tilápia sem afetar ou modificar qualquer dos procedimentos ou a produção de camarões.

Os híbridos 100% macho do cruzamento de machos O. aureus com fêmeas O. niloticus de linhagem israelense geneticamente melhorada foram usados. Foram escolhidos devida a sua alta taxa de crescimento e baixa competição com os camarões e de modo a prevenir a reprodução nos viveiros.

O ciclo de produção de tilápia foi limitado pelo comprimento do ciclo de produção do camarão. Enquanto os camarões atingiram tamanho comercial em 120 a 150 dias por ciclo a tilápia requereu dois ciclos como este. Assim foi necessário transferir as tilápias de um viveiro para outro para que completassem o crescimento até o tamanho de mercado, com mais de um kg.

Foram usadas tabelas de alimentação, formulações e métodos distintos para os camarões e para os peixes. A taxa de conversão foi calculada separadamente para cada espécie e foi aceitável em todos casos sendo de 1,5 a 2,5 para os peixes e 2,3 a 2,4 para os camarões. A qualidade de água e condições ecológicas do viveiro melhoraram nas condições de policultivo e permaneceram estáveis durante o ciclo. Não houve acúmulo de matéria orgânica no fundo do viveiro. O teor de oxigênio dissolvido permaneceu com pelo menos 4 mg/l, e a visibilidade variou de 40 a 70 cm no disco de Secchi. Não foi usada aeração suplementar além daquela alcançada pela troca de 5 a 20% de água diariamente. A salinidade variou de 1,2 a 20 partes por mil.

A produção de camarões não variou em função da variação de tamanhos dos peixes. A produção média anual extrapolada foi de 17.200 kg/ha/ano de peixe e 2.280 kg/ha/ano de camarão. No entanto o policultivo de peixes e camarões envolve um mínimo de custos adicionais. Destacamos os custos de aquisição de alevinos, ração para peixes, colheita e beneficiamento dos peixes. Nenhum investimento adicional para construção de viveiros ou infra-estrutura é necessário, mas a adição de aeradores incrementará acentuadamente a colheita de peixes. Assim a rentabilidade do viveiro será incrementada.

Uma palavra de cuidado é necessária. A implementação de policultivos não é simples nem sem problemas. O policultivo sem o know-how e tecnologia apropriados provavelmente resultará em fracasso. Em primeiro lugar é aconselhável inspecionar cada sistema de produção de modo a verificar que a construção e a fazenda são adequados. Em segundo lugar, carcinicultores devem aprender o manejo de alevinos, a transferência e estocagem, o desenho das estratégias de produção, a alimentação, o tratamento de doenças, a colheita etc.

Igualmente importante é a utilização de linhagens apropriadas de peixes. Variedades geneticamente melhoradas tem sido desenvolvidas em Israel selecionando as características reprodutivas, nutricionais e de comportamento que são adequadas para o cultivo com Penaeus sp. Estas tilápias atingem rapidamente o peso de 700 a 800 gramas gerando filés que atingem preço de US$ 7.48 a 7.92 por quilo.

BALANÇO POSITIVO

Em resumo as vantagens da introdução de tilápia em policultivo com P. vannamei são:

a) nenhum efeito negativo na produção de camarão,
b) nenhuma mudança no programa de produção de P. vannamei,
c) em caso de escassez de pós-larvas, as tilápias podem ser povoadas isoladamente,
d) a qualidade de água e o ecossistema são melhorados,
e) produção de duas safras para exportação,
f) maiores colheitas combinadas por área,
g) a linha de produção e tecnologia de produção de tilápia são completas, incluindo a reprodução e nutrição.

Estas vantagens formam a base para a introdução de tilápia de alta qualidade como o próximo produto de exportação da America do Sul.

Para tomar vantagem total deste novo potencial recomenda-se estudos de novos projetos de P. vannamei de maneira que facilitem o policultivo efetivo ou a produção alternativa de peixes.

Este artigo foi escrito pelo Dr. Dan Cohen para o Panorama da AQÜICULTURA e traduzido por Philip C. Scott. Informações mais detalhadas podem ser obtidas com o autor escrevendo diretamente para Aquaculture Production Technology Ltd. P.O.Box 4330 Jerusalém 91042 Israel, fax nº 972-2-718898